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terça-feira, 18 de junho de 2013
domingo, 19 de maio de 2013
A Revolução do Bicho
Imagine um trabalhador que teve o seu,
digamos, vale-refeição cortado de uma hora para outra, sem qualquer
justificativa.
Pois é assim que deve estar-se sentindo
Lancelot, o labrador de quatro anos que, por questões de saúde, foi forçado a
privar-se de certos prazeres gastronômicos, inclusive os que recebia como
pagamento por serviços prestados...
Explicando: desde os tempos em que eu recebia
o Diário Catarinense em casa, Lancelot acostumou-se a buscar o jornal no portão
e entregar dentro de casa, em troca de alguns biscoitinhos. Agora que compro o
jornal no mercado, o ritual mantém-se: ele me espera no portão, recebe o jornal
e o transporta até dentro de casa. Só larga o pacote no chão quando percebe que
vai receber a recompensa.
Só que os biscoitinhos foram proibidos.
Lancelot é alérgico a certos ingredientes e só está comendo ração especial. SÓ
a ração. Que, na falta de outros agrados, foi também transformada em moeda de
troca para o pagamento do frete.
Mas quem diz que Lancelot está satisfeito
com essa limitação? Quem diz que ele aceita sem questionamento a ração que come
todos os dias como pagamento pelas tarefas extraordinárias que não estão em
seu contrato original de trabalho? Para serviços diferenciados, ele parece
reclamar pagamentos diferenciados...
Há duas semanas, ele tentou tomar com os
dentes o jornal que já estava em minhas mãos. Semana passada, pisou em cima do
pacote, que estava ainda no chão, tentando suspender a entrega. Hoje, quando me
viu abrindo a tampa do recipiente de ração, simplesmente voltou-se em direção à
porta de entrada e deitou-se em seu colchão, com o jornal na boca.
Felizmente, a fome foi maior do que sua
convicção, e ainda consegui resgatar o jornal pagando com a ração. Mas até
quando essa precarização vai garantir a prestação de serviço?
Tento argumentar que a ração especial custa
três vezes mais do que a que ele comia, porque é à base de farinha de salmão –
eu mesmo só como salmão uma vez por ano! – e que as demais comidinhas estão
proibidas pela veterinária, mas as alegações parecem não convencê-lo. Temo que
uma greve geral não seja uma possibilidade muito remota.
Mas a culpa é nossa, afinal. Acostumamo-nos
a subornar sua cara de fome com um pouco de tudo: pão de queijo, bordas
crocantes de pizza, cascas de maçã, fatias de mortadela, cubinhos de carne
cozida, caldo de frango, linguiça defumada...
Experimente acostumar-se a essa diversidade
e, de uma hora para outra, ver tudo isso ser substituído por míseros grãos de
ração.
Ainda que seja uma ração à base de farinha
de salmão, que custa R$ 150 o pacote...
terça-feira, 30 de abril de 2013
Memórias etílicas
Fragmento do livro ‘As duas guerras de
Vlado Herzog’, de Audálio Dantas (Editora Civilização Brasileira):
(...)
Novos adeptos eram arregimentados nos bares próximos às redações: o 308, na
alameda Barão de Campinas, uma das entradas da Folha; o Miranda, na Barão de
Limeira, ao lado da entrada principal do jornal; o Mutamba, na Major Quedinho,
onde ficavam as redações do Estadão e da Gazeta Mercantil (...).
No trecho, Audálio narra o nascimento da
oposição sindical no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, movimento que
culminou com a eleição do próprio Audálio, com o fim do peleguismo e com a
presença marcante dos jornalistas na histórica reação contra a ditadura
militar, nascida após o assassinato de Herzog.
Lendo o livro, senti-me parte, se não da
história, pelo menos dos cenários históricos – afinal, em época um pouco
posterior, frequentei muuuuuito esses bares.
No 308 – que, aliás, chamava-se Churrascaria
Transamazônica e, aliás de novo, ficava no número 306 da Barão de Campinas –
fazíamos as históricas reuniões festivas da Folha, além de prosaicas refeições.
O frango à passarinho era proverbial. O restaurante tinha o hábito de cobrir as
mesas com enormes folhas de papel, e jornalista tem o hábito de rabiscar
enquanto fala. Resultado: quantos poemas, frases célebres, pautas
revolucionárias e esboços premiados não se perderam naquelas folhas? Conta a
lenda que Carlos Caldeira Filho, então sócio de Otávio Frias de Oliveira na
Folha, tentou comprar o restaurante; como não venderam, mandou fechar a saída
do jornal pela Barão de Campinas para tentar boicotar, sem sucesso, a enorme
presença de seus funcionários. Figuras inesquecíveis no 308: os sócios Pinho e
Augusto e o garçom Campos.
O Miranda foi minha segunda casa. Era
Miranda quando eu comecei na Folha, em 1977, mas virou depois Bar do Mané, Bar
do Luiz ou Bar do Juvenal, que eram os três sócios do, na verdade, Bar e
Lanches Para Você. Foi lá que eu mais cultivei o saudável hábito de marcar a
conta num caderninho e pagar no final do mês. Foi lá que fiz minha despedida de
solteiro – com a presença da noiva, claro – em 1983. Mesmo longe da Folha,
mantive minha fidelidade ao Miranda. Fiquei estarrecido quando, ao voltar do
Japão, vi que o bar tinha sido transformado num estacionamento. Figuras
inesquecíveis: além dos sócios, os balconistas Zé Bigode e Grilo e o chapeiro
Daniel.
O Mutamba fez parte de uma outra fase de
minha vida profissional, quando trabalhei no Diário Popular (o Estadão mudara-se
há muito para a Marginal Tietê). Foi por pouco tempo, em 1991, mas qualquer bar
frequentado por mais de seis meses torna-se inesquecível. Não sei se o Mutamba –
árvore da família das tiliáceas; ganhei duas cervejas por descobrir isso e dar
a ideia de colocar a definição num quadro – sobrevive. Figuras inolvidáveis: os
sócios Licínio e Licininho (pai e filho) e o garçom Luiz, apelidado de Pé na
Cova, que, por ter mania de balbuciar alguma coisa em inglês, eu apelidei de
Foot in Grave.
Boteco também é história.
(Na foto – roubada do arquivo de Neusa Japiassu, que aparece em pé – reunião no 308, quero crer que no início dos anos 80).
(Na foto – roubada do arquivo de Neusa Japiassu, que aparece em pé – reunião no 308, quero crer que no início dos anos 80).
sábado, 22 de dezembro de 2012
Quero morrer dormindo...
A
coisa que mais se ouviu e se leu nas redes sociais na manhã da última
sexta-feira foi: “Acordei e o mundo não tinha acabado...” Como se ele não pudesse explodir a qualquer
momento, ou ser atingido por um meteoro gigante no decorrer do dia...
Compreensível, no entanto, essa temporização da tragédia. A impressão de que o mundo teria de acabar durante nosso período de sono deve ter a ver com o medo que as pessoas têm de se defrontar com o final dos tempos, seja ele coletivo ou individual. “Quero morrer dormindo” é um desejo nem sempre manifesto, mas creio que endossado pela maioria das pessoas.
Mais cedo ou mais tarde nossa passagem por este mundinho vai acabar, sabemos disso, mas ninguém deseja viver conscientemente o momento da passagem, justamente por não saber como é – ou como será antes, durante e depois. Pode ser traumático, poxa! Quem já passou não voltou para contar como é. E viver a experiência definitivamente não encoraja ninguém.
Mas como será que é? Uma figura magra vestida de trevas com uma foice na mão? Uma dor lancinante e uma escuridão total em seguida? Uma transição imperceptível, a ponto de demorarmos a entender que aquele corpo que estamos vendo ali deitado é o nosso, como no filme “Ghost”? Um buraco negro nos absorvendo ou uma luz branca nos guiando?
Quem sabe?
Definitivamente, deve ser melhor morrer dormindo, mesmo. E descobrir o resto – se é que há resto a descobrir – quando acordar.
Mas
por que o fim do mundo teria de ser assim? O catolicismo passou séculos
tentando nos convencer de que o Apocalipse será algo aterrorizante, com o chão
se abrindo em chamas e os quatro cavaleiros descendo do céu cinzento brandindo
as espadas vingadoras, e as pessoas desabando em direção às profundezas com os
rostos crispados de dor e desespero, enquanto se arrependem de seus pecados...
E as pessoas acham que isso tudo vai acontecer enquanto elas estiverem dormindo? Um espetáculo pirotécnico, dantesco, cheio de efeitos especiais, para meia dúzia de guardas noturnos e outra meia dúzia de boêmios, bêbados o suficiente para não entenderem a extensão do que estão vendo?
Para fazer jus ao que nos vendeu a Igreja Católica esse tempo todo acho que, no mínimo, o Apocalipse deve beirar a superprodução, em horário nobre, e começar com um mestre de cerimônias – alguém parecido com o Charlton Heston, se não o próprio – murmurando com um sorriso sardônico nos lábios, em meio a um clarão de relâmpagos: “Show time!”
Quanto
a morrer dormindo, acho que comigo não vai rolar, não... Tenho o sono tão leve que com
certeza vou acordar para assistir a meu próprio desenlace.
Compreensível, no entanto, essa temporização da tragédia. A impressão de que o mundo teria de acabar durante nosso período de sono deve ter a ver com o medo que as pessoas têm de se defrontar com o final dos tempos, seja ele coletivo ou individual. “Quero morrer dormindo” é um desejo nem sempre manifesto, mas creio que endossado pela maioria das pessoas.
Mais cedo ou mais tarde nossa passagem por este mundinho vai acabar, sabemos disso, mas ninguém deseja viver conscientemente o momento da passagem, justamente por não saber como é – ou como será antes, durante e depois. Pode ser traumático, poxa! Quem já passou não voltou para contar como é. E viver a experiência definitivamente não encoraja ninguém.
Mas como será que é? Uma figura magra vestida de trevas com uma foice na mão? Uma dor lancinante e uma escuridão total em seguida? Uma transição imperceptível, a ponto de demorarmos a entender que aquele corpo que estamos vendo ali deitado é o nosso, como no filme “Ghost”? Um buraco negro nos absorvendo ou uma luz branca nos guiando?
Quem sabe?
Definitivamente, deve ser melhor morrer dormindo, mesmo. E descobrir o resto – se é que há resto a descobrir – quando acordar.
E as pessoas acham que isso tudo vai acontecer enquanto elas estiverem dormindo? Um espetáculo pirotécnico, dantesco, cheio de efeitos especiais, para meia dúzia de guardas noturnos e outra meia dúzia de boêmios, bêbados o suficiente para não entenderem a extensão do que estão vendo?
Para fazer jus ao que nos vendeu a Igreja Católica esse tempo todo acho que, no mínimo, o Apocalipse deve beirar a superprodução, em horário nobre, e começar com um mestre de cerimônias – alguém parecido com o Charlton Heston, se não o próprio – murmurando com um sorriso sardônico nos lábios, em meio a um clarão de relâmpagos: “Show time!”
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