segunda-feira, 30 de julho de 2007

Déjà vu


Não costumo ir ao cinema. Entre enfrentar barulho de gente deseducada e um bando de pentelhos desfilando na frente da tela nas piores horas, prefiro esperar que o filme seja lançado em DVD e saboreá-lo refestelado na poltrona de casa. Eu não era assim, entretanto: assisti ao lançamento de O Exorcista em São Paulo, em 1974, sentado no corredor entre as poltronas do cine Metrópole. Até encarava filas na bilheteria. Mas o tempo foi passando e a paciência diminuindo. Não me lembro se o último filme que eu vi na telona foi Os Flintstones, em Cuiabá, ou Débi e Lóide, em Blumenau. Só me lembro do ano: 1994.
Ser um espectador doméstico pode ter uma vantagem adicional: posso comentar o enredo à vontade, contar o desfecho e descrever cenas-chave que quase ninguém pode surpreender-me com cara de indignação, dizendo pô, você contou o final, porque praticamente todo mundo já viu o filme antes de mim. Ser retardatário tem seus benefícios.
Mas eu fiz esta abertura para preparar o espírito de quem vai ler este comentário sobre o último lançamento a que assisti: Déjà vu. Se você, contrariando toda a lógica, ainda não viu o filme – e pretende vê-lo – desculpe-me, mas agora é o melhor momento para abandonar esta leitura. Daqui para a frente, vou falar de coisas que provavelmente vão estragar as surpresas que Déjà vu poderia proporcionar-lhe. Portanto, não diga que eu não avisei.

Se você continuou, azar o seu, porque a primeira coisa que eu vou contar é que Denzel Washington morre no final, mas na verdade Denzel Washington não morre no final. E esse é o principal problema de todos os filmes que brincam com janelas de tempo, volta ao passado (ou ao futuro), transposições temporais: o roteiro nunca vai evitar os furos, as coisas inexplicáveis, a morte de um Doug Carlin (Denzel Washington) e o surgimento de um outro Doug Carlin que nem sabia do que escapara, caso não tenha assistido ao começo do filme.
Deu para captar? A idéia básica de Déjà vu é uma janela no tempo, descoberta acidentalmente pelo FBI, que focaliza o passado de quatro dias antes e pode apontar quem instalou e como foi instalada uma bomba que destruiu uma balsa em Nova Orleans, matando 546 pessoas. Ajudando nas investigações, Carlin resolve salvar a moça (Claire) em cujo carro foi colocada a bomba – e que aparece morta logo no início do filme, assassinada pelo autor do atentado – e acaba ele próprio sendo enviado ao passado. Se ele morre no final, mas não morre no final, Claire morre no começo, mas sobrevive para ficar com Denzel Washington.
Aí é que estão os furos. Depois que o corpo de Claire é encontrado, Carlin vai à casa dela e descobre uma camisa e chumaços de algodão ensangüentados, que – ele e nós vamos descobrir mais tarde – estão impregnados do sangue dele próprio, após ter sido ferido pelo psicopatriotopata Merrill (Jim Caviezel, sempre convicente no papel de desequilibrados), o detonador, ao resgatar a mocinha. Foi a própria Claire, aliás, quem limpou seus ferimentos. Ora, se o material cheio de sangue estava na casa da moça depois do encontro de seu cadáver, isso só pode significar que Carlin voltou no tempo mas não conseguiu salvar Claire.
Essa constatação é reforçada quando o policial chega ao local onde se escondia Caviezel e encontra a carcaça da ambulância que ele usou, na volta ao passado, para salvar Claire. Como ele só encontrou o local depois da explosão da balsa e da morte dos 546 inocentes, a conclusão a que se chega é que o resgate não deu certo.
Somente depois, quando a câmera acompanha o herói, é que as coisas funcionam: ele resgata Claire, consegue matar Caviezel, evita que a bomba exploda dentro da balsa... e acaba morrendo afogado dentro do carro que pertencera à mocinha. Mas, para surpresa de Claire – e nossa – o outro Doug Carlin surge para tomar o depoimento dela, como se não tivesse nada com aquilo, como se o que morreu não passasse de um dublê de Denzel... como se fosse outro filme. O destino foi alterado para todos, menos para Doug Carlin.

Não tenho nada contra filmes que exploram essa transposição, até os acho fascinantes, mas, mesmo que seja possível um retorno no tempo, não creio que se possa alterar o que já aconteceu. O Efeito Borboleta é um grande filme, instigante, mas será que as coisas que já aconteceram podem simplesmente ser desconsideradas se você mudar uma pequena vírgula no passado.
Como eu disse, o problema com esses filmes são os furos no roteiro. Embalado pela trilha belíssima de John Barry e pela estonteante Jane Seymour, assisti 12 vezes a Em Algum Lugar do Passado, mas, apesar da insistência, não consegui engolir o mistério do relógio e seu círculo vicioso: o escritor Richard Collier volta (mentalmente?) ao passado motivado pelo relógio que uma velha senhora entrega-lhe na noite de estréia de uma peça, pedindo-lhe que voltasse para ela; ele descobre que aquela velha senhora é a atriz Elise MacKeena, com quem ele teria convivido nos idos do início do século 20. Ao voltar, é ele quem tem o relógio, que eventualmente está nas mãos de Elise quando Richard, acidentalmente, volta ao presente. Se o relógio estava com ele, que o recebera dela, que o recebera dele, de onde surgiu a peça, afinal? Geração espontânea? Obra do Espírito Santo? Ou déjà vu?

Um comentário:

Marco Antonio Zanfra disse...

O que é isso, Zanfra? Contando o fim do filme, agora? Legal, hein?

Anyway, concordo com vc: prefiro mil vezes assistir a um filme em casa, tranquilo. Sinal dos tempos, meu caro (leia-se velhice).

abs
josé luiz teixeira

ps: poste este comentário, mesmo, pois não tive sucesso em abrir conta no google.