segunda-feira, 1 de março de 2010

Pais e filhos

No velório de sua filha única Maria Julieta, em agosto de 1987, o poeta Carlos Drummond de Andrade lamentava ao filólogo Antônio Houaiss o que ele considerava uma reversão da ordem natural das coisas – um pai enterrar um filho, e não o contrário:
— Isto não está certo, ela deveria ficar para fechar meus olhos...
Doze dias depois, o poeta também partia – sem que Maria Julieta estivesse ali para fechar os seus olhos – e sua imagem de dor diante do túmulo de alguém que, pela marcha do tempo, deveria partir depois dele foi a primeira coisa que me veio à cabeça quando li o título da matéria na 'Folha de S. Paulo':


Atual geração de crianças pode viver menos do que seus pais

O texto fazia referência a um alerta da Organização Mundial de Saúde sobre as mortes prematuras por infarto, diabetes e asma, que representam 40% dos 35 milhões de óbitos por doenças não contagiosas registradas anualmente em todo o mundo e que atingem cada vez mais jovens e crianças. Margaret Chan, diretora-geral da OMS, alertou que a geração atual de crianças pode ser a primeira, em muito tempo, cuja expectativa de vida é menor que a de seus pais.
"No Brasil, estamos vendo crianças e adolescentes com hipertensão e diabetes tipo 2, algo que não imaginávamos há uma ou duas gerações. Esta geração está desenvolvendo mais fatores de risco, e um dos mais importantes é o aumento de obesidade e sobrepeso em crianças", afirmou a endocrinologista Claudia Cozer, diretora da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica.
Não planejei uma série sobre a alimentação infantil, e é coincidência postagens sobre assuntos correlatos terem saído sequencialmente, mas isso reforça ainda mais o alerta feito se semana passada: nossas crianças estão sendo envenenadas. Segundo Cláudia Cozer, cerca de 24% das crianças brasileiras estão acima do peso. Em termos mundiais, de acordo com a OMS, são 43 milhões em idade pré-escolar com obesidade ou soprepeso.
Especialistas indicam que 80% dos obesos têm síndrome metabólica, um conjunto de sintomas que leva ao desenvolvimento de diabetes, hipertensão e elevação do colesterol. Isso aumenta diretamente o risco de infartos, derrames, tromboses e outras doenças cardiovasculares, além de acarretar a predisposição para certos tipos de câncer, como o de mama e de próstata.
Maria Julieta morreu de um câncer ósseo, nada que remetesse às “mortes anunciadas” da obesidade infantil. Ainda que triste, o desabafo de Drummond foi poético. Mas pode perder o sentido: pode tornar-se comum, segundo as sombrias previsões médicas, os pais enterrarem seus filhos. O pior é que essa reversão da ordem natural está sendo provocada por quem vai chorar depois à beira do túmulo.

22 comentários:

Deluana Buss disse...

Zanfra, socorro, minha carteira de motorista venceu!!!

Blog do Morani disse...

Perfeita a sua colocação Zanfra. Haveremos de prantear nossos filhos se não dermos o nosso grito sobre a enxurrada de comidas rápidas - hamburgueres, hot-dogs, biscoito recheado e o famoso achocolatado, tão fáceis de serem encontrados nos supermercados. As crianças de hoje não comem frutas, legumes e verduras. Não! Detestam essa sadia alimentação. É a cultura da imitação, não é outra coisa, porém grande responsabilidade recairá sobre os fabricantes que cada vez mais tornam esses "alimentos" mais atraentes e mais deliciosos. As nossas crianças têm pressa... Muita pressa em tudo, até mesmo pressa para morrerem!

Marco Antonio Zanfra disse...

Deluana: Ué, é só passar no Detran para renovar! E dar uma olhadinha no site do Detran para ver o que é necessário.

Gleydson disse...

Triste, muito triste...

Tem um filme italiano muito bonito chamado "O Quarto do Filho" que retrata bem demais essa inversão apontada pelo Drummond.

Essas coisas não é bom nem começar a pensar.

Abraços!

Josefa Martin Cañas disse...

Respeito a dor de quem perde um filho por doença, mas acho que as causas orgânicas são, de certa forma, explicáveis e previsíveis. Pior é perder um filho por causas externas, como tê-lo morto pelas mãos trêmulas de um motorista embriagado, pelas mãos ensanguentadas de alguém para quem a vida não vale um par de tênis. Enterrar um filho que foi levado pela irracionalidade humana é muito mais dolorido e a dor demora muito mais a ser absorvida.

Marco Antonio Zanfra disse...

Pois é, Gleydson, como diria Chico Buarque: "a saudade é o revés do parto/a saudade é arrumar o quarto/do filho que já morreu..."
Mas tem razão: essas coisas não é bom nem começar a pensar.

Kafka disse...

Você às vezes abusa dos assuntos tristes...

Ricardo Câmara disse...

Tirando a parte as doenças congênitas atávicas, pois estas já estão inclusas no DNA de cada um e não podemos evitá-las,a maneira pela qual a "geração século vinte um" vem se alimentando desde o leite em pó "nutritivo" até os hamburguers, refrigerantes e dentre outras bebidas de efeito placebos, não restam dúvidas quanto ao encurtamento de vida. Já se prevê uma geração de idosos pelos próximos vinte e cinco anos e isso é muito prejudicial para o desenvolvimento de uma nação.Jovens, quando não são assassinados por motivos torpes, incluindo vício por drogas,acidentes com veículos,brigas entre gangues e outros motivos,também podem ser vitimados pelo consumo do veneno alimentício que reduz a existência do indivíduo vida.Essas tais bebidas que são vendidas nas prateleiras de supermercados ou quitandas, rotulando frutas silvestres,querendo passar para o consumidor como suco puro, não passam de essências químicas formuladas em laboratórios, criando o mesmo gosto de uma fruta para disfarçar o produto.E o consumidor é ciente disso, deixa-se levar pela mentira anunciada e quando menos se espera a saúde entra em perigo e os danos físicos, praticamente,irreversíveis.

Serafim disse...

Caro Zanfra

O problema maior é a alimentação que a garotada enfia goela abaixo,é química pura.Aqui em Cerquilho,a Prefeitura proibiu Cantinas em todas as escolas municipalizadas,a merenda vem acompanhada com frutas e muitos legumes.Talvez falte conscientização aos pais.O Microondas tem mais função que o Fogão hoje em dia.

Abraços

Marco Antonio Zanfra disse...

Pois é, Serafim: em Santa Catarina também são proibidos doces, salgadinhos e refrigerantes nas cantinas escolares, como forma de preservar um pouco a saúde dos estudantes. E adivinha se não tem pais alegando cerceamento dos direitos individuais das crianças para tentar derrubar essa proibição?

Gennara Vitti disse...

Pelo texto da Josefa, dá a impressão de que ela perdeu um filho por "causas externas". Mas eu discordo dela em essência: a morte não é mais ou menos dolorosa, dependendo da circunstância em que ocorre. A morte é o fim, e doi por isso, mesmo se a pessoa estiver sofrendo e seu falecimento significar um "descanso". A morte é dolorosa da forma que se apresentar, tão mais cruel se romper aquela linha de vida tão poeticamente sofrida por Drummond.

Uma pedra no meio do caminho disse...

E a pedra do caminho é a programação da TV.Não há nada que não possa ser piorado.Alimente seu filho em frente à tv.Combinação venenosa organica e psicologicamente.

Cintia disse...

Pura consequencia do seus texto anterior?
Nao e so a alimentacao que esta causando essa previsao negra, mas o estilo de vida como um todo. Primo, mesmo se a gente comesse esse monte deporcarias na nossa infancia, a gente ainda estaria em melhor condicoes, pois brincavamos na rua o dia inteiro, nor movimentando, exercitando, queimando energia e aprontando horrores :) Os perigos eram outros..

Marco Antonio Zanfra disse...

Uma coisa boa que vocês não têm aí, Cíntia: está começando a temporada de caqui, uma de minhas frutas prediletas. Mas não qualquer caqui: só gosto do caqui chocolate (aqui chamado de caqui café), pequeno ou médio, com consistência compacta, sem ser muito doce. Sabe por que eu gosto de caqui? Porque eu me lembro dos meus nove, dez anos, trepado num caquizeiro nos fundos da casa do seu Luiz, meu vizinho, comendo a fruta no pé.
Eita tempo bom, lembra? Era manga na casa em frente, jabuticaba e abacate na vó Pema, goiaba, pêssego, ameixa e pitanga na Ermelinda...

cintia disse...

Uvaia- com bicho e tudo, amora, cana, maria-peludinha (?)... bons tempos!
O que eu gostava do caqui era abrir a semente ao meio e dentro tinha uma membraninha branca que ora era um garfinho, uma colher ou uma faca... coisas que a gente inventava..

Vico disse...

As crianças de seu tempo brincavam na rua, faziam seus próprios brinquedos, comiam frutas no pé... Às de hoje restam os monitores - de TV e computador - e a indolência de quem já encontrou tudo pronto quando nasceu. Fazer o quê? Fixar os olhos no vídeo enquanto comem uma besteirinha qualquer cheia de veneno. Até morrerem totalmente irrealizadas.

Marco Antonio Zanfra disse...

Por falar em "infância feliz ao lado da prima", vocês viram o nome do temporal que matou pelo 53 na França? Xynthia!

Corrigindo disse...

O caquizeiro ficava na frente da casa do seu Luís.Eu até usava a grade do portão dele para iniciar a minha escalada.Agora,quanto à Maria Peludinha....Adoro desde minha infância!

Marco Antonio Zanfra disse...

Você é oito anos mais novo. O seu caquizeiro deve ser outro, ou foi transplantado. Já passei dos 50 mas felizmente continuo com boa memória. O caquizeiro do vizinho, o "meu caquizeiro", ficava com certeza nos fundos.

Kafka disse...

O nome dessa tempestade na França tem alguma coisa a ver com a capacidade de sua prima de não deixar pedra sobre pedra?

Cintia disse...

Na faculdade minhas amigas me chamavam de Vesuvia, o vulcao!
Sou mesmo - ou era.. ou fui.. - um fenomeno natural devastador ..hehe

Anônimo disse...

Prezado Zanfra
O diretor (lá pelos idos de 60)da EEMinistro Costa Manso,perdeu a filha do mesmo modo do poeta.Eu senti uma grande grande pena,pois como aluna que deveria ter a mesma idade dela, jamais consegui esquercer a dos nos olhos dele.Como mãe, eu já fui mais convencional e meus filhos chegaram a ser alimentados com leite de cabra. Só espero que,agora adultos,não desvirtuem na alimentação ou qualquer coisa que possa abreviar a vida deles.
bjussssssss
Sonia Carotta