segunda-feira, 31 de agosto de 2009

O preço da morte

Boas notícias. A China anuncia que mais 14 cidades vão adotar, até o final do ano, a injeção letal na execução de condenados à pena de morte, em substituição à tradicional prática do fuzilamento. Isso significa, numa análise simplista, rápida e otimista, que o povo chinês será substancialmente desonerado: já que cabe à família do condenado arcar com o custo do projétil utilizado na execução, deve sair bem mais em conta pagar por, digamos, uma seringa descartável.
A morte por injeção letal, segundo o Supremo Tribunal Popular da China, é um método “mais humano” do que o fuzilamento e faz parte de um projeto maior de abrandamento das penas capitais. A “humanização” das execuções chinesas está autorizada desde 1996 – 17 anos após a entrada em vigor da lei penal que instituía o fuzilamento – mas passou a ser “recomendada”, gradativamente, a partir de 2001. E esse aplacamento da crueza das execuções, pelo menos de acordo com o vice-presidente do Tribunal, Zhang Jun, deve prosseguir com a redução “a um número extremamente pequeno” dos crimes passíveis de ser punidos com a morte.
Será? Hoje, mais de 60 crimes podem levar os chineses ao paredão – e essas mortes não deixam de ser execuções quase sumárias, porque, segundo a Anistia Internacional, há falta de transparência nos julgamentos, tortura nos interrogatórios, dificuldade de acesso à defesa, juízes despreparados para proferir as sentenças e, acima de tudo, os interesses incontornáveis do comitê central do Partido Comunista. O rol de crimes puníveis com a morte reúne desde assassinato premeditado e desvio de dinheiro público até sonegação de impostos e o simples ato de dirigir embriagado.
Fala-se na possibilidade de a China executar em torno de oito mil prisioneiros a cada ano, mas não há como comprovar essas estimativas. Um número mais próximo do oficial – ainda que o oficial não seja nada confiável – foi apresentado este ano pela Anistia Internacional: em 2008, 1.718 condenados foram executados na China, o que equivale a 72% de todas as mortes por execução ocorridas no mundo inteiro nesse período.
A Anistia calcula que dois terços dos países do mundo aboliram, de fato e/ou de direito, a pena de morte, mas cerca de 70 continuam com a “prática”. No quesito fuzilamento, a China equipara-se a Bielorrússia, Uzbequistão, Somália, Taiwan e Vietnã, entre outros; com a “humanização” das execuções, une-se a Estados Unidos, Guatemala e Tailândia, países que adotam a injeção letal. Há países, por chocante que pareça, em que os presos são mortos por decapitação (Arábia Saudita) e apedrejamento (Afeganistão e Irã).
Embora todo esse horizonte continue sombrio, não deixa de ser animadora a tendência chinesa a humanizar-se e a reduzir as condenações à morte. Pode servir de exemplo. Afinal, faz tempo que a China serve de exemplo: na época da revolução cultural, dizia-se que o comunismo salvaria a China; com a ferrugem dominando a cortina de ferro, a China é que passou a ser a salvação do comunismo; depois, com a derrocada quase total do império socialista no mundo, começou-se a pensar que o capitalismo salvaria a China; agora, depois da crise mundial que estonteou o mundo, o país é que aparece como o salvador do capitalismo.
Não seria de todo ruim se a China aparecesse como “a salvadora” das penas mais humanas.

16 comentários:

Cintia disse...

Eu, hein? Eu e que nao queria ser julgada por nenhum desses paises.. A pena de morte ainda me soa como uma coisa pavorosa, e por mais que se "humaniza", ainda e de uma violencia a la velho testamento que so os "bons cristaos" conseguem aceitar..

Marco Antonio Zanfra disse...

Responda depressa: é melhor ser condenado a morrer por fuzilamento ou por injeção letal?

cintia disse...

Acho que por injecao letal me pouparia de certos vexames na minha hora final, se e que voce me entende..

Blog do Morani disse...

Blogger Blog do Morani disse...

Morte por morte, natural ou não, é sempre digna a se lamentar, mas entre ser executado, sem remédio, a tiro de fuzil à nuca, ou sob os efeitos de uma química letal, ainda preferiria a morte rápida do fuzilamento. Já li sobre a execução usada atualmente nos Estados Unidos e em outros países - a injeção. O condenado leva, primeiramente na veia, uma primeira para ficar "grogue", mas não perde a consciência. O resto dos procedimentos é que deve ser terrível de suportar. O condenado é deitado, amarrado e colocado à mesma veia o tubinho com a agulha, como numa transfusão, e transfunde-se à morte com paralisia respiratória e, quiçá, outras sensações desagradáveis ao condenado, como na câmara de gás. O contato da cápsula com o veneno mortal caindo num recipiente cheio de ácido, por baixo da cadeira, faz desprender-se a nuvem assassina que vai fazer acelerar o batimento cardíaco explodindo o coração do condenado. Eu, que tenho problemas cardíacos sérios, ao sentir o coração galopante, como cavalo em pista de corrida, sei bem o que é esse desconforto, que se assemelha à Morte!

31 de Agosto de 2009 14:33

Eliz disse...

Oi Zanfra,

Já li sobre decapitação, mesmo após a cabeça ser totalmente estirpada do corpo, o indivíduo tem consciência por alguns segundos, isso ocorre porque ainda existe oxigênio no Cérebro.
Assim, jamais gostaria de ser decapitada, nem fuzilada, nem envenenada...

Cintia disse...

.. E nem condenada a 20 anos de trabalhos forcados, como o coitado de um jornalista foi condenado por proferir ataques ao governo..

Cintia disse...

..do Sri Lanka.

CILMAR disse...

O texto nos arremete às considerações que muitos já manifestaram. Impressionamo-nos com a forma cruel com que a morte é provocada nos outros países e nos esquecemos da morte lenta a que se submete o povo brasileiro com a incompetência e desmandos de seu governo. Assim, no Brasil, morre-se também por sacrifício, embora mais lentamente. Falta-nos quase tudo: saúde, moradia, empregos e por aí vai. Isto não seria também uma forma de execução embora a longo prazo? Que o digam os assistentes sociais, como a própria esposa do Zanfra, que atestam diariamente tais calamidades...

Vico disse...

Poxa, não é melhor os chineses pensarem numa forma menos dolorosa de controle da população? Planejamento familiar não seria menos drástico do que execuções sumárias?

Gennara Vitti disse...

Acho que, como a Cíntia, eu também seria submetida a "certos vexames", dependendo da forma de execução. Não me agradaria, por exemplo, batalhar a vida inteira para construir um nome, uma dignidade, e depois ver tudo isso indo por terra diante da iminência da morte... Se pudesse escolher, portanto, eu escolheria algo que fosse pouco a pouco tirando minha consciência, meu medo, minha capacidade de reagir.

Marco Antonio Zanfra disse...

É mesmo, Gennara! Deve ser terrível você viver uma vida heróica e a história registrar apenas suas fraquezas finais. Fico imaginando um verbete assim: "Comandou a revolta popular contra o aumento dos impostos. Pegou em armas para evitar que o Imposto de Renda comesse metade do salário do povo. Ferido em combate, foi preso, julgado sumariamente e condenado à morte. Diante do pelotão de fuzilamento, cagou-se todo."

Anônimo disse...

Senhor Zanfra,
São espantosas as transformações pelas quais está passando a China: pode-se dizer que é o capitalismo mais comunista do mundo, ou o comunismo mais capitalista, sei lá. Diferentemente do que aconteceu com a Rússia, que rendeu-se à sedução do Ocidente mas chegou a perder-se no desabastecimento, a China se garante internamente, tem lastro em dólares para suportar esta e outras crises financeiras mundiais - coisa que muito país capitalista não tem - e mantém seus preceitos socialistas. O interessante da marcha da história chinesa é que ela é autônoma, natural, insensível a pressões externas. Totalmente endógena e autóctone. Pode ter certeza de que um dia as execuções cessarão, a pena de morte vai ser abolida. Mas isso vai ocorrer dentro de um processo natural, gerido pelo próprio povo chinês. O povo da China é quem faz a história da China.
Obrigado.
Fernando Liu

Kafka disse...

Se esse Fernando Liu não é chinês... Mas ele tem razão. Pena que a marcha da história seja tão lenta e tanta gente vai ter de morrer até o próximo passo.

Mary disse...

Para mim a única forma de “humanizar” a pena de morte é ela deixar de existir. Penso que o atual estágio do processo civilizatório vem fortalecendo e negando essa forma de punição, no entanto ela ainda persiste e não conhecemos ainda as várias facetas assumidas e que possam vir a assumir. Penso também que as desigualdades sociais, econômicas, políticas, de gênero propiciam “punição” tão cruéis quanto a pena de morte. Mas não posso aceitar que seja algo imutável. Não posso deixar de acreditar e lutar para que a questão da pena de morte seja algo ultrapassado. Este momento seria então, um patamar a mais no degrau da civilidade.
Mary Kazue Zanfra

Marco Antonio Zanfra disse...

Eita, não foi à toa que eu casei com ela!!!

Fabiano Marques disse...

Esse novo modo de pena de morte eh cafeh pequeno na China.
Outros problemas sociais, graves, cometidos contra quem nao cometeu crime algum, sao muito piores.
Nada eh por acaso. Nem a tirania.