domingo, 26 de fevereiro de 2012

Obsoleto

Tenho algumas boas qualidades, além da modéstia.
Profissionalmente, quero dizer. Sou experiente, criativo, escrevo razoavelmente bem, tenho uma cultura considerável, conheço relativamente bem programas de computador como o Corel, o Photoshop, o PageMaker, o Dreamweaver. No mercado de trabalho jornalístico, poderia ser considerado um profissional diferenciado.
Mas tenho um defeito inescusável: estou chegando aos 56 anos.
Com tanto jovem talentoso e disposto a aprender tudo o que já sei, por que alguém investiria num idoso?

Ainda que esse idoso seja escritor – embora com apenas uma obra publicada e outra on-line – tenha 35 anos de carreira jornalística, tenha talento para criar material gráfico, conheça fotografia e edição de vídeo, seja capaz de criar e administrar um site, tenha mais de dez anos de experiência em assessoria de imprensa...
Ainda que esse idoso esteja apto a coligir dados, redigir, fotografar e editar, sozinho, um jornal ou uma revista, um manual ou um livreto, um fôlder ou um simples cartaz...

A imprensa noticia às vezes que o mercado de trabalho está privilegiando a experiência a despeito da faixa etária, estampa matérias sobre os cinquentões que estão reingressando na carreira em posição de destaque. Mas tenho tudo para crer que isso é apenas uma exceção.O bicho empregador continua hostil e desumano.
Tenho tudo para crer também que estou pagando agora por não ter, nestes mais de trinta anos de carreira, dado condições a mim mesmo de estar com a vida ganha. Estou pagando pelos vinte anos em que dei mais importância à cerveja do que à construção de um futuro tranquilo. Se, às portas dos 56 anos, ainda não dei um rumo à vida, creio que não é agora que esse rumo vai desenhar-se. As oportunidades já passaram e eu nem vi...

 
Mas é triste mandar o currículo cheio de estrelinhas atrás de um emprego decente e não receber de volta sequer um mínimo de atenção...
É triste submeter-se à precarização da própria mão de obra para garantir um salário ridículo no final do mês...
É duro reconhecer que, a despeito de todas as suas qualidades, você está obsoleto...
E o pior é quaondo você nem tem tempo de contribuição para receber a aposentadoria minguada!


11 comentários:

Cristiano Escobar Maia disse...

Zanfra, fiquei triste com teu desabafo. Mas acho que, no fundo, ele é a mais pura vitrine da verdade que ocorre todos os dias. Mas, se servir de alguma coisa, estou solidário aqui, para tomar um café e bater papo. ok, ok, não vou muito a Floripa, mas se quiser combinarmos um sábado, podemos nos encontrar. um grande abraço

André Otávio Campos disse...

Concordo com cada ponto, cada virgula! Hoje em dia se prioriza mais economizar do que se ter um profissional excelente! Infelizmente eh assim! Mas pense que nao esta com 56, e sim 44!! Abraço tricolor!

Marco Antonio Zanfra disse...

O problema não sou eu, André, são ELES. Eu me sinto com menos de 40 e com disposição de 30, mas para os burocratas de RH o que conta é a data de nascimento. Abraço alviverde!

Ricardo Câmara disse...

Prezado Zanfra;
Com toda essa sua bagagem de experiência profissional, às vezes fico a imaginar quando será a minha vez de competir novamente com o mercado de trabalho, pois ainda por incrível que pareça estou no banco universitário do curso de Geografia,no auge dos meus 55 anos, aposentado com ínfimo salário previdencial,e acreditando que tenho todo o tempo do mundo...é nessas horas que a imaginação flui e faço as palavas do saudoso poeta e compositor Mário Lago:"Fiz um pacto com o tempo. Que ele continue passando e eu pare de contar". É isso aí caro contemporâneo de geração, lembre-se de "Timoneiro"- Paulinho de Viola, "(...) Não sou eu quem me navega.Quem me navega é o mar.É ele quem me carrega como nem fosse levar..." e por se vai aos troncos e barrancos para quem se encontra nessa mesma condição nossa de faixa etária de excluídos do mercado de trbalho.Boa sorte nesse imenso território brasileiro (8.514.876 Km2)de "oportunidades etáticas".

Danusa Vargas disse...

Zanfra, enquanto houver interesse pelo novo, nunca estarás obsoleto!

Ana Maria Sakamoto disse...

É, compadre, é a vida! Infelizmente jogam fora (ou melhor: nem se ligam) tudo o que temos de valor. Torço para que reconheçam o teu valor! Beijos no seu coração!

Blog do Morani disse...

Caro Zanfra:

Li sua crônica-desabafo e me solidarizo ao seu problema que é o mesmo de muitos brasileiros desse imenso território pátrio. Em Sampa, aos 30 ou 35 anos, você já está fadado ao ostracismo profissional; quando viví lá os anúncios de ofertas de emprego, nos principais jornais paulistanos, já vinham as exigências da idade. Sofri muito naquele grande centro por me faltar uma especialização ou diploma; isso na S/A Phillips do Brasil. Iniciei no Deptº. de Estatística sob a chefia de um grande amigo descendente de japoneses: Paulo Massashi Taniguchi e, posteriormente, no Deptº Vendas SP-Interior com sucesso absoluto em um sério trabalho de estoque disponível aos vendedores, até mesmo aos de Portugal. Era gerente o senhor Mário - português grosseiro, para variar, que insatisfeito a um comentário meu, sobre a quantidade de aparelhos de televisão à venda, perdeu a linha e a capacidade de raciocínio, aos berros. Depois, em sua sala, se desculpou. Mas já em Friburgo, após minha aposentadoria, procurei trabalho e, embora ainda aos 60 anos e pronto a mais um período fértil de prestação de serviço, não encontrei mais nem uma só porta aberta. Na empresa de transporte 1001,onde trabalhei por 15 anos, fiz dois cursos técnicos que me serviriam como chave a abrir portas alvissareiras, mas...
nada! Idade... As experiências e o arrojo não servem mais. Ricardo Câmara comentou bem a situação que se apresenta a um jornalista do seu gabarito. Os principais meios de comunicação estão encerrando suas atividades (jornais e outros); que direi à minha neta que irá se formar em jornalismo? Não digo nada. Sofro calado diante de certas profissões que tendem a desaparecer. Contudo, boa sorte a você.

Rosemery Matos disse...

As portas não fecham para os bons....e "vc é o cara"!

Anônimo disse...

Zanfra, a solidariedade de quem está beirando os 60 e entende bem seu desabafo.

abs
jluiz

fábio mello disse...

O desrespeito me parece que atinge os profissionais de todas as idades. É triste ter que passar por situações humilhantes apenas "para garantir um salário ridículo no final do mês...". Pior ainda é olhar ao redor e saber que não há escapatória.

cilmar machado disse...

Penso como a Danusa Vargas: enquanto houver interesse pelo novo, nunca estarás obsoleto. Não deixe a dura realidade de um mundo desumano e pragmatico roubar o que você tem de mais precioso: sua sensibilidade e competência.Aos mais velhos, como eu, a solidariedade e aos jovens, a lição. Um abraço amigo e NÃO DESISTA...