segunda-feira, 11 de maio de 2009

Floripa

Não tenho certeza, mas creio que a idéia de chamar Florianópolis de Floripa não partiu de um florianopolitano, mas de um gaúcho. Tenho dois fortes motivos para acreditar nessa teoria: o primeiro é a presença suficiente – ou até mais do que suficiente – de gaúchos na Ilha de Santa Catarina, tanto como moradores quanto como visitantes, o que daria força à probabilidade de que, embora endógena, a alcunha não seja necessariamente nativa.
O segundo é a histórica capacidade deles, especialmente dos portoalegrenses, de abreviar preguiçosamente as palavras. Eles chamam, por exemplo, supermercado de super e refrigerante de refri. Daí a força do corolário: se alguém não consegue falar su-per-mer-ca-do, como vai conseguir pronunciar flo-ri-a-nó-po-lis?
Um terceiro dado forneceria o remate a esta minha conclusão: da mesma forma que não me lembro de ter ouvido sequer um paulistano chamar São Paulo de Sampa, não ouço os manezinhos referirem-se a sua terra natal como Floripa. Eles preferem tratá-la respeitosamente pelo nome próprio – embora haja quem tenha manifesta predileção pelo ancestral Desterro, principalmente por achar que Floriano Peixoto, por seu caráter, não mereça tão bela homenagem.
Não posso negar, todavia, que Floripa tenha uma conotação carinhosa. Induz a uma concepção de intimidade, provavelmente em contrapartida à capacidade acolhedora da Ilha da Magia. É mais ou menos como chamar a bisavó de bisa e a madrinha de dindinha. Não deixa de ser uma retribuição à enorme capacidade que Florianópolis tem de abrir seus braços aos visitantes.
Mas talvez esta sua qualidade seja hoje seu maior problema: a cidade continua com os braços abertos, embora tenha hoje uma capacidade de absorção bastante comprometida. Para ter uma idéia, a cada 14 gaúchos que aportam na ilha todos os dias, segundo dados da prefeitura, dez vêm para ficar. Não tenho dados sobre migração paulista ou paranaense, mas tenho certeza de que, salvo um aporte provavelmente bem menor, a proporção dos “ficantes” deve ser semelhante.
Tudo bem, Florianópolis é apaixonante, uma cidade de amor à primeira vista. Essa convergência é justificável. Eu mesmo decidi que iria morar na ilha logo em minha primeira visita. Por isso, não tenho hoje o direito de impedir que outros apaixonados usufruam desse amor. Mas não posso me furtar também de passar uma informaçãozinha básica: a população daqui mais do que dobrou nos últimos 30 anos e sua frota de veículos cresceu 2,22 vezes em apenas 15 anos.
Até “coração de mãe” tem seu limites. No nosso caso, a extrapolação desses limites é mais visível no trânsito. Diz o colunista Cacau Menezes, do “Diário Catarinense”, que o problema de Florianópolis não é o excesso de veículos, mas a falta de ruas. É compreensível: além de ser “um pedacinho de terra perdido no mar” – como diz o “Rancho de Amor à Ilha”, hino oficial da cidade – o pedacinho destinado ao tráfego é limitado pelo perfil montanhoso. Floripa? Não, o cognome mais comum hoje é Filanópolis.
Há solução para esse estrangulamento? Dificilmente. Se não esbarra na falta de visão dos governantes e nos obstáculos intransponíveis que o crescimento desordenado deixou pelo caminho, a solução é amarrada pelo viés ecológico: a conclusão da Via Expressa Sul, por exemplo – com o nome devidamente adaptado para Via Extressa Sul, pelas próprias circunstâncias do trânsito – está entravada por um embargo ambiental, já que o traçado original prevê a transposição de uma área de mangue. Quero ressaltar que, sem a conclusão da Extressa Sul, não se chega ao Aeroporto Hercílio Luz e ao campo do Avaí, agora em tempos de série A, sem pagar os pecados desta e de pelo menos mais duas gerações.
A despeito de suas limitações, entretanto, Florianópolis tem planos, todos baseados em enormes investimentos. Um deles é ser uma das sedes da Copa de 2014; outro é transformar-se em destino turístico internacional. Para o primeiro, depende de uma decisão da Fifa; para o segundo, deve sediar, a partir desta quinta-feira, o 9º Congresso do Conselho Mundial de Viagem e Turismo, encontro que inclui a apresentação de 37 projetos turísticos, ao custo estimado de R$ 12 bilhões, que podem transformar nossa Ilha da Magia numa cidade do nível de uma Dubai ou de uma Monte Carlo, por exemplo.
Sei que vai ser difícil, porque o maior entrave, mesmo com a disposição para investir, é a falta de estrutura urbana, mas Florianópolis merece um lugar no cenário internacional. Só que as pessoas que, como eu, mudaram-se para a ilha com o intuito de fugir do estresse das grandes cidades já podem ir tirando sua tainha da brasa e arrumar as malas em busca de um novo oásis. Quem sabe Paulo Lopes.

(Escrever sobre Florianópolis no blog foi uma sugestão de meu amigo Ricardo Kotscho. Só não sei se o enfoque que ele pretendia era este que eu escolhi.)

19 comentários:

Prof. Dr. Aristides Faria disse...

Parabéns pelo texto, Zanfra!

Sou de Santos (SP), morei em Floripa por sete anos, tendo retornado a meu Estado de origem em 2007.

Fui/voltei por questões profissionais e, tenha certeza, guardo o maior carinho e muitas saudades da Ilha e de suas pessoas.

Um forte abraço!
Sucesso sempre,
Aristides Faria

Anônimo disse...

Floripa pegou depois que o Cacau soltou na TV. Quem é daqui atribui a ele o apelido que pegou.

Cintia disse...

Sera tao dificil conciliar progresso com protecao ambiental, infra-estrutura com a manutencao do charme que a todos atrai?
Governo, iniciativa privada e organizacoes protecionistas bem que poderiam converger um pouco em vez do divergir..
Ainda nao fui, mas quando chegar minha vez de visitar quero encontrar tudo do jeito que esta !

Regina Andrade disse...

Zanfra...eu vim de São Paulo ou será de "Sampa"...pode ser. Esta ilha é maravilhosa e tenho também pessoas da minha árvore genealógica vindo também...kkkkkk

José Luiz Teixeira disse...

Zanfra, o processo é assim: os primeiros a descobrir o lugar, obviamente, são seus fundadores; depois chegam os hippies: em seguida, os jornalistas, que espalham a beleza do lugar pra todo mundo; depois vem os profissionais liberais, a classe média não demora a chegar; e, finalmente, os empreendimentos imobiliários,e a massa. É triste, mas é assim.

Manuel Lops disse...

Caro Zanfra, compartilho contigo o saudosismo e o encanto de Florianópolis. Sou paulista, mas vivo em Brasília há 37 anos, sinto-me um candango.Mas é impossível recordar a Ilha da Magia ( bem decantada em trechos dos versos na subida para a Lagôa da Conceição)sem sentir trasteza ao ve-la invadida e desrespeitada por turistas, que deveriam ser visitantes casuais, e não avfges de arribação que se assentam e destroem. Parabens pelas observações e preocupação. Tenho amigos que aí moram. Tinha, confesso, certa inveja deles pela morada.Hoje creio que sinto dó, pois sei que eles e os intrépuidos pioneiros não merecem essa deturpação urbana e ecológica que está se processando nessa bela ilha.É uma pena.

Rui(Habilitado A e C) disse...

Começa assim:Apelidinho carinhoso,uma passadinha de mão e crau!Vão para lá com essa intimidade.Vão abreviar "carinhosamente" o receptáculo de ondem sorvem o mate.Já pensou que diálogo comprometedor:-Onde você toma o mate diariamente?Tomo na cuia(sem abreviar)-Onde eu enfio essa ervas amargas?-Bote na cuia.E o pior e´que passa de mão em mão.Uma dúvida:Caetano é gaúcho ou adotou o "apelido preguiço-carinhoso dessses seus desafetos vizinhos de estado quando compôs Sampa?
Agora,só não me instalei em Fpolis(essa abreviatura é das placas de trânsito locais),porque o "coração de IRMÃE" tem realmente suas limitações.Mas que é linda,é!

www.dado.gaucho.zip.net disse...

Amigo sou blogueiro e tbm gaucho. Como blogueiro agradeço pela sua visita em meu blog e para minha seria uma honra se quizer lincar junto ao seu. Mas como Gaucho natural de Poa (Porto Alegre), não vejo o meu povo gaucho desta forma na qual vc se refere como preguiçoso com as palavras. Para muitos aqui na capital este seu post poderia ser visto como preconceito. os meus pais todos os meses de fevereiro passam ferias em florianopolis e se eles lerem este texto brigariam com vc.
Mas como pessoa sei que todos temos direito de pensar e escrever aquilo que nos convém.
me chamam Dado e com certeza não é preguiça de soletrar meu nome.
Um abraço Dado

cintia disse...

Ai, ai, ai... Isso nao vai prestar.

Marco Antonio Zanfra disse...

Dado: você diz que é natural de "Poa" e isso só reforça o que eu disse sobre economizar com as palavras. Isso não é preconceito, mas uma forma de observar com bom humor uma característica dos gaúchos, sem apelar para os tradicionais "bah!" e "tchê".

Eliz disse...

Oi Zanfra,

Sou filha de gaucho, nasci em Santa Catarina, popularmente chamada de "Cataucha", e meu namorido também é gaucho. Diante de todas estas "influências" não acho que o seu comentário seja preconceituoso, foi apenas uma conclusão empirica, a qual está sujeita a contestações.

Um abraço.

Vico disse...

Estão todos falando que esse congresso de turismo vai abrir as portas de Florianópolis para o mundo e é aí que está meu medo. Será que teremos condições estruturais para ter as portas abertas? Será que teremos de conviver com o caos atual em grau ampliado pela abertura dessa porta. Taí, acho que vou na sua: se arrumar um lugar bom em Paulo Lopes, me indica a imobiliária.

Anônimo disse...

Prezado Zanfra
Já fui bancária,entende,bem lembrado esse "POA"que me fazia verificar o "que" era, Porto Alegre ou cidade de "Sampa".E PALEGRE então....bah tche mermão...os mano economizam mesmo...
Ainda tem Belo,né?
Mas, era sonho desta minha familia
ir de vez pra Floripa,acho que ficaremos pelo caminho....Guaraqueçaba,quem sabe.
É só peciso achar um gaúcho para abreviar o nome. Guará já pertence a Guaratinguetá......rsrs
Sonia Carotta

Anônimo disse...

Florianópolis já foi a Terra Prometida. Hoje, é o caos. Não entendo como pretendem trazer a Copa: neguinho que chegar de avião vai enfrentar fila na Extressa Sul, fila para atravessar a ponte e fila para chegar no Scarpelli. Quando chegar, se chegar, ainda vai ter disposição para ver um jogo de futebol?
Hélvio Roessler.

Jefson disse...

O aconchego está na personalidade do manezinho. Não adianta reclamar da bagunça, não adianta amaldiçoar o caos, porque o manezinho vai sempre estar de braços abertos para os visitantes/ficantes.

Carlos Martí disse...

Essas abreviaturas carinhosas também são freqüentemente utilizadas pelos espanhóis: "el peque ve la tele despues del cole", ou seja, "o pequeno vê a televisão depois do colégio". Ou, ainda, "vi al presi en el super", referindo-se ao fato de ter "visto o presidente no supermercado". Será que essa coincidência não se deve ao fato de o Rio Grande compartilhar uma generosa faixa fronteiriça com povos de fala castelhana. Ou será que os espanhóis também somos preguiçosos? Coincidência ou não, quando meu irmão telefona é habitual estamos de feriadão e ele costuma dizer que somos a Bahia da Europa. Preconceito com os baianos (também)? Talvez, mas como costuma-se dizer, "faça a fama e deite na cama". Que ninguém é de ferro.

Marco Antonio Zanfra disse...

Brilhante, Carles! Mas saiba que os espanhóis, sob o comando de d. Ventura Caro, invadiram a Ilha de Santa Catarina em 1777, devolvendo-a aos portugueses, numa boa, um ano depois.
A invasão foi algo até meio cômico. Os portugueses construíram um triângulo de proteção na entrada da ilha, com três fortalezas estratégicas: uma na própria ilha, outra na ilha Ratones e a terceira na ilha de Anhatomirim. Só que a distância entre elas era tão grande que se uma nau invasora passasse pelo meio das três, não haveria tiro de canhão que a alcançasse.
Mas a invasão nem foi por aí: foi pelos fundos. Enquanto os portugueses aquartelados na Fortaleza de São José da Ponta Grossa, em nossa ilha, esquadrinhavam cuidadosamente o mar à sua frente, à procura de invasores, os invasores estavam desembarcando em Canasvieiras, pelo outro lado, e surpreendiam os portugueses por trás (sem duplo sentido).
Talvez tenha sobrevivido daí uma semente dessa sanha abreviatícia: "vi al presi en Floripa."

Fabiano Marques disse...

Meu caro,
enquanto o turismo vai de vento em popa eu me afundo como uma âncora no trabalho. Isso para não dizer como uma "poita". kkkkk Isso já rendeu muito.
Enfim, fico contente em poder escrever novamente por aqui.
Acho também que as ruas da capital catarinense estão para o trânsito como as artérias entupidas de gordura estão para um infartado. Um caos.
Agora, vamos ser justos. O WTTC é um fenômeno em meio a esse problema todo.
Grande abraço
E vê se pára de diminuir meus posts porque desmotiva a pessoa. hehehe Assim ficarei mais 2 meses fora.

Anônimo disse...

Prezado Jornalista.

Ha muito tempo estive em Florianopolis e fiquei sabendo pelo motorista do carro, que a cidade se chamava " Desterro" ( tem uma escultura muito bonita representando nossa Senhora com o menino Jesus no colo, montada num burrinho, e São josé puchando as redeas ) e foi mudada para homenagear Floriano Peixoto que até hoje é odiado pelos moradores mais velhos. Segundo este motorista por ordem de Floriano Peixoto familias inteiras foras mortas, não escapando nem mulheres ou crianças. Estou vendendo o peixe como me foi vendido, estes detalhes os livros de Historias não revelam, porque geralmente a Historia é escritas pelos vencedores.
Se isso for mesmo verdade, o deputado que disse estar se lixando para a opinião pública, não merece criticas pois disse a verdade, enquanto todos os outros acham a mesma ciodsa, mas dizem que estão " trabalhando para o bem do povo", e por conta disso aumentam os impostos e criam novos, tudo para o nosso bem.
Um grande abraço
Maria Gilka.