segunda-feira, 31 de maio de 2010

O amor e a burocracia

Creio que todos os meus sete ou oito fiéis leitores conhecem o caráter deletério da burocracia. Mas duvido que algum dia tenha passado por suas mentes arejadas e iluminadas que a perniciosidade da prática burocrática pudesse criar obstáculos à concretização de um ato de amor.
Pois é. Alguém – além de inflexíveis burocratas, é claro – pensaria que um marido precavido, e em condições especiais, tenha mandado congelar o próprio sêmen para fecundar outra mulher que não aquela com quem dividira a cama durante cinco anos? Passaria pela cabeça de pessoas normais, como nós, que a viúva do indigitado precisasse conseguir na Justiça o direito de tentar ser fecundada pelo homem que, por circunstâncias várias, não conseguira fecundá-la em vida?
A história, para quem não a conhece, é a seguinte: casados durante cinco anos, uma professora e um contador paranaenses tentavam engravidar normalmente até que, em janeiro do ano passado, o casal foi surpreendido com a notícia de que o marido estava com câncer.
Por recomendação médica – já que a quimioterapia para tentar confrontar a doença poderia deixá-lo infértil – o contador mandou congelar o próprio sêmen. Em julho, o casal começou tratamento de fertilização, mas outra má notícia deteve o processo: o câncer havia atingido os ossos, numa metástase cruel e avassaladora. “Preferi ficar ao lado de meu marido. Combinamos que, assim que as coisas melhorassem, continuaríamos a luta para formar nossa família”, disse a professora.
Mas as coisas não melhoraram. No começo deste ano, o marido morreu. E, não bastasse a tristeza do desenlace, a professora foi surpreendida por outra surpresa desagradável: como não havia consentimento prévio do contador para liberar o sêmen após sua morte, ela não poderia usá-lo. Aliás, pela lógica burocrática, ninguém poderia usá-lo, e o sêmen preventivamente coletado ficaria ocupando espaço no congelador até que o efeito estufa derretesse todas as geleiras do planeta.
O laboratório alegou razões éticas para justificar a recusa. Como não existe legislação específica, as clínicas de reprodução e os laboratórios baseiam-se em norma do Conselho Federal de Medicina, que os orienta a documentar o que os homens pretendem fazer com o sêmen congelado. Perguntinha básica: por que o laboratório não fez isso, então, e pôs no papel previamente o que o marido pretendia? Seus conceitos rígidos de ética só funcionam na hora de cobrar uma precaução que eles mesmos deveriam ter tomado?
A professora conseguiu na Justiça o direito de prosseguir nas tentativas de fecundação. Suas advogadas fizeram ver ao juiz da 13ª Vara Cível de Curitiba que era possível presumir a vontade do marido e ele concedeu liminar liberando o uso do sêmen congelado. O laboratório informou que não vai recorrer da decisão.
Só faltava, aliás!!!

15 comentários:

Fabiano Marques disse...

Que história fértil!
Essa entrou para os créditos do ex-contador.
Aliás, o que se esperava de um contador, senão, um probleminha burocrático, mesmo depois da morte?
Uma semana fecunda a todos.
Zanfra, não sei se estou entre os sete ou oito fiéis leitores.
Se não estiver, coloque 8 ou 9, para garantir a flutuação deste share blogal.
Abrassssssss

Gleydson disse...

Oi Zanfra! Não só a bu(r)rocracia nesse caso, mas ainda fico surpreso como é que coisas tão singelas aos olhos dos leigos (como eu) se tornam verdadeiros cavalos de batalha... Existe alguma razão lógica pra passar por um desgaste dessa natureza?

Pelo menos agora eles vão pedir pro "fornecedor" preencher um papelzinho (MAIS UM!!!) pra evitar todo esse "drama"... AFFF...

Abraços!

Blog do Morani disse...

Fabiano Marques, creia-me: conhecendo o amigo e blogueiro Zanfra virtualmente, todavia, seguramente, posso lhe garantir que ele há de incluílo - se já não o fez - no rol de seus fiéis leitores, como eu. Abraços.
Gleydson, aproveitarei sua deixa para fazer de suas palavras as minhas, porque essas que deixei de escrever teriam o mesmo sentido abordando, com o mesmo espírito, esse fato incrível.
Eita bur(r)rocracia azeitada essa nossa hein? Abraços a você e ao Zanfra, que não tem poucos leitores não.

Blog do Morani disse...

Uma correção: em vez de "incluílo, leia-se "incluí-lo" Grato.
Tentei cancelar o comentário original, mas não consegui.

Anônimo disse...

Troféu Hélio Beltrão pro laboratório.

José Luiz teixeira

Ricardo Câmara disse...

O Brasil sempre foi lembrado por grandes obras literárias como sendo o país dos contrastes. Se a partir do momento em que se congela um sêmen, evidentemente, presume-se que seja destinado para uma certa pesquisa ou inseminá-lo em um outro órgão feminino, nesse caso,no últero da ex-companheira do falecido.É um procedimento rotineiro,isso é para ser fertilizado na fulana de tal,assina o compromisso firmado pelo doador em vida, e em seguida,o responsável, o laborocrático, ou melhor,o laboratório fica ciente da responsabilidade que lhe cabe.Agora, a esposa do ex-contador que antes se preparava, fazendo tratamento de fertilização (que já é uma prova que sobrepõe a "ética" do laboratório), o qual não deveria criar tamanho embaraço, sendo preciso a viúva passar por vexame,levando o caso à sala de um tribunal para ser reconhecida o que lhe é de direito, expondo a sua a imagem em público para a sociedade num todo perceba o óbice que circula nessas instituições de pesquisas, enfim, o mundo inteiro através da mídia,percebeu a incongruência do atendimento insólito, pode-se se dizer assim, de uma instituição que tentou embaralhar a vida de uma cidadã a qual exigia o lhe é de direito: a inseminação do esperma do seu ex-esposo onde se encontra no banco de sêmen.Que o tal laboratório e outras instituições de um modo geral, nesse país,tentem desatar esse nó górdio da burocracia que atapalha tanto a vida dos brasileiros.

Marco Antonio Zanfra disse...

Como bem lembrou José Luiz Teixeira acima de seu comentário, Ricardo, tivemos Hélio Beltrão nomeado ministro especial para enterrar a burocracia, e o que ele conseguiu? Uma ou outra dispensa de obrigatoriedade de cópia autenticada... e o que mais? E assim nós chegamos à circunstância de que uma mulher, para cumprir a óbvia operação de ser inseminada pelo sêmen do próprio marido morto, fique na dependência da decisão de um magnânimo - e cada vez mais magnânimo - juiz. Fica a pergunta: e se ela dá o azar de pegar um juiz igualmente burocrata?

Anônimo disse...

Prezado Zafra
Esta semana endossarei os comentários dos demais leitores,pois, já disseram tudo o que eu diria. A falta de bom senso é a tônica dessas bur(r)ocracias.
Affff mesmo....
bjusssssssssss
sonia carotta

Fabiano Marques disse...

Obrigado, Morani, pelo lobby.
Abraço

Unknown disse...

Zanfra!

O morto antes de se-lo, deveria deixar claro que a viuva também poderia participar da tentativa da inseminação articial. Se tivessem pensado um passo à frente, nada disso aconteceria. Como nada foi dito, o laboratório para se proteger de possível processo de terceiros, usou a burocrária ao máximo quando era só escrever apenas uma linha de autorização!
Abraços

Marco Antonio Zanfra disse...

O certo, Bob, era o laboratório - antevendo esse tipo de exigência - ter-se prevenido e providenciado a documentação antes de o morto sê-lo!

Serafim disse...

CARO ZANFRA

Desde os nossos tempos que "A Burocracia é que astravanca o Pogresso".É só mais um caso no país da piada pronta como diz aquele colunista.É falta do que fazer.

Abraços

Cintia disse...

Se ele nao pretendia usar, por que guarar, certo?

Marco Antonio Zanfra disse...

Ora, ora, quem continua viva acaba aparecendo, não é, caríssima prima? Se encheu-se de nós? Para quem nunca falhou, semana após semana, sua ausência mudou meus conceitos de eternidade.

Cintia disse...

De vez em quando preciso testar minha popularidade :)
Nada, tanto trabalho que quando chego em casa nem quero ver computador na minha frente.. acho que meu inferno astral se antecipou.. Andei um pouco down... Mas continuo na area..
Beijos