segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

No banheiro


Minha mãe tinha um sistema definitivo para acabar com algum princípio de briga ou punir algum filho respondão ou malcriado: punha-o de castigo no banheiro.
Era o tipo de condenação autoexecutável: ao ouvir a sentença, o réu dirigia-se por conta própria à clausura, sem necessidade de condução coercitiva. Mesmo porque algum tipo de rebeldia só iria contribuir para o agravamento da pena.
Mas por que o banheiro? Por ser uma parte da casa usada normalmente de forma solitária e a portas fechadas, creio que o banheiro traz em si a essência da reclusão. Mandar um filho de castigo ao próprio quarto representa implícito o aconchego da cama. No banheiro, não. Apesar de essencial, ele é inóspito. Ninguém gosta de passar ali mais do que o tempo necessário.
As sentenças da juíza dona Anna não eram muito longas, todavia: coisa de vinte minutos, no máximo meia hora, de detenção. Ou seja, nada que pudéssemos denunciar ao SOS Criança como cárcere privado. No fundo, acho que ela era comedida na formulação das penas porque seria desaconselhável manter em desvio de função por muito tempo um cômodo como o banheiro. Principalmente numa casa onde só havia um banheiro.
Não me lembro, nesse tempo, porém, de nenhum sursis, nenhuma suspensão de pena para que a clausura fosse devolvida a sua função original. Ou as pessoas controlavam suas necessidades em função da exigência temporária de uso do ambiente, ou minha mãe é que tinha uma escala de rodízio absolutamente infalível.
Não me lembro também – e aí pode ser uma traição de minha memória, após anos e anos dando conta de suas atribuições – de outra pessoa que não eu transpondo os umbrais da masmorra. Pode ser um bloqueio, mas não consigo visualizar minhas irmãs entrando no banheiro para outra atividade que não fosse uma atividade própria do banheiro. Embora hoje isso não faça mais diferença, tenho a impressão de que fui o único a freqüentar o lugar como encarcerado.
Entre alguns vários cumprimentos de pena, eu me lembro de um especificamente, porque ocorreu na hora do almoço, porque eu tive como companheiro de cela um filhote de cachorro que tínhamos ganho havia pouco tempo e porque, salvo engano, foi minha última temporada de confinamento naquele ambiente.
Como era hora de almoço, levei para o banheiro o prato com a comida. E, como o filhote me olhasse com ar faminto, não tive dúvidas em distribuir arroz pelo chão para alimentá-lo. Juro que não fiz por mal, como os detentos amotinados que queimam colchões ou destroem as próprias celas: eu apenas quis agradar a única companhia que tinha na solidão do claustro.

Essas reminiscências podem parecer gratuitas, mas não são: vieram-me à lembrança quando li sobre um adolescente de 16 anos que estava preso no banheiro de sua casa, na Flórida, desde novembro de 2007, por ordem de sua mãe adotiva, uma tia que o trouxe de Taiwan quando ele era ainda uma criança.
O rapaz era punido por crimes como “deixar o quarto bagunçado” e, segundo contou, a mãe adotiva dizia que ele seria deportado caso tentasse fugir.
Na semana passada, com um braço quebrado e vários ferimentos pelo corpo, ele conseguiu arrebentar o batente da porta do banheiro e fugiu, pedindo ajuda à vizinhança.

Diante disso, a pergunta: posso reclamar da rigidez carcerária de minha mãe?

11 comentários:

Anônimo disse...

Caro primo..
Sinto informa-lo, mas voce era apena o "boi-de-piranha" da sua mae, minha tia.. Punindo o mais velho e rebelde, ela estaria assegurando uma relativa paz entre os menores.. Voce foi apenas usado haha..
Responda: voce ficava olhando pela janelinha seus irmaos correndo livres e soltos pelo quintal?

Marco Antonio Zanfra disse...

Na verdade, ninguém ficava correndo pelo quintal. O fato de ter um de nós atrás das grades deixava o restante com a pulga atrás da orelha... Como você mesmo disse: corte a cabeça que o resto do corpo murcha.

otaviodimello disse...

Lendo sobre o cárcere hahaha
Lembrei o da minha mãe que era de cara para a parede no canto ou correiada mesmo... sos criança ia ter confuzão na época.
Mas o pior era ela sair trancar a porta e levar uma válvula da tv para ficar de castigo.
Até que o inteligente aqui teve uma idéia melhor.
Sem ela ver foi na loja perto de casa e comprou outra valvula igualzinha. Ela saia e eu colocava a bendita. 1/2 hora antes dela voltar eu tirava a válvula pra tv esfriar.
Até que um belo domingo a válvula que ela tirava queimou.
Eu ri e coloquei a minha, ela não sabia o que falar...rsrs
Coisas de pré adolescência, se fosse hoje iria ter que levar um carrinho de coisas, TV, DVD, COMPUTADOR, CELULAR......KKKK

Anônimo disse...

Prezado Marco Antonio.
O meu tempo de criança já vai tão longe que não me lembro de ter ficado de castigo, quem sabe por ser eu a caçula numa familia de 3 filhos.Na minha casa ficava-se sem ganhar alguma coisa quando desobedeciamos ordens ou eramos mal criados, respondendo ou xingando uns aos outros ou aos empregados . Me lembro que meus pais não ligavam quando no boletim havia notas baixas nas materias ou em comportamento, mas não aceitavam que em " Polidez" a notra não fosse 10. Eles achavam que criaça levada era sinal de saude e inteligencia mas criança sem educação e sem respeito para com professores ou colegas era inaceitavel.
Agradeço a visita ao meu site, e ao seu e-mail.
Um grande abraço
Maria Gilka.

Fabiano Marques disse...

Que loucura hein Zanfra! Primeiro o homem do saco, agora a tia do banheiro. Se pelo menos a véia tivesse deixado uma prima lá dentro.hehehe
Os meus dois pequenos não conhecem o Homem do Saco. Nunca usei de tal artifício. No banheiro também nunca os deixei. Tenho aqui um canto do castigo que é uma maravilha. Cada ano deles equivale a um minuto no canto. 4 anos, 4 minutos, e assim por diante.
Espero não inverter a lógica. hahahahahahahaha
Tem nova publicação no http://emcimadapauta.blogspot.com
Merece.
abrassssssss

Marco Antonio Zanfra disse...

Imagine eu, aos 52 anos, ficando quase uma hora de castigo!

Anônimo disse...

Zanfra, cá para nós: você não deixava escondida atrás do vaso um catecismo do Carlos Zéfiro para se divertir durante o seu cárcere?

Blog do Morani disse...

25/02/09

Escute, Zanfra:

Não desejo fazer crônica em seu espaço, mas como vivemos em regime democrático obrigo-me a confessar que em minha casa, nos idos dos anos 40, eram assim os castigos: meu pai, portador de úlcera crônica e não podendo se alimentar de comidas pesadas, tinha sempre para si doce de abóbora feito por sua irmã, minha tia Sara. Até hoje não se soube o vilão, mas uma das onze pessoas da casa comeu o que sobrou do doce. Como não aparecesse o glutão, papai comprou a um mercado da Praça XV de Novembro, Rio, abóboras suficientes para encher um panelão de cozinha de quartel (imagine o tamanho do referido0. Elas tiveram que ser transportadas num caminhão da Escola de Moto-Mecanização - um quartel em Deodoro - até à Rua Luiz Zancheta, onde morávamos. As ordenanças deixaram em nossa varanda de trás umas vinte abóboras que viraram doce. E todos os dias os nossos desjejuns, almoços e jantas eram "doce de abóbora". Os primeiros dias foram delíciosos, mas já no terceiro ninguém aguentava comer mais uma só colher que fosse da iguaria. Cresci odiando abóboras e só muitos anos depois voltei a comê-las.
Era o severo regime dos militares. Mil vezes um banheiro à dieta que nos foi imposta.
Abraços
Morani

Marco Antonio Zanfra disse...

Respondendo:
1 - Morani: Suas crônicas serão sempre bem-vindas. São tão deliciosas quanto um doce de abóbora. Por favor, não nos prive delas!
2 - José Luiz Teixeira: no tempo em que cumpria pena no banheiro, tinha menos de dez anos; mais tarde, na época certa, tive contato com um material mais moderno do que Carlos Zéfiro.

Anônimo disse...

Acho que a humanidade pode agradecer por tua mãe ter te trancado no banheiro para aprender a respeitar a autoridade dos adultos. O que se vê, hoje, é um excesso de permissividade, uma falta de limites tão grande que mesmo as crianças de boas famílias estão se transformando em pessoas intratáveis e, até, bandidas. Antigamente - e no seu caso é antigamente mesmo - os pais sabiam educar os filhos.

Zélia Pinheiro disse...

Zanfra, que SOS criança que nada, na nossa época se fizéssemos como algumas crianças hoje, além do castigo levávamos uma boa surra e não tenho nenhum trauma ou revolta por isso. é claro que educo os meus filhos(tres adolescentes) com um pouco mais de modernidade, porém quando os olho de cara feia eles entendem o recado direitinho e ái de quem não entrar nos eixos.Até agora não tem nenhum revoltado pelos limites que lhes imponho.É claro que eu coloco limites, melhor eu e o pai do que a lei, a polícia...E que ninguém duvide que eu sou louca por esses moleques, mas não confundo liberdade com libertinagem.