segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Estômago de avestruz

Li dia desses no jornal que um cãozinho da raça terrier engoliu um patinho de borracha e passou 18 meses com o objeto encravado no intestino. O animal – o cão, não o pato – começou a vomitar pouco antes do Natal e um exame de raios-X descobriu o assoreamento. Foi necessária intervenção cirúrgica, quase do tipo de uma cesariana, para a retirada do brinquedo.
O caso ocorreu na Inglaterra, mas remete imediatamente ao que acontece quase diariamente aqui mesmo do meu lado: estou cansado de me estressar com as peripécias gastronômicas de Lancelot – meus poucos mas atentos leitores devem lembrar-se desse meu labrador – que tem o pouco saudável hábito de mastigar de tudo e engolir quase tudo.
Ainda não engoliu um patinho de borracha porque, por motivos alheios à nossa vontade, não temos um patinho de borracha. Mas já destruiu com os dentes uma piscina plástica, e certamente alguns fiapos azuis devem estar circulando por seu sistema digestivo.
Pois é: gostaria de saber que tipo de impulso faz com que os filhotes mastiguem o que lhes esteja ao alcance da boca - pedaços de telhas, plantas tóxicas, cascas de árvore, sarrafos de madeira, pregadores de roupa, meias e, principalmente, esponjas.

Outro dia, estava cumprindo a árdua tarefa de lavar a grelha de uma churrasqueira em casa e foram necessários menos de dez segundos – enquanto colocava a peça pendurada para secar ao sol – até que a esponja utilizada na limpeza desaparecesse. Foi olhar para baixo e ver Lancelot lambendo os beiços, satisfeito. Acho até que estava gostoso: a mistura da gordura da grelha com o sabor de laranja do detergente deve apetecer qualquer cãozinho onívoro.
Mas fiquei preocupado, porque o tipo de esponja – Scott Brite – é meio perigoso: aquela parte verde áspera, usada para lavar panelas, é composta de limalha de ferro, e sabe-se lá que tipo de danos isso pode causar a um organismo animal, mesmo sendo o tipo de organismo disposto a encarar de tudo.
O alívio veio quando o material estranho foi devolvido por uma das duas formas mais naturais para devolver materiais estranhos que nós conhecemos: o vômito.

O mais engraçado é que, dois dias depois, uma outra esponja, de origem desconhecida, escolheu o mesmo caminho para ser devolvida. E isso, numa análise primária, significa que, se você se preocupa com o que vê o cão engolir, preocupe-se em dobro com o que não vê.
O cãozinho que engoliu o patinho de borracha deu um prejuízo de mil libras (quase R$ 3 mil) com a cirurgia para extração do objeto. Lancelot, por enquanto, ainda não teve de enfrentar o bisturi. Mas estamos de sobreaviso: outro dia, ele engoliu um sabonete daqueles usados no combate a pulgas e carrapatos, que utilizam enxofre na composição.

A veterinária apenas recomendou atenção a prováveis sinais de intoxicação. Como ainda não notamos nenhum desses sintomas, só nos resta torcer para que o sabão escolha a forma menos dolorosa para sair.

26 comentários:

Gleydson disse...

Oi Zanfra!

Hoje em dia com todo status que os animais de estimação alcançaram, já existem até seguros-saúde pra eles.

Inclusive já vi várias vezes alguns cãezinhos rodando na rua em carrinhos de bebê. Rererererere...

Tomara que a dieta do Lancelot não passe para as esponjas de aço. :-)))

Abraços!

Marco Antonio Zanfra disse...

Não duvide!

Blog do Morani disse...

Zanfra, meu amigo:

Estou a mãos dadas ao Gleydson, no que tange ao apetite do seu Labrador.
Esconda a ele toda e qualquer esponja de aço.
Um vizinho meu faleceu - Clemério - deixando um cão vira-lata de nome Ralph. Todo preto, educado, dá a patinha quando chegamos perto. Moro nesta rua há 12 anos e poucas vezes, muito poucas vezes, o vi latir. É do tipo "caladão", filósofo e cego, mas anda por toda a periferia. Às vezes eu dou pedaços de ossos de galinha - deixo sempre alguma carne e nervos nos ossos -, sem medo de que ele engasgue. Dizem que o ácido de seu estômago - e de todos, lógico - é altamente corrosivo. Agora, para uma esponja de aço... Abra o olho!

Vico disse...

Já pensou em usar esse cachorro para atividades práticas, como, por exemplo, a dragagem de córregos? Sua capacidade de captação, extração de nutrientes e devolução de dejetos inservíveis é realmente espantosa. Quanto por exemplo você acha que ele extraiu em proteínas, sais mineiras e gordura poliensaturada das duas esponjas (as duas que você viu serem devolvidas, totalmente exauridas) que comeu? Um fenômeno!

Gennara Vitti disse...

Será que seu cachorrinho não tem carência de afeto? Tive um labrador que vivia pegando coisas enormes do quintal de casa e trazendo para dentro da sala, como tentativa de que prestássemos atenção a ele. Ele vivia roendo pedaços de madeira e deixando lascas pela casa toda. E ai de você se quisesse tomar o "brinquedo" dele: ele saía correndo com aquele trambolho na boca, acertando que estivesse pela frente...

Marco Antonio Zanfra disse...

Se é carência afetiva, não sei, mas o comportamento dele é exatamente como você descreveu. Mas, ainda que seja, sai mais barato varrer as cascas jogadas pelo chão do que pagar pela psicanálise.

Não lavo seu cOzinho disse...

"Se eu cOzinho,eu não lavo"Só falta botar a culpa no churrasqueiro bem intencionado.Que apesar da travada ciática,ainda tentou manter as coisas em ordem.Mas,apesar das boas intenções,acabou enchendo-se de cerveja alheia e não lavando a grelha.Outra coisa,a grelha não é para ser lavada após o churrasco.Fica lá engordurada e protegida do Fe2O3(óxido férrico)até o próximo uso,quando então,lava-se meia-boca e espera-se que o calor da brasa faça o resto.

Kinder ovo disse...

Quem tem filhos pequenos sabe como é aquele projeto de chocolate,dupla face.Se seu "cachorrinho" tivesse ingerido um daqueles pães de alho que seu quase genro fez,aí sim,o estrago teria sido muito pior.Era só toxina de carvão.

Marco Antonio Zanfra disse...

Pior que sobrou tudo para mim. Paguei a festa e depois fui abandonado, com os cachorros, para limpar tudo e cuidar da casa, enquanto os bonitinhos da família curtiam Ponta Grossa (no bom sentido). Ainda bem que não tive de latir também.

Mayara disse...

Vc esqueceu de comentar sobre as duas esponjas que sumiram misteriosamente do tanque na lavanderia. Pelo menos o Lancelot pode nos ajudar a eliminar o excesso de esponjas inutilizadas que temos guardado.

Cintia disse...

Ca estou!
Da comida pra ele!
Ou poe uma focinheira (serio), que é uma judiacao, mas se ele se arrisca tanto!
Meu gato Flea, como todo gato, tem necessidade de comer uns matinhos, e como eu naop tenho matinho, ele come tudo o que é verde e se parece com uma plantinha.. Minhas decoracoes sempre acabam no estomago dele, e logo depois no meu carpete..

Marco Antonio Zanfra disse...

Mayara - Quando ele "devolver" as esponjas, eu comento.
Cíntia - Vai apresentar atestado, ou vou ser obrigado a descontar de seu salário essas suas faltas?

Cintia disse...

Foram licencas nao remuneradas..
Parece mentira, mas nao me sobrava tempo! Arre egua!
No post Sacos de Ossos, voce disse: "falando em prima, cade a Cintia"?
No seguinte, esperie que voce dissesse: "falando em virgens, cade a Cintia?".. Nao falou!
No corrente, ainda bem que voce nao disse: "Falando em escatologia, cade a Cintia?"

So estava testando se voce ia sentir minha falta :)

Marco Antonio Zanfra disse...

Pronto, já comprovou que sentimos sua falta! Por isso, não desapareça mais! Não dê uma de Carlos Martí, que fica mergulhado em piscina de bolinhas e se esquece de que tem leitores fieis!

Eliz disse...

Oi Zanfra,

Será que os filhotinhos também passam pelas três fases de desenvolvimento explicada por Freud? O seu cãozinho deve estar na fase oral, por isso coloca tudo na boca.
É isso aí psicologia para cachorro...Auauau.

Marco Antonio Zanfra disse...

Quer dizer que quando ele atingir a segunda fase, a anal, as coisas vão desaparecer por outros meios?

Cintia disse...

haha pelo menos voce sabera onde procurar hehe

Kafka disse...

Nesse ritmo, quando entrar na fase fálico-edipiana, é melhor trocar as esponjas por uma cachorrinha inflável.

Maria Rita disse...

Oi Zanfra,

Que bom estrear no seu blog."Freudeano barbaridade",assim como o Analista de Bagé,acho que você deveria tentar a técnica do "joelhaço",ou quem sabe do "chinelaço",ou desfazer-se de todos os perigos,ou ainda,quem sabe,do cachorro.Seu texto desta semana está como sempre perfeito.Até a próxima semana.

Ricardo Câmara disse...

Prezado Zanfra;
Pelo comportamento apresentado do seu amigo, "Lancelot", sugiro que consulte um veterinário se há uma possibilidade de colocar uma substância que cause uma ojeriza à esponja, grelha churrasqueira e dentre outros objetos de acesso fácil ao canino.Talvez assim, ele possa se comportar e evitar futuras patologias gástricas sem onerar as expensas do seu dono.

Marco Antonio Zanfra disse...

Vai ser meio difícil, Ricardo, porque essa substância teria de ser pulverizada em tudo o que estiver ao alcance da boca do cachorro. Qualquer coisa para ele é um objeto potencialmente "engolível". A única distinção que ele faz é em relação ao tamanho do objeto: engole o que passa direto pela garganta, mastiga o que é um pouco maior...

cilmar machado disse...

Xi!... Essa manifestação do Lancelote não exclusiva de sua raça. Tenho um pintier 1 (Mosquito) que, na sua infância (quase um ano de vida), engoliu um anel de minha esposa. O ¨crime¨ só foi descoberto devido ao cão passar mal e, após o raio X do veterinário. Operação feita, anel devolvido à sua dona, Mosquito parece haver aprendido a lição e nunca mais engoliu objetos e coisas que não ração...

Carlos Martí disse...

Está claro e comprovado que a tal "crise" é do capital e dos grandes bancos, apesar destes quererem (desta vez, sim?) compartilha-la com a classe trabalhadora e/ou colonizada. Sintomático que os participantes desde blog ocasionalmente residentes no hemisfério norte disponhamos ultimamente, de menos tempo para atividades prazeirosas como reflexionar e escrever (glub! glub!).
Abraço

Marco Antonio Zanfra disse...

Os "participantes desde blog ocasionalmente residentes no hemisfério norte" são somente você e a Cíntia. E, pelo que entendi, a crise os está fazendo finalmente trabalhar. E sem parar. Nós, os colonizados, felizmente ainda encontramos um tempinho para o lazer.

Carlos Martí disse...

Isso foi o que eu disse - ou quis dizer... e é motivo de satisfação de quem se considera parte da classe trabalhadora e tradicionalmente oprimida.

Cintia disse...

Nao existe pecado do lado de baixo de Equador..