sábado, 22 de dezembro de 2012

Quero morrer dormindo...

A coisa que mais se ouviu e se leu nas redes sociais na manhã da última sexta-feira foi: “Acordei e o mundo não tinha acabado...”  Como se ele não pudesse explodir a qualquer momento, ou ser atingido por um meteoro gigante no decorrer do dia...
Compreensível, no entanto, essa temporização da tragédia. A impressão de que o mundo teria de acabar durante nosso período de sono deve ter a ver com o medo que as pessoas têm de se defrontar com o final dos tempos, seja ele coletivo ou individual. “Quero morrer dormindo” é um desejo nem sempre manifesto, mas creio que endossado pela maioria das pessoas.
   Mais cedo ou mais tarde nossa passagem por este mundinho vai acabar, sabemos disso, mas ninguém deseja viver conscientemente o momento da passagem, justamente por não saber como é – ou como será antes, durante e depois. Pode ser traumático, poxa! Quem já passou não voltou para contar como é. E viver a experiência definitivamente não encoraja ninguém.
   Mas como será que é? Uma figura magra vestida de trevas com uma foice na mão? Uma dor lancinante e uma escuridão total em seguida? Uma transição imperceptível, a ponto de demorarmos a entender que aquele corpo que estamos vendo ali deitado é o nosso, como no filme “Ghost”? Um buraco negro nos absorvendo ou uma luz branca nos guiando?
   Quem sabe?
   Definitivamente, deve ser melhor morrer dormindo, mesmo. E descobrir o resto – se é que há resto a descobrir – quando acordar.

 
   Mas por que o fim do mundo teria de ser assim? O catolicismo passou séculos tentando nos convencer de que o Apocalipse será algo aterrorizante, com o chão se abrindo em chamas e os quatro cavaleiros descendo do céu cinzento brandindo as espadas vingadoras, e as pessoas desabando em direção às profundezas com os rostos crispados de dor e desespero, enquanto se arrependem de seus pecados...
   E as pessoas acham que isso tudo vai acontecer enquanto elas estiverem dormindo? Um espetáculo pirotécnico, dantesco, cheio de efeitos especiais, para meia dúzia de guardas noturnos e outra meia dúzia de boêmios, bêbados o suficiente para não entenderem a extensão do que estão vendo?
   Para fazer jus ao que nos vendeu a Igreja Católica esse tempo todo acho que, no mínimo, o Apocalipse deve beirar a superprodução, em horário nobre, e começar com um mestre de cerimônias – alguém parecido com o Charlton Heston, se não o próprio – murmurando com um sorriso sardônico nos lábios, em meio a um clarão de relâmpagos: “Show time!”

 
   Quanto a morrer dormindo, acho que comigo não vai rolar, não... Tenho o sono tão leve que com certeza vou acordar para assistir a meu próprio desenlace.

4 comentários:

cilmar machado disse...

Ri bastante com esse seu texto, não resisti e postei parte dele no Facebook para que todos possam saber de sua verve humorística, fina e requintada... rs rs

Blog do Morani disse...

Caro Zanfra:

Claro que muitas pessoas sonham partir para o mundo espiritual em pleno sono. Um conforto: se nada existir, como muitos pensam, não haverá sobressaltos sem se estar consciente ao fenômeno morte. Estando alheios a tudo, não sofreremos. Dizem as Sagradas Escrituras que o Homem "retornará ao pó de onde veio e não terá consciência de mais nada". Concluo que, aos mortos de ontem e de milhares de séculos passados, a Ressurreição chegará até nós e teremos a impressão de que apenas dormimos e que a passagem dos séculos não será percebida. Digamos: seja a morte um sono tão curto que não se terá noção do tempo em que nada fizemos. Bem, isso nos traz motivos para duvidar esse presságio. Se as criaturas voltarão à Vida, como se sentirão? Como saberão se serão elas as mesmas que acabaram de sair do sepulcro, com Vida pregressa, se as consciências se apagaram? Perguntas sem respostas convincentes.
Agora, o nascimento de todos os seres é sempre traumático, por mais normal seja esse fenômeno; na morte, os traumas se equivalerão: doerá à Alma a separação ao seu corpo físico, sim, mas, como se dá à hora do nascimento, teremos outras Almas a nos conceder os mesmos cuidados que fazemos aos recém-nascidos em nosso orbe. Creio nisso, pelos estudos da doutrina que trata desses assuntos, e provas materiais - fenomeno a mim sucedido espontaneamente - observadas por meus olhos espirituais ao deixar meu corpo à cama e caminhar pelo meu quarto à altura do teto. Bem, eu, por meu lado, prefiro partir consciênte para ver onde pisam meus pés. Nada de buraco negro ou tunel super iluminado.
Ao amigo, aos seus familiares e companheiros de luta, nossos votos de um felicíssimo Natal,Boas Festas e 2013 de muitas realizações. Durma bem e desperte melhor e consciente de estar pisando, com seus pés de carne, esses caminhos terrenos. Abraços.

Marcello Zanfra disse...

Li, recentemente, que o Brasil estará livre do famigerado apocalipse por não ter condições de sediar um evento de tão grande porte.
Quanto a morte, apenas endosso o Raulzito: "Vista-se com sua melhor roupa quando vier me buscar"

João Paulo Borges disse...

Opa, muito bom. Nada como um jornalista experiente para analisar a babaquice do fim do mundo.