quarta-feira, 9 de maio de 2012

O peixe

No momento em que se discute o ato médico – projeto de lei que garante exclusividade aos graduados em medicina para a realização de determinados procedimentos na área de saúde – chega a ser emblemático esse caso da gravação e divulgação pela internet de uma cirurgia para a retirada de um peixe (inteiro) alojado no intestino de um paciente, feita no Hospital Universitário de Londrina. Um verdadeiro circo de horrores, incompatível com quem pretende ter hegemonia para cuidar da saúde humana.
   O vídeo ainda está lá, no Youtube (http://migre.me/90VVX), e quem o vir vai entender o que eu quis dizer quando falei em “circo de horrores”. Mais do que uma cirurgia de certa forma delicada, parece a exploração bizarra – tipo Monty Python – de uma situação inegavelmente insólita, mas nem por isso menos séria.
   Quem vir o vídeo vai perceber que aquilo não parece uma sala de cirurgia, mas o set de gravação de um programa “mundo cão”: várias pessoas falando ao mesmo tempo, algazarra, expressões de nojo e frases – “cara, isso aqui é pra história” e “já mandei a foto por e-mail” – inconciliáveis com a seriedade que se espera de médicos e estudantes de medicina, principalmente porque estavam, como costumam estar às vezes, tratando com seres humanos.
   Creio que nem venha ao caso a forma como o peixe foi parar onde parou e de onde teve de ser retirado à custa de bisturis, mas é indiscutível que foi isso que atraiu a calhordice – armada de celulares com câmera – para a sala de cirurgia. Também não vem ao caso se foi o preconceito, o gosto pelo bizarro, a pobreza de espírito ou o culto ao grotesco que os levou até lá. O que se discute é como médicos exprimentados, cirurgiões com um nome a zelar permitiriam que uma sala de cirurgia se transformasse numa filial do “Circo do Doutor Lao”. Como profissionais sérios poderiam tolerar a balbúrdia, a presença de estudantes que se comportavam como se estivessem na hora do recreio, a documentação vídeo-fotográfica de um feito cirúrgico sem que qualquer responsável, especialmente o paciente e seus famliares, tenha sido consultado?
   O Conselho Regional de Medicina vai investigar até que ponto os médicos têm participação na divulgação do vídeo. A Universidade Estadual de Londrina, responsável pelo hospital, também abriu sindicância e pode punir eventuais funcionários envolvidos.

   De meu lado – sem, é claro, a intenção de chutar cachorro morto – quero lembrar que foi nesse mesmo hospital que, no final de 2008, um grupo de estudantes bêbados invadiu o pronto-socorro lotado e usou até fogos de artifício para comemorar o final do curso.


2 comentários:

Blog do Morani disse...

Caro Zanfra:

É intolerável e imperdoável o ambiente que se formou por ocasião do ato cirúrgico, que se pretende mais respeitoso a todos eles, em que foi retirado dos intestinos de um cidadão o peixe que lá se meteu, por vias naturais. O Conselho Regional de Medicina precisa impor àquele bando de vândalos as responsabilidades cabíveis; afinal, não se estava tratando de nenhuma peça cômica,
de um quadro de programa humorístico ou o que o valhesse. Envergonha-me ver semelhante pantomima em um momento tão sério. Abraços.

cilmar machado disse...

Meu caro Zanfra:
Só espero que o fato ocorrido não seja o retrato do ensino universitário brasileiro que de há muito vem claudicante, especialmente de umas décadas pra cá. Amigo meu, toda vez que vai consultar-se com médico ou dentista, tem a cautela em procurar saber o ano em que o profissional se formou e a escola em que estudou, chegando ao ponto de NÃO utilizar-se dos serviços dos concluintes de 1990 pra cá!...
Exageros a parte, em nada se justifica o circo armado na operação em pauta. Lamentável...