segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Por um pedaço de pizza


Quando eu era um jovem repórter em início de carreira – sim, eu já fui um jovem repórter em início de carreira – um renomado criminalista sustentou que o incentivo ao consumo poderia tranquilamente ser apontado como uma das causas do aumento dos casos de roubo seguido de morte. Nas palavras dele, alguns assaltantes não hesitariam em matar para ter acesso a um bem de consumo que, pelos meios convencionais, não estaria ao seu alcance. “Se ele mora num barraco imundo, superlotado, em condições sub-humanas, e não dá o menor valor à própria vida, por que daria valor à vida daquele que se interpõe entre ele e o bem que ele deseja?”, foi mais ou menos o que ele me disse.
Naquele tempo – sim, já faz um bom tempo que eu fui um jovem repórter em início de carreira – os bens de consumo pelos quais se matava eram, digamos, um pouco mais “consistentes”, porém. Não que isso justificasse as mortes. Mas, pelo menos, o “valor agregado”, digamos, era um pouco mais significativo em termos de potencial de revenda. Se o assaltante decidisse remover inapelavelmente o obstáculo que se interpunha entre ele e o bem de consumo almejado, esse bem de consumo tinha uma certa estatura financeira, pelo menos.
Depois – quando eu ainda era um jovem repórter, mas não estava mais tão em início de carreira – começaram a matar por um par de tênis importado, um relógio de griffe. Mais recentemente, quando Paraguai e Taiwan acabaram com o fetiche do termo “importado”, bastava ao tênis ser “de marca” para merecer arroubos homicidas. Quer dizer, o tempo foi passando e os assassinos foram tornando-se menos “seletivos”: começaram a matar por um relógio de camelô, por um celular pré-pago, até pela raiva de a vítima não ter posse que justificasse o roubo. Começaram a matar por qualquer coisa. Hoje, mata-se até por um pedaço de pizza – ou pelos 40 centavos que faltaram para inteirar um pedaço de pizza.
Talvez a vida esteja valendo menos hoje, menos ainda do que valia naqueles tempos a que me referi no início do texto. Talvez as pessoas tenham perdido a capacidade de se indignar com a morte, e essa indiferença tenha banalizado ainda mais a capacidade e a facilidade de se tirar a vida. Ou, talvez, a morte é que seja a grande verdade, a grande meta purificadora, a grande redenção.
Seja como for, é triste sentir a morte como algo cada vez mais corriqueiro, banal e tolerável.

Um comentário:

fábio mello disse...

O pior, Marcão, é que eu não vejo saída para essa enrascada em que todos estamos metidos. Nem a longo prazo. As coisas só pioram!

Marcão, permita-me mudar um pouquinho
de assunto, mas ainda dentro do tema proposto: é assustadora a quantidade de jovens que estão tirando a própria vida. No Orkut tem uma comunidade que abriga o perfil de jovens que faziam parte do site de relacionamento, mas que se suicidaram (ou tiveram outros tipos de morte violenta).

Alguém tem uma explicação?

Fábio Mello