quinta-feira, 25 de outubro de 2007

O sócio do padre


Pensei que fosse só eu. Cheguei a acreditar que minha natural resistência ao clero fizera-me muito severo no julgamento. Acreditei até que, por força da profissão, estava indo longe demais no ceticismo e enxergando pecados nas almas mais castas. Mas agora, depois que surgiram depoimentos afirmando que a castidade não era assim tão imaculada e há indícios de que poderia haver carne debaixo daquele angu, posso assinar embaixo do que divulgava sob o manto da apocrifia: desde o começo, pareceu-me muito mal contada essa história da extorsão de que foi vítima o padre Júlio Lancelotti.
Extorsão é o nome técnico de chantagem. Em termos legais, extorquir é “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa”. Como não há informação de que tenha ocorrido violência, é de se supor que a “grave ameaça” tenha sido muito grave, grave mesmo, a ponto de submeter o santo padre aos caprichos do ex-interno da Febem durante três anos. Repito: três anos.
Repare que não foi uma extorsãozinha merreca, de neguinho calar a boca por qualquer trinta dinheiros: foram pelo menos trinta mil dinheiros, segundo confessou o próprio expropriado. Guardadas as necessárias proporções dramáticas, parece-me que o criminoso manipulava sua vítima como bem o desejasse, subjugando-a e chegando ao cúmulo de transformar o padre em seu fiador e “parceiro ativo” (que é quem paga as contas) na compra de um utilitário importado (Mitsubishi Pajero). Quem se sujeita a esse tipo de extravagância parece ter a vulnerabilidade à flor da pele.
Não convenceu a justificativa de padre Júlio – de que esperava que o ex-interno voltasse ao caminho do bem por conta própria – para aceitar durante tanto tempo a submissão. Ninguém mexe nas próprias economias ou pede dinheiro emprestado acreditando na redenção da humanidade. Nem mesmo um religioso submete-se servilmente a uma expropriação acreditando que Deus escreve certo por linhas tortas. Teria sido mais digno que ele admitisse o escorregão e lavasse as roupas em público.
Mais digno, porém – embora isso cheire à hipocrisia do “atire a primeira pedra” – seria não ter escorregado, para não conspurcar um trabalho pastoral sério que, há muitos anos, padre Júlio Lancelotti dedica ao povo das ruas.

3 comentários:

José Luiz Teixeira disse...

Caro Zanfra,

como bom repórter que você é, deve saber que ainda é cedo para se julgar o padre Julio Lancelotti, muito embora minha opinião seja igual à sua. A verdade é que não é fácil. Veja só: um ícone da ajuda aos excluidos, acusado de pedofilismo; o líder dos judeus no Brasil, preso por furtar gravatas; os líderes da igreja renascer, presos por desviar dinheiro dos fiéis; o líder da universal...nem precisa falar. E por aí vai...é preciso tomar cuidado com os líderes religiosos. todos eles.

fábio mello disse...

Calma, cautela e caldo de galinha. É natural que o imprensalão demonize o padre. Em outro fórum, antevi que surgiria uma dessas testemunhas que sempre aparecem, sem nome ou rosto, com revelações bombásticas, na medida certa para a revistinha semanal destilar veneno contra a esquerda e movimentos sociais. Dito e feito. Previsível. De minha parte, não quero julgar o religioso. Apenas vou aguardar o desenrolar dos fatos, já que não tenho acesso ao inquérito.

Marco Antonio Zanfra disse...

Na verdade, ninguém quer julgá-lo previamente - e eu me penitencio se no texto dei essa impressão: mas que a história está mal contada, ah, isso é inegável!