segunda-feira, 4 de maio de 2009

Sobre um divórcio

Respeito as dissensões de meus escassos embora joeirados leitores, mas tenho cá para mim que Rubem Fonseca é dos maiores, se não o maior, escritor brasileiro vivo. Invejo-o, no bom sentido. Quisera eu ter sua capacidade de narrar uma história tão secamente quanto o estampido de um trinta e oito.
Já tentei imitar-lhe o estilo – reduzindo as orações ao essencial, cortando aqui e ali qualquer ameaça de emoção, narrando em rajadas como o histórico de um boletim de ocorrência – mas nunca passei de uma tímida e mal sucedida tentativa de imitar Rubem Fonseca. Sem desmerecer os originais, a gente cansa de receber por e-mail incontáveis arremedos de Luiz Fernando Veríssimo e Millôr Fernandes, por exemplo, mas nunca vi ninguém fazer o mesmo com Rubem Fonseca.
Li quase tudo dele. Comecei por Bufo & Spallanzani e não parei mais: Agosto, A grande arte, Vastas emoções e pensamentos imperfeitos, O Caso Morel, Lúcia McCartney, Feliz ano novo, Diário de um fescenino, A coleira do cão... Até obras atípicas como O selvagem da ópera passaram diante de meus abestalhados olhos.
Sou fã de seus contos policiais, da crueza e impessoalidade com que ele descreve as cenas cruas e impessoais em – para citar uns poucos – O cobrador e Feliz ano novo. Sou fã das histórias criadas em torno de seus personagens mais recorrentes, como o escritor Gustavo Flávio e o advogado criminalista Paulo Mendes, o Mandrake. Sou fã do teratológico e do inusitado, como em Placebo, ou do romantismo rasteiro e erótico de O buraco na parede.
Por tudo o que disse até agora, por tudo que Rubem Fonseca representa na literatura brasileira contemporânea, fui surpreendido na semana passada com a nota divulgada pela editora Companhia das Letras comunicando o fim da parceria de duas décadas entre ela e o escritor. Um autor cujo penúltimo livro saiu com a tiragem inicial de 80 mil exemplares pode ser descartado assim?
A nota da editora não diz nada. Assinala apenas que foi uma “decisão comum” e que, quando os livros do escritor se esgotarem, estarão disponíveis para publicação por editora escolhida por ele. De acordo com a nota, nenhum esclarecimento adicional seria prestado para aclarar os mistérios insondáveis por trás do fato de eles abrirem mão de sua galinha dos ovos de ouro. Como as entrevistas concedidas pelo escritor podem ser contadas nos dedos de uma única mão, difícil conseguir também a versão dele.

A Companhia das Letras é conhecida por publicar escritores consagrados e com aval antecipado para tornarem-se best sellers. É óbvio que meu romance policial As covas gêmeas – que vai sair pela Brasiliense – foi recusado por eles (“nosso grupo de leitores avaliou a obra que o senhor nos enviou ... e decidiu não indicar sua publicação pela Companhia das Letras”).
Ora, tudo bem: é fácil explicar a recusa de um inédito Marco Antonio Zanfra da vida; mas creio que será quase impossível justificar a dispensa de um escritor consagrado e campeão de vendas como Rubem Fonseca.

13 comentários:

Vico disse...

Primeiro VOCÊ e depois o Rubem Fonseca... cara, tenho lá minhas dúvidas sobre o futuro da Companhia das Letras... Que eles querem da vida dispensando talentos assim, a torto e direito?

Eliz disse...

Oi Zanfra,

Tornar-se famoso ou reconhecido como escritor não é nada fácil, principalmente em um "mercado" pouco promissor como o Brasil quando o assunto é literatura. Manter-se nesse "mercado", mesmo famoso deve ser mais complicado, pois constantemente as editoras sofrem mudanças "estruiturais" e procuram novos estilos.

Um abraço!

Cintia disse...

Pois e, tenho quase todos os livros de sua lista (principalmente os mais antigos), e sempre gostei muito muito do estilo dele. Agora.. que sera que tem nesse balaio? Pelo que me consta, os SCHWARCZ nao dao ponto sem nó.. Ou sera que o Rubem que se aborreceu?

Novelli disse...

O comentário que li em algum lugar, e pode ser totalmente infundado, é que o "divórcio" tem razões pessoais. Parece que o escritor teria tentado indicar outro autor para a editora, mas não foi aceito. Ele apostou em seu cacife e bateu o pé: pelo visto, a Companhia das Letras bateu o pé com mais força. Mas, no final das contas, é uma pena, para ambos os lados. É claro que a editora vai sentir no bolso o que é perder um escritor do gabarito de Rubem Fonseca; e ele, por seu lado, vai estranhar a falta do tratamento primoroso que a Companhia das Letras dedica a suas obras.

Arturo Novelli

Carlos Martí disse...

Fiquei gratamente surpreso quando há algum tempo, durante uma aula magistral de um reconhecido fotógrafo catalão, ele, ao saber da minha relação como Brasil, perguntou-me sobre Rubem Fonseca e nada quis saber sobre as mulatas, futebol, samba e praias. Sem dúvida, um grande.

Marco Antonio Zanfra disse...

Se bem que ele poderia perguntar sobre Rubem Fonseca e, em seguida: "Por falar nisso, como estão as mulatas, o futebol, o samba e as praias?" Acho que eles não se anulam.

Anônimo disse...

Prezado Zanfra
Pode ser uma grande ingenuidade minha,mas acho que o problema está ligado a cacifes sim. Penso que com toda a crise que está por aí (me sinto meio ridícula falando assim...mas), está com cacife menor aquele que bateu o pé mais forte. Escreva o que lhe digo....a Brasiliense editará a próxima obra de Rubem Fonseca. Assim, poderemos desfrutar do estilo lacônico e daquele muito claro,abordando variáveis possíveis de forma bem elucidadora, o seu.
Sonia Carotta

Marco Antonio Zanfra disse...

Grande sacada, Sônia! Eu estaria às portas da realização se fosse "colega de editora" de meu ídolo Rubem Fonseca.

Cintia disse...

Mas conta ai.. Foi por sua causa que ele rompeu com a Cia. da Letras? Tentou intervir por voce, nao conseguiu, decidiu rompar..
O Chico continua na Cia. NAo e a filha dele que e casada com o filho do Runbem?

Marco Antonio Zanfra disse...

Conta-se que ele apadrinhou alguns autores publicados pela Companhia das Letras, mas não fui dos iluminados a merecer esse privilégio. Quanto à sua ligação com o Chico, me parece apenas uma relação de compadrio: o escritor seria padrinho de um dos netos do compositor (possivelmente o que é filho do Carlinhos Brown).

Bonassoli disse...

A pergunta que importa mesmo é: quando vou ter o prazer de comprar "As Covas Gêmeas"?

Marco Antonio Zanfra disse...

Boa pergunta. Assim que souber a resposta, respondo.

Blog do Morani disse...

11.05.09

A pergunta que eu lhe faria é justamente a que fez Bonassoli. Declino fazê-la por já ter a resposta. Espero a confirmação.

Abraços
Morani