segunda-feira, 31 de março de 2008

A memória do caos


A questão foi levantada durante troca de mensagens com uma amiga a quem não vejo há mais de 20 anos: ela citou um comentário que eu teria feito (há mais de 20 anos, é bom frisar), eu disse que não me lembrava de ter feito tal comentário e ela replicou dizendo que eu não me lembrava porque aquilo não tinha sido importante. Eu trepliquei, claro: a gente se lembra de tanta coisa sem importância, por que eu não me lembraria de um comentário elogioso – sem malícia, gente! – dirigido a uma adolescente em flor?
Mas ela pode ter razão. O problema, penso eu, é que nossa memória não é seletiva. Não sei como os biblioteconomistas organizam suas lembranças – e minha prima Cíntia poderia ajudar-se nesse mister – mas as minhas estão por aí, armazenadas sem qualquer critério. Não estão arquivadas em ordem alfabética, em ordem cronológica ou, o que seria aconselhável, em grau de importância. Localizá-las é que é o verdadeiro exercício de memória.
Da mesma forma que às vezes dá um branco quando a gente tenta lembrar-se do nome de um ator a cujo filme assistiu no final de semana, temos alguns dados que afloram regularmente ao topo do arquivo, sem que tenham sido evocados e sem explicação aparente para ainda estarem ali. São algumas memórias ancestrais, algumas palavras totalmente em desuso, que ressurgem de forma recorrente, como pastas jogadas por cima de um arquivo que alguém desistiu de organizar.
No meu caso, por exemplo: gonadotrofina coriônica, alguém lembra o que é?
Tenho essa palavra na ponta da língua, embora seja obrigado a recorrer à Wikipedia para identificá-la como “uma glicoproteína hormonal
produzida pelas células trofoblásticas sinciciais nos líquidos maternos”. E esternoclideomastóideo, aquele músculo que a gente usa para mover o pescoço, mas cuja eficiência independe de nos lembrarmos de seu nome?
Mantive contato com essas palavras nas aulas de ciência de meu longínquo curso ginasial; por alguma razão inexplicável, elas estão entre os primeiros verbetes de minha memória e ressurgem do nada, pululando às vezes, enquanto tento lembrar-me de algo efetivamente importante . Assim como pululam regularmente no cérebro a fórmula da equação de segundo grau (menos bê, mais ou menos raiz quadrada de bê-dois menos quatro a-cê, sobre dois-a) – que eu aprendi na quarta série do ginásio e que, nos últimos 38 anos, mantém-se como a alma penada de meu arquivo morto – e o trinômio neosinefrina-zobenol-tenfidil, composição do descongestionante nasal NZT, que meu pai usava regularmente quando eu era criança.
E é aí que sobrevive a dúvida: a memória com capacidade de guardar tantas baboseiras seria incapaz de lembrar-se de um elogio a uma adolescente em flor, mesmo que o autor fosse, à época, pródigo em louvores a adolescentes em flor?

15 comentários:

Anônimo disse...

Meu caro Zanfra, fique tranquilo. É assim mesmo. São os primeiros sintomas da velhice...

Anônimo disse...

Caro primo..
Se nao fosse o... (como e mesmo o nome dele).. o cara que dividiu o conhecimento humano em areas e numerou-as de 000 a 900, com as devidas subdivisoes, e em cuja divisao a Biblioteconomia esta baseada, nao achariamos nada.. Acontece, porem, que - casa de ferreiro.. - minha memoria nao segue o CDD, tampouco esta catalogada em fichinhas, ou pra ser mais moderna, em databasis.

Anônimo disse...

Mas o que mais me surpreendeu, foram as suas memorias farmacologicas! Por acaso voce e hipocondriaco? Das minhas memorias mais recorrentes poderia citar a arvore de Natal da sua casa, com o ornamento em forma de milho, lembra? Outra coisa: sabe o que e
BARORENAPASIMO
beijocas
Cintia

Fabiano Marques disse...

Eu ia relacionar verbetes estranhos que conheço, mas, esqueci.
Agora, não esqueço jamais das adolescentes em flor. Aliás, colho boas lembranças. hahahaha
abrasssss

Marco Antonio Zanfra disse...

Ah, essa você vai ficar devendo para nós, Cíntia: procurei "barorenapasino" no Aurélio e no Google e não encontrei nada parecido. É alguma palavra só sua, como um amigo invisível, ou o clima de Illinois provoca neologismos?

Anônimo disse...

Concordo com meu amigo Zanfra.
Se fôssemos capazes de lembrar as coisas boas que nos aconteceram, se pudéssemos deletar as tristezas e lembrar apenas daquilo que nos faz bem, nosso presente seria bem mais tranquilo.
Muitas pessoas só lembram as coisas ruins que aconteceram no passado e, baseadas nestas experiências negativas bloqueiam seu potencial de crescimento.
Que nossa memória é seletiva, isso não resta dúvida...Mas por que não usamos nossa provilegiada memória para buscar os elogios e incentivos que diferentes pessoas nos fizeram e que com certeza serviriam de incentivo para nosso desenvolvimento atual.

Rosângela Bittencourt

Anônimo disse...

O assunto memória é muito interessante... Até porque todos temos, alguns mais, outros menos... Geralmente esqueço do nome das pessoas, e até da fisionomia, no entanto jamais esqueço da "protrombina" nas aulas de biologia... Agora vamos lá Zanfra, procura no dicionário, esta com certeza encontarás...ehehe..!
Eiz!

Anônimo disse...

Primo, pra voce ver como a memoria pode ser inutil.. BARORENAPASIMO foi uma especia de acronismo que inventei la pros idos do colegio pra me lembrar da sequencia das escolas literarias.. pra prova do Serjao (BArroco, ROmantismo, REalismo, etc..) Pra que mantive isso na memoria esses anos todos?
Beijos
Cintia

Marco Antonio Zanfra disse...

Genial!!! Só podia ser uma Zanfra!!! Mas eu acho sinceramente que a "sigla" é mais difícil de guardar dos que as correntes literárias que ela representa.

Anônimo disse...

é... mas os genios sao assim mesmo..
ai..ai.

Fabiano Marques disse...

Vim aqui para dizer que estou com a memória travada há duas horas.
Recentemente fiz algumas matérias detonando uma escola falcatrua na Grande Florianópolis.
Hj precisei lembrar o nome da instituição. Não consegui.
Claro, poderia ter pesquisado e estaria com ela carimbada em minha testa, mas, não fiz isso de propósito só para sacanear a minha "faculdade de reter as idéias."

Anônimo disse...

Zanfra. Acredito que parte da explicação para o teu esquecimento está na figura, que acredito eu, seja um esboço da radiografia da cabeça do escritor. A outra parte acho que diz respeito ao fato de ter sido um comentário que deve ter deixado ambos em situação pouco confortável. Ela ainda lembra do comentário porque deve estar sentindo falta destes tipos de comentários que a idade vai escasseando. Quanto a você,o fato da demanda de coisas a serem olhadas aumentou muito, fez com que esquecesse o que disse.

Jacinto Pereira - Psicólogo

Anônimo disse...

Hahaha...
Com certeza nossa memória é muito seletista...
Mas as vezes tento selecionar coisas boas, e não consigo?
Será que já estou com sintomas de DNA:? (Data de Nasciemento Avançada).
Òutra coisa que costuma acontecer muito comigo, é estar conversando com alguém e tentar lembrar o nome daquela pessoa que fez tal coisa, em tal dia...O papo acaba, e só quando chego em casa me lembro o nome da tal pessoa ou coisa que estava conversando.
Pois é meu caro amigo Zanfra, cuidado com o DNA...
Abraço
André Campos

Eugênio disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Eugênio disse...

Caro amigo.
A sua frase a respeito do NZT foi encontrada no instante em que eu procurava algo na internet, visto que me lembro que meu pai também o usava.
Não encontrei nada além do seu comentário que me levou à gargalhada.
Hoje com 58 anos (não velho obviamente), faço uso do Neosoro que, muito provavelmente, algum filho meu vai procurar se lembrar daqui uns 40 anos.
Para a sua felicidade, encontrei um artigo em certa ocasião que diz que os lapsos de memória acontecem recorrentemente em pessoas muito inteligentes, visto que o cérebro destas pessoas costuma ser seletivo, colocando as informações menos relevantes numa camada abaixo das que ele entende serem as mais importantes. Daí o "delay" para processar tais informações entendidas como secundárias.
Se isto é ou não verdade, não sei, mas fiz questão de acreditar piamente!
Reação cômoda, mas que tem me feito um bem danado!
Abraço.

Eugênio Bueno