terça-feira, 30 de abril de 2013

Memórias etílicas


   Fragmento do livro ‘As duas guerras de Vlado Herzog’, de Audálio Dantas (Editora Civilização Brasileira):
   (...) Novos adeptos eram arregimentados nos bares próximos às redações: o 308, na alameda Barão de Campinas, uma das entradas da Folha; o Miranda, na Barão de Limeira, ao lado da entrada principal do jornal; o Mutamba, na Major Quedinho, onde ficavam as redações do Estadão e da Gazeta Mercantil (...).
   No trecho, Audálio narra o nascimento da oposição sindical no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, movimento que culminou com a eleição do próprio Audálio, com o fim do peleguismo e com a presença marcante dos jornalistas na histórica reação contra a ditadura militar, nascida após o assassinato de Herzog.
   Lendo o livro, senti-me parte, se não da história, pelo menos dos cenários históricos – afinal, em época um pouco posterior, frequentei muuuuuito esses bares.
   No 308 – que, aliás, chamava-se Churrascaria Transamazônica e, aliás de novo, ficava no número 306 da Barão de Campinas – fazíamos as históricas reuniões festivas da Folha, além de prosaicas refeições. O frango à passarinho era proverbial. O restaurante tinha o hábito de cobrir as mesas com enormes folhas de papel, e jornalista tem o hábito de rabiscar enquanto fala. Resultado: quantos poemas, frases célebres, pautas revolucionárias e esboços premiados não se perderam naquelas folhas? Conta a lenda que Carlos Caldeira Filho, então sócio de Otávio Frias de Oliveira na Folha, tentou comprar o restaurante; como não venderam, mandou fechar a saída do jornal pela Barão de Campinas para tentar boicotar, sem sucesso, a enorme presença de seus funcionários. Figuras inesquecíveis no 308: os sócios Pinho e Augusto e o garçom Campos.
   O Miranda foi minha segunda casa. Era Miranda quando eu comecei na Folha, em 1977, mas virou depois Bar do Mané, Bar do Luiz ou Bar do Juvenal, que eram os três sócios do, na verdade, Bar e Lanches Para Você. Foi lá que eu mais cultivei o saudável hábito de marcar a conta num caderninho e pagar no final do mês. Foi lá que fiz minha despedida de solteiro – com a presença da noiva, claro – em 1983. Mesmo longe da Folha, mantive minha fidelidade ao Miranda. Fiquei estarrecido quando, ao voltar do Japão, vi que o bar tinha sido transformado num estacionamento. Figuras inesquecíveis: além dos sócios, os balconistas Zé Bigode e Grilo e o chapeiro Daniel.
   O Mutamba fez parte de uma outra fase de minha vida profissional, quando trabalhei no Diário Popular (o Estadão mudara-se há muito para a Marginal Tietê). Foi por pouco tempo, em 1991, mas qualquer bar frequentado por mais de seis meses torna-se inesquecível. Não sei se o Mutamba – árvore da família das tiliáceas; ganhei duas cervejas por descobrir isso e dar a ideia de colocar a definição num quadro – sobrevive. Figuras inolvidáveis: os sócios Licínio e Licininho (pai e filho) e o garçom Luiz, apelidado de Pé na Cova, que, por ter mania de balbuciar alguma coisa em inglês, eu apelidei de Foot in Grave.
   Boteco também é história.

(Na foto – roubada do arquivo de Neusa Japiassu, que aparece em pé – reunião no 308, quero crer que no início dos anos 80).


10 comentários:

Leda Camargo disse...

Q saudades e o nhoque com frango q delicia, o bar 308 era otimo as mesas ficavam cheias de garrafa e não tinhamos culpa era mto bão.....

Denise Natale disse...

Miranda, 308, pontos de parada obrigatória no final do dia, Zanfra! Nesses lugares fizemos muitas revoluções...

Marco Antonio Zanfra disse...

No 'final do dia' para vocês, Denise: eu parava o dia inteiro!

Blog do Morani disse...

Meu amigo Zanfra:

Temos três crônicas expostas no seu blog. À primeira, sobre "Memórias etílicas", você me deixou uma saudade... daquelas que nascem de recordações inesquecíveis; eu, logicamente, não as vivi, contudo, o amigo, como excelente cronista/escritor que é nos passa a atmosféra de um Bar onde foi gostoso se estar ao lado de amigos que sonham o mesmo sonho, as mesmas esperanças e as mesmas desilusões. São épocas que nos obrigam a vivencia-las sempre. Só me lembra um local igual, em São Paulo: O Franciscano, que não era um bar, desses que nos marcam passagens de nossas vidas e que as integram, mas um restaurante, no Viaduto do Chá, ao qual a equipe da Deptº de Estatística da S/A Phillips do Brasil se reunia aos sábados para jogar conversa fora. Eram tardes deliciosas aquelas, iniciadas por volta do meio-dia para uma feijoada regada a muito chopp e boas digressões. Mas, o escopo principal desse comentário é dizer que esses alegres e saudosos encontros podem ser resumidos a um opúsculo a guisa de registro de memória, e publicado. Por muito menos interessante, eu registrei a vida familiar dos Machado ao livro "Portão de Jardim". Essa sua crônica mexeu em minha sensibilidade e me deixou um sabor amaro por não estar àquelas reuniões cheias de ardor or profisionais afins. Abraços.

Blog do Morani disse...

Quero morrer dormindo... É a segunda crônica. Você disse verdades inquestionáveis: há um medo terrível, como nos filmes de terror, de se enfrentar a dissolução da vida material plenamente consciente; alguns, são tocados pelo privilégio de desencarnar em profundo sono; isso deve ser igual a você ser colocado a uma estrada que não conheça, em plena escuridão, e que o obriguem a achar a saída. Lógico, morrer em pleno sono é bastante cômodo. Já pensei nisso seriamente, confesso, mas, em verdade, quero estar consciente de que deixarei meu corpo e meus tesouros, materiais e afetivos, sabedor que nunca fui dono de nada, nem mesmo de meu próprio veículo carnal e que o deixarei para alcançar, alhures, um condição novíssima de ser partícipe a uma existência diferente. Isso, em vez de me amendrontar, me dá uma alegria indizível, por saber que houve apenas uma mudança e nada mais. E, por fim, se nada houver (creio que há),nada saberei. Isso não dói porque você perdeu totalmente a consciência de que um dia viveu em um planeta lindo como a Terra. Abraços.

Blog do Morani disse...

Babe, babe, babe, oooowww... Justin Beaber

Dá pena ver um jovem embriagado pelo poder que muito dinheiro dá a quem o possua. A vida desse jovem cantor inglês não deve mais atrair novidades que ele já não as possua em escala imensurável. O assédio de mulheres belas, de um mundo de tecnologia aliada a uma afinada voz, e a uma presença de palco extraordinária, concorre para sucesso contínuo, mas as tolices cometidas pelo moço estuprado pela sensação da riqueza, que tudo lhe oferece como um passe de mágica irá, sem dúvida, cansá-lo, e chegando à velhice verá que já não poderá despertar desejos em jovens atraentes e em mulheres sensuais, como agora. Tudo terá o sabor insosso do muito acumulado e a certeza de que ele não levará junto todo o seu tesouro de um Ali Babá. Pobre menino milionário. Abraços.

Neusa Japiassu disse...

É muito bom saber que também fiz parte desses cenários históricos, querido amigo Zanfra.
Essa foto é do U. Dettmar (saudades), em 14/12/1979, festa de fim de ano da nossa turma da redação da Folha.
Outro ponto de encontro era o bar do hotel "Gandaia", na Duque de Caxias, lembra?
Tempos que ganhei amigos que trago comigo até hoje.

Marco Antonio Zanfra disse...

Gandaia? Não era Jandaia?

Neusa Japiassu disse...

Era Jandaia, mas, como íamos apenas para comemorar, ou "bebemorar", chamávamos de Gandaia, lembra?

Marco Antonio Zanfra disse...

Em maio de 1979, o Jandaia virou redação da Folha de S. Paulo: enquanto estávamos em greve, a chefia - Adílson, Bóris, Odon etc. - fechava o jornal no hotel.