segunda-feira, 6 de abril de 2009

Greve

No início de minha carreira como jornalista, apanhei muito por causa da greve dos outros. Repórter novo, cobrindo greve, sabe como é: está onde estão os piquetes e as passeatas; consequentemente, está onde estão a pancadaria e as bombas de gás lacrimogêneo da PM. Seja em São Bernardo do Campo ou no centro velho de São Paulo, tomei muita porrada e respirei muito gás na onda das greves dos metalúrgicos, dos bancários, dos estudantes, do raio que o parta.
Só uma vez apanhei não como coadjuvante, mas como protagonista: foi na histórica e fracassada greve dos jornalistas de São Paulo, que agora em maio está completando 30 anos. Apanhei na frente do Estadão, no Bairro do Limão; apanhei na frente da Folha, na Barão de Limeira, apanhei na frente dos Diários, na Sete de Abril.
Foram seis dias de greve, seis dias de piquetes e pelo menos três dias de confrontos com a polícia. Ganhamos alguma coisa? Sim: experiência, muita experiência. Ao final, voltamos às redações com o rabo entre as pernas, esperando as demissões que certamente ocorreriam.
Não estou aqui para fazer um resgate histórico, buscar causas e consequências da paralisação. Quero apenas lembrar de minha participação no movimento, da participação de um repórter de 23 anos, açodado como quase todos os jovens, que defendeu a greve com veemência em todas as assembleias e só reconheceu que ela era inoportuna e precipitada depois de seu fracasso. O tal do gato escaldado, se me entendem.
Não fui o único gato escaldado, claro. Mas assumi o erro da greve como o erro de toda uma categoria. Não elegi um único culpado, com muitos o fizeram, transferindo a culpa para o presidente do sindicato, Davi de Moraes, apelidado maldosamente de Jim Jones, por ter supostamente levado a categoria ao suicídio. Ora, ora, uma classe vaidosa e arrogante, como a dos jornalistas, virou simples massa de manobra nas mãos de um único homem? Aquelas mentes iluminadas deixaram-se levar docilmente como bezerros para o abate? Foram iludidos, os coitadinhos?
Eu me lembro de assembleias históricas na igreja da Consolação e no Tuca, o teatro da PUC, onde, na madrugada de 23 de maio, foi decretada (com a exigência de dois terços dos votos) a paralisação. O básico da reivindicação era: queríamos 25% de aumento, os patrões ofereciam 16% de reajuste; a última contraproposta – transformando 2% do que era oferecido como reajuste em aumento – nem foi feita pessoalmente: os patrões limitaram-se a publicar um anúncio nos jornais. O repúdio teatral de Perseu Abramo, rasgando o anúncio no palco do Tuca, certamente serviu para convencer muitos indecisos.
Foram seis dias de sufoco, mas os jornais não deixaram de sair um único dia: feito com notas de assessorias de imprensa, telex de agências de notícias e a mão de obra dos fura-greve, era um jornal de má qualidade, que chegava ironicamente a noticiar a própria paralisação. Mas quem, além dos chatos dos jornalistas, preocupa-se com a qualidade do jornal que está nas bancas? O povo comprava e não chiava, o que nos levou a patéticos apelos, pedindo que as pessoas deixassem de adquirir jornais para apoiar nossa greve. Patéticos e presunçosos.
Imagens que marcaram, nesses longínquos seis dias: motoristas da Folha tocando o caminhão por cima de grevistas sentados no asfalto da Barão de Limeira; Henfil, na sede do sindicato, desenhando um a um os cartazes que pediam apoio a nossa greve; Bóris Casoy, fazendo tchauzinho da sacada do quarto andar do prédio da Folha aos grevistas que buscavam receber o salário do outro lado da rua; a fumaceira tóxica que se espalhava pela Engenheiro Caetano Álvares e pelo córrego Mandaqui, na madrugada gelada em que a PM baixou o pau com mais vontade na saída dos caminhões do Estadão...
Faz 30 anos, mas parece que foi ontem.

34 comentários:

Tolentino disse...

Cara, nem imagino o que seria fazer uma greve. Bem que se a categoria resolvesse cruzar os braços, profissional para substituir não iria faltar. O mercado está muito enxuto e protestar pelos direitos anda muito arriscado...

Marco Antonio Zanfra disse...

Naquele tempo, o mercado já não era lá essas coisas. Mas o principal erro nosso foi não perceber a inviabilidade de sustentar uma greve sem a participação dos gráficos, cuja data-base havia sido providencialmente desacoplada da nossa. Se os gráficos parassem, não tinha fura-greve ou release que botassse o jornal nas ruas todos os dias.

Eliz disse...

Oi Zanfra,

Que bom que naquela época que você apanhou era jovem e "forte" e não velhinho como agora....Eehehe

Cintia disse...

Bons tempos, hein?!
Voce guarda alguma documentacao original de seu portfolio? Ou tudo, tudinho virou propriedadde da Folha?
Se voce quiser escrever um livro de memorias tera que recorrer nao so a sua memoria cerebral, como tambem ao Banco de Dados daa Folha?

Marco Antonio Zanfra disse...

Eu não guardo nada. Não tenho arquivo próprio e não sei o que o Banco de Dados da Folha tem que possa me ajudar. Mas eu confio na minha memória, mesmo estando "velhinho como agora", como diz a Elizângela.

Anônimo disse...

Prezado Zanfra
Naquela época,salvo exceções, não havia consciência das classes trabalhadoras,do que se pode,quando a maioria se une.Não havia organização que fizesse entrar na cabeça dos trabalhadores, esse pensamento, as cabeças parecem de rocha. Pelo menos...foi tentado e hoje? Acho que nem os sindicatos se lembram, pois estão compremetidos, tem o rabo preso.
Mas sabe, escreva seu livro. Realmente a Eliz foi exagerada, você nem está tão velho,deve ser mais novo que eu que me considero no frescor da envelhescência.
E tiros de borracha? ksksksksks (só para descontrair).

Zélia Pinheiro disse...

Gostei da tua sessão nostalgia, o que me preocupa é que qdº começamos a fazer isto logo começam também os problemas próprios da idade(crônico-degenerativos), OH meu Deus!
A autocrítica e a avaliação sobre a tua categoria também foi corajosa e boa demais da conta! Parabéns

Marco Antonio Zanfra disse...

Meus problemas crônico-degenerativos devem começar somente depois que eu completar cem anos...

Blog do Morani disse...

07/04/09

Prezado Zanfra:

Pelo que entendi você hoje se arrepende de ter feito greves (por ter apanhado ou por achar a greve um meio inadequado à reclamações justas?), mas se essas - as reclamações de uma época de indiferença por parte das elites - eram a verdade de uma classe, como a dos jornalistas,elas teriam que prevalecer de alguma forma. As greves, então, eram comuns e justas, mas tornaram-se corriqueiras por se multiplicarem a três por dois. Porém, hoje, vemos greves de todas as classes: de policiais, de juizes e de outras importantes como médicos, enfermeiros, motoristas,bancários etc. etc. etc.
Esse episódio em sua vida profissional fica como um marco de sua passagem debutante pelo
jornalismo sempre tão criticado, como agora pelos Senadores de nossa República. Ontem, foi através do discurso do senhor Agripino Maia, à tribuna daquela Casa Legislativa, sobre o caso da Construtora Camargo Correia.
Parabéns, pelo seu texto de cunho histórico de uma classe corajosa. Não me esquece a morte da jornalista norte-americana Dickey Chapelle (fotógrafa), quando da cobertura das agitações estudantís no México. Quer saber o nome do agente "agitador"? Turi Todaro, italiano, a serviço da Inteligência de Moscou.Como sei? É um segredo que levarei à sepultura, por questões particulares e, ainda, porque muitos "anônimos", em seu blog, podem por em dúvida uma afimativa de tal envergadura. Esse agente faleceu por parada cardíaca e não por balas, como nos filmes do 007!
Abraços
Morani

Marco Antonio Zanfra disse...

Desculpe, Morani, se deixei a impressão de que me arrependi de "fazer greve". O que eu tentei dizer é que nossa greve, naquelas circunstâncias, nasceu fadada ao fracasso. Não me arrependo de ter participado dela, tanto que fiz uma postagem especial sobre seu aniversário, e não tenho nada contra paralisações, incluindo de jornalista. Mas acho que elas carecem de uma bela estruturação para não naufragarem.

Carlos Martí disse...

Estou de greve.

Blog do Morani disse...

Muito obrigado pela sua deferência em me esclarecer. Não tinha obrigação alguma por isso a minha gratidão. Quem torceu o espírito do texto, declina sua desculpas por não ter lobrigado a real situação das greves naquela época.
De qualquer modo a verdade dos jornalistas não ficou escondida covardemente, mas postas aos olhares das autoridades truculentas como soem acontecer.

Grato mais uma vez e meus cumprimentos respeitosos.
Morani

José Luiz Teixeira disse...

Zanfra, eu ainda não o conhecia, mas estava no piquete do Estadão também. Não apanhei porque , presumo, corri mais do que você. Quanto ao seu comentário sobre a greve, assino embaixo. Na verdade, acho que foi mais uma experiência existencialista do que política.

Marco Antonio Zanfra disse...

Meu piquete de base era no Diário Popular; quando anoitecia, nossa equipe saía pelos outros piquetes, basicamente para apanhar...

Cintia disse...

Posso imaginar a conversa:
- O que voce vai fazer agora, Zanfra?

- Hmmm, acho que vou dar um pulinho no piquete da Folha pra apanhar um pouquinho. Nao to fazendo nada, mesmo!

Marco Antonio Zanfra disse...

Era mais ou menos isso. Íamos eu, o Zappia e o resto da turma. No piquete do Dipo estava muito parado e nós queríamos ação. Para você ter idéia, no auge da empolgação eu cheguei a passar quase 72 horas no ar (cochilando um pouquinho aqui, um pouquinho ali). Hoje, passou de nove e meia da noite eu já começo a pescoçar.

cintia disse...

Nao vai me dizer que voce ja chegou naquele ponto de acordar as 6 da manha.. sem precisar!

Marco Antonio Zanfra disse...

Faz tempo...

Anônimo disse...

Zanfra,
Gostaria de aproveitar o espaço para antecipar a grande data: 12 de abril.
Além de uma Feliz Páscoa, desejo um ÓTIMO ANIVERSÁRIO!!!!!!!!
Muita saúde,tranquilidade, paz, $$$$$ e alegria.
Um grande abraço de sua amiga e admiradora,Rosângela L. Bittencourt

Carlos Martí disse...

Marco, sabia que tinhamos mais uma coisa em comum (parafraseando o grande Joaquin Sabina, "¿Quién me a robado el mes de Abril?") os parabéns deixo para o próprio dia. Só mais uma coisa... você é o mais velho!!!!!!

Carlos Martí disse...

No Brasil, vivi mais de perto greves e manifestações entre os anos 75 e 79. Não cheguei a apanhar da polícia, mas lembro de uma manifestação gigantesca na USP, que em determinado momento fomos encurralados, inclusive com helicópteros sobrevoando. Memoráveis alguns confrontos com estudantes do Mackenzie pertencentes ao AAA (se não recordo mal, o Casoy esteve ligado à organização). Sim que estive detido durante todo um dia nas dependências do DOPS, da D. Pedro II por uma publicação estudantil da que era ilustrador. Tomaram nossas declarações, depois de muita espera e coincidência ou não, um desfile interminável de policiais portando pesadas e intimidatórias armas. A coisa não foi mais além, e no fim do dia fomos liberados, e eu peguei um trem lotado de volta à minha casa em Pirituba, enquanto o resto dos meus comapanheiros de jornal iam para suas casas, no Higienópolis, Pacaembú, Moema... suponho que isso ajudou um pouco. O problema é que pairava sobre mim a permanente ameaça de que, como diziam eles, eu era "modelo 19".
Aqui na Espanha, a expressão "correr delante de los grises" é famosa ao referir-se aos anos de repressão, da violência policial que parecia definitivamente enterrada, mas que foi recentemente revivida durante as manifestações estudantis em Barcelona em contra do projeto de reformulação do ensino universitário europeu conhecido como "Bolonha", em que os policiais voltaram a distribuiram porradas. Contudo, parece que existe uma perspectiva de ver recompensados hematomas e luxações. Hoje o governo Zapatero anunciou uma reformulaçñao ministerial pouco usual por aqui, com o principal pretexto de ataque frontal à crise econômica, mas com especial atenção ao setor educacional, com a mudança dos dois ministros da área e com a promessa do presidente de rever a tal reforma, atendendo às reivindicações populares.

Anônimo disse...

Apanhou da polícia?A velha e boa polícia?Odiada por muitos necessária para todos.Aliás,polícia é bom para os outros,nunca para a gente.
"A polícia apresenta suas armas:escudos transparentes cacetetes,capacetes reluzentes e a determinação de manter tudo em seu lugar"(Herbert Viana).É o outro lado da moeda.
TENENTE PM RUI ZANFRA

Marco Antonio Zanfra disse...

Carles, se bem me lembro você é de 28 de abril. Ou seja, sou infinitos 16 dias mais "experiente". E acabo de receber o presente de aniversário: a notícia de que meu livro entrou finalmente na programação editorial da Brasiliense (que estava atrasada). Isso, na prática, quer dizer que agora vai!

Zélia Pinheiro disse...

Assim que for publicado faça um comercial aqui do seu livro ta bem?
Gostei de saber que os seus (problemas crônico degenerativos) só surgirão aos cem anos, os meus também! Como somos da mesma idade quem sabe qdº estes surgirem não compartilharemos algum asilo e faremos uma sessão nostalgia dos tempos de "Greve" vc na categoria dos Jornalistas e eu na de Saúde e Previdência. Começamos a enfrentar os "homens" qdº ainda nem tínhamos direito de sindicalizar.Qdº em 5 de outubro foi promulgada a tual Constituição, no dia seguinte amanhecemos na porta do cartório para o registro do SINTFESP-Sindicato dos Trabalhadores em Saúde e Previdência GO/TO(o movimento era anível nacional).Mas a nossa maior vitória tinha sido antes com os deputados constituintes,gastamos muita sola de sapato e lábia nos corredores do Congresso Nacional para garantirmos a aprovação dos do texto relativo à saúde de acordo com o que tínhamos elaborado na 9ª conferência Nacional de Saúde(BSB/1986 com mais de cinco mil delegados). Simples assim? Claro que não, como alguém já disse que "a esquerda só se une na cadeia" e como por aqui não fomos presos nunca nos unimos(risos). Mas se hoje temos um sistema público de saúde com princípios de Universalidade,Integralidade,Acessibilidade(em que ainda todos os problemas na sua implementação)é o resultado de muita luta no Movimento de Reforma Sanitária, esta não se encerrou com o advento do SUS, mas é permanente enquanto não garantirmos o cumprimento dos seus princípios.bom, deixo para contar tudo qdº tivermos cem anos rsrsrsrsrsrsrs.

Marco Antonio Zanfra disse...

Zélia: Já estou vendo - aos cento e poucos anos, caquéticos, usando fraldas geriátricas e com mantas sobre as pernas, vamos lembrar de Ulysses Guimarães como "aquele menino" em nossos papos na varanda do asilo.
Rui: não sei se mudou a letra, mas antigamente a gente cantava o hino da PM paulista como "legião de idealistas/nós batemos em jornalistas".

Carlos Martí disse...

Isso mesmo, 28 de Abril, se o passo dos anos não deixou o bom alcançar seu gosto clubistico-esportivo, pelo menos, não mermou su memória, invejável. Digamos que vc. está 16 dias mais perto do asilo - meus filhos já nós prometeram um 5 estrelas -. Por falar neles, hoje o mais novo faz 19. Mais um do "clube dos abris". E parabéns pelo livro. Sei que não é presente, é mérito. Os presentes, espero, cheguem aos caminhões.
Abraço

Carlos Martí disse...

Quanto à PM, sigo considerando-a uma organização mal preparada, inimiga de um a sociedade justa e torcendo para que o único sorriso deles seja proporcionado pelos bons dentistas de que, suponho, dispõem. Uma pergunta, tenente é aquela divisa que não consegue se enturmar com os soldados e é desprezado pelos oficiais? Abraços.
P.M., digo S.: como diriam meus amigos espanhóis: "muy bien Carles, haciendo amigos, eh?" jejejeje

Cintia disse...

Falando em times, sabado sera um dia de alegria (para nos Sao-paulinos, espero!) Vamos fazer um churrasquinho na casa de um amigo brasileiro para assistir aos jogos. Nem sei quem o Sao Paulo vai pegar (Santos, Corintians ou Palmeiras), mas "que venga!"
Qual sera o outro time vitorioso?

Marco Antonio Zanfra disse...

Se você quer assistir ao jogo do São Paulo (contra o Corinthians) durante o churrasquinho, melhor mudar o programa para domingo.

Cintia disse...

Pelo que eu sei, vai haver jogo no sabado e no domingo.. Concluo, pelo sua resposta, que o jogo que vai acompanhar meu churasquinho vai ser o do Parmera x Santos (certo?), portanto sem risco para indigestao :)

Boa Pascoa!

Jorge Antonio Barros disse...

Caro Marco Antonio,
Gostaria de dizer que deixei um comentário no seu blog Repórter de Polícia.
Sobre greves, eu fiz uma e furei outra, em 27 anos de jornalismo. Repórter do JB no Rio, em 1986, participei da greve geral derruba general, organizada pela CUT. E furei uma outra, de jornalistas do Rio, quando era chefe da sucursal de são Paulo, do Dia. É claro que a situação pior é a de furar, porque vc se sente um M.

Zélia Pinheiro disse...

Caro Jorge A.Barros,
Compreendo a tua situação de furar greve qdº estava chefe, é a eterna contradição entre capital X trabalho que não podemos fingir que não existe. Qdº nos tornamos coordenadores(chefes), mesmo que seja por mérito e num governo "democrático e popular" estamos na posição de patrão para o bem e para o mal. Oxalá que inventemos uma sociedade mais justa e fraterna(nem sei o nome que teria) mas que pudessemos exercer nossa liderança sem contudo nos setirmos uns m... Também já me senti assim e sei como é.

Carlos Martí disse...

cumpleaños feliz,
cumpleaños feliz,
te deseamos todos,
cumpleaños feliz.

zelia.pinheiro@gmail.com disse...

Feliz Aniversário!!! ainda falta muito tempo pra ir morar no asilo!!! Até lá Carpe Diem!!!