segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

O Homem do Saco


Sei que para muita gente isso vai parecer apenas uma figura mítica – a personificação do medo infantil, como o Boi-da-Cara-Preta e o Bicho-Papão – mas duvido que algum de meus selecionados leitores não tenha conhecido, em sua remota infância, um exemplo em carne e osso do Homem do Saco. A justificativa para essa minha certeza é que as mães sempre precisaram de parâmetros concretos para consolidar a imagem de terror na mente dos filhos. Criança tem imaginação, mas dificilmente vai usar essa capacidade criativa para construir algo que a amedronte. Por isso, é necessário o exemplo de fora.
Não era difícil nos meus longínquos primeiros anos de vida – e é muito menos difícil hoje – encontrar protótipos de seres humanos que infundissem pavor às pobres crianças. Qualquer figura que fuja da normalidade – como um mendigo maltrapilho, de preferência carregando um saco imundo – pode representar uma ameaça aos pequenos cujo comportamento mereça advertência. Afinal, quem garante que aquele saco imundo não sirva para esconder e carregar criancinhas malcriadas?
Se tem gente que morre de medo de palhaço, do Papai Noel e do He-Man – figuras que teoricante representam o Bem – por que um sem-teto fedorento não seria aterrorizante? Não quero endossar a psicologia do susto, mas creio que criança que não se comporte direito mesmo diante da ameaça de ser carregada num saco tem potencial desvio de conduta. Não digam que não avisei!
Lembro-me de que, quando era pequeno, perto de minha casa existia uma Mulher do Saco. Minha prima Cíntia talvez se lembre disso melhor do que eu, porque ela tem mais capacidade para guardar coisas estranhas na memória.
Era uma negra velha, corpo encurvado e rosto vincado, que morava num barraco de dois por dois metros. Vivia trancada e em silêncio. Hoje, as pessoas praticam paraquedismo, canoagem e bungee-jump; nós produzíamos nossa adrenalina fugindo em desabalada carreira depois de bater nas paredes do barraco para despertar e desentocar a ameaça...
Mas mencionei esses primórdios da civilização para comentar que as pessoas estranhas, as pessoas que fogem do padrão, continuam sendo evitadas, continuam sendo consideradas homens do saco. Mesmo que não sirvam de arquétipo para o amedrontamento infantil, ela acabam pagando de uma forma ou de outra por esse alheamento ao chamado mundo real.
Como essa mulher que foi encontrada morta em seu apartamento, em Santos (SP), na semana passada. Considerá-la estranha pode parecer um pouco de exagero, mas do apartamento foram retiradas mais de quatro toneladas de lixo e entulho e centenas de baratas, além de 40 animais de estimação vivos. Isso tudo dentro de um apartamento, num prédio de dois andares.
Os vizinhos disseram que a mulher vivia sozinha há alguns anos e que provavelmente tinha problemas mentais. Mas ela viveu isolada até morrer. A vizinhança estranhou o cheiro e chamou a polícia. Difícil descobrir como eles conseguiram distinguir entre o odor da decomposição do corpo e o mau cheiro das quatro toneladas de lixo e dos 40 animais – 29 gatos, sete coelhos e quatro cachorros – que viviam com ela.

14 comentários:

Anônimo disse...

Prezado Zanfra.
Você mencionou figuras tenebrosas que povoavam a nossa imaginação infantil. Pode até ser que nossos pais, pagens( agora são chamadas de Babás) avós e tios, não estivessem corretamente politicos, enganando as criaçãs com estas figuras, mas havia menos crianças vítimas de pedofilos, de vendedores de drogas,de sequestros seguidos de mortes etc.et.
E já que falei de um passado distante, naquele tempo se usava
" pagar visita" . Eu o convidei a visitar meu site e deixar um comentario e estou esperando que você pague a minha visita.
Um grande abraço
Maria Gilka.

Anônimo disse...

Que horror esta morte solitária dentro de um apartamento.... o ser humano está cada vez mais sozinho, ou ele mesmo está se isolando dos outros? As figuras estranhas estão em toda parte...

Anônimo disse...

Oi Zanfra!
Sim, sim...lembro-me muito bem do homem do saco. Bota terror nisso! No meu caso, a lenda passou para a geração do meu filho...hehe...hoje com 11 anos de idade, quantas vezes já não o livrei do perigo, quando menor, com essa mentirinha (meio “terrivelzinha”)?
Que me desculpem os psicólogos se falo alguma besteira, mas acredito mesmo que, como medida de segurança e prevenção num mundo tão cheio de maldades, um pouco de medo assim até que cai bem...serve como uma espécie de “pequena dose preparatória de sacanagem fictícia” para suportarmos as “duras sacanagens da vida real”...
Também lembrei-me de uma personagem verdadeira que habitava as ruas de Florianópolis quando era criança...Era uma mulher negra, mendiga, claudicante, de dimensões um pouco avantajadas (pelo menos era o que parecia para mim na época), e extremamente desbocada....falava palavrões a três por dois, especialmente quando não lhe davam o que pedia. Chamavam-na de Pandorga, e era REAL! Nossa! Que pavor sentíamos da coitada da Pandorga! Por causa do aspecto assustador que ela tinha, muita criancinha ficava boazinha e obediente, era só falar nela. Já deve ter morrido, mas os manezinhos da minha geração certamente irão lembrar dessa figura folclórica daqui.
O fato é que Homens do Saco, Pandorgas, Lobos Maus, Bruxas e afins, fizeram-me crescer com uma boa noção das iniqüidades da vida...isso posso falar por mim!
Um grande abraço.
Guta.

Anônimo disse...

Ui, que medo!
Alias, nao precisavamos ir muito longe para encarar o terror.. Lembra do Nonão Véio? Já desafiávamos o perigo somente indo ao quartinho em que ele dormia para mexer na tampa do imenso penico de esmalte, que era o banheiro dele. Ele dormia junto com os barris de milho (o nono tinha a venda ainda). E sem falar na Dona Nhã-Nhã, que matava cachorrinhos a pauladas.! Que infancia traumática!

Agora, perigo mesmo tinha o quintal do Mauricio, com as amexeiras, amoreiras e outras arvores frutiferas, alem do pe de arueira que tinhamos que cumprimentar para nao nos encher de urticaria..

Anônimo disse...

Mas sabia que esse "disturbio" de acumular lixo, muuuito lixo dentro de casa e muito comum aqui? Basta assistir COPS pra ver casos e casas de pessoas solitarias que acumulam toneladas de inutilidades dentro de casa..

Assunto paralelo: Na minha volta do Brasil, trouxe a Rosa Passos comigo :) O LP Recriação que voce me meu nos anos 80, de tanto que eu o cobiçava :)

Anônimo disse...

16/02/09

Apenas dois personagens me causaram terror. O primeiro, um velho perneta, (a perna esquerda era de pau mesmo)lá em Passo Fundo,RS, que passava diante de nossa casa riscando o piso da rua com um facão olhando para nós por debaixo da aba de um chapéu de palha imundo.Mas o que dava medo mesmo era a sua perna de pau e não o facão tirando faisca das pedras que calçavam a nossa rua.
O outro foi um padre, em Deodoro (Vila Militar), no Rio de Janeiro, que com sua batina negra me infundia terror ao caminhar curvado à direção de sua velha igreja (tão velha que parecia a casa de Frankstein, o monstro). Uma tarde de muita calma (aliás, ali era sempre muito calmo por volta de l940) estava eu parado defronte a igreja quando o tal padre abriu a porta principal vindo ao meu encontro. Lembro que caí para trás, aos gritos, tanto pavor tinha eu de padres. Debati-me tanto ao chão que ele recuou e foi se abrigar no interior de sua igreja fechando a porta velha e carcomida pelo tempo.
Homens de Saco também eram conhecidos, mas a esses eu não tinha medo algum. Aqueles dois sim povoaram meus sonhos por um bom tempo.
Morani

Marco Antonio Zanfra disse...

E o nosso amigo Morani, fazendo uma crônica à parte dentro do 'Fala, Zanfra'... Entre outras coisas (como a volta da Guta), é isso que nos anima a continuar!

Anônimo disse...

Tambem gostei da historia dele. Mas, Morani, voce nunca ficou sabendo o que o cura queria com voce?

Anônimo disse...

Prezado Jornalista.
Inicialmente gostaria de agradecer a sua visita. O comentario que eu cobrei de você era para o site www.arbasp. com.br, que deveria ser um blog, mas meu genro achou por bem fazer um site com blog.
A relação de sogra com genro é muito delicada, ele não aceitou que eu pagasse e ainda quer que eu aprenda a colocar fotos, legendas textos etc.
Para quem não sabe escrever e muito menos lidar com computador está tarefa é um desafio.
Atualmente estou estarrecida com a secretaria da Cultura que desde o ano passado publicou no Diario Oficial noticias erradas e não as corrige.
Eu gostaria de saber a opinião das pessoas sobre este fato, para tirar uma dúvida. Isto é normal e aceitavel, e eu é que sou uma tremenda " mala' ou estamos todos anestesiados e absurdos e desmandos do governo passaram a ser aceitos como normais e triviais, ou com tantos assuntos mais importantes por que perder tempo com cultura ?
O referido Salão de Arte que publicou o edital de abertura do evento com erros gastou
R$800.000,00 ( declarados no DOE)
Segundo Mário Sergio Cortella, são as pequenas e constantes ondinhas batendo no barco sem parar, que acabam por leva-lo ao fundo.
Agradeço sua atenção, um grande abraço
Maria Gilka.

Anônimo disse...

O homem do saco era temido porque andava sujo , com as roupas rasgadas, e os cabelos em desalinho.
Na antiguidade os leprosos eram afastados das comunidades e obrigados a usarem roupas rasgadas, cabelos em desalinho e gritarem sempre que alguem se aproximasse deles : Impuro, impuro.
Hoje os nossos jovens e tambem os que já não são tão jovens , os bem ricos e os nem tanto , usam calças rasgadas ( quando mais rasgos , mais cara ) de grife e os cabelos descabelados ou a cabeça raspada. É sinal dos tempos!

Anônimo disse...

Prezado Zanfra
Todas as crianças,de minha geração,conheceram o tal "homem do saco",sempre associado com pessoas mal vestidas,geralmente moradores de rua.O que ninguém dizia é que esses aliciadores de crianças eram na verdade homens bem vestidos,alinhados e com seu carro próximo da vítima que abordava.Eu quase fui vítima de um desses homens do saco.É um assunto que envolve preconceito aos menos favorecidos e dá pano pra manga.
Quanto à senhorinha encontrada morta,sòzinha, com seus amigos errôneamente denominados "irracionais" é consequência dessa vida "globalizada" que discrimina e não une as pessoas. Muito triste.

Anônimo disse...

Prezado Zanfra,

Agradeço muito o envio de suas matérias para mim.
É um privilégio e uma honra.

Sonia Carotta

Anônimo disse...

Prezado Zanfra;


Essas estórias remotas que atravessam gerações tais como: 'o homem do saco'; ' o papa-fígado', ' a carrocinha'; ' a perna-cabeluda'; ' a loura do banheiro'; ' a Hilux preta'; ' a mula-sem-cabeça' e dentre outras mais que acompanharam até os quarentões e cinquentões de hoje, fazem parte do imaginário das garotadas que como uma onda logo passa, restando apenas a lembrança dos bons tempos vividos que não voltam mais. Toda criança passa por essa fase de aventuras criado no seu reservado mundo das ilusões, enfrentando perigos, se saindo em todas as situações de dificuldades, enfim, se safando na qualidade de heróis, pois tudo é inventado o que tange a realidade. Assim como o velho do saco, decrépito, sem forças para segurar ninguém, existia nos meus bons tempo de criança, uma senhora já idosa á época, esclerosada pelos percalços da vida, talvez sem família presumia-se, aquela pobre mulher de cabelos esbranquiçados, andava a passos lentos apoiada sobre uma bengala e a molecagem de antanho, inclusive esse narrador, insultava-lhe pela alcunha de 'vaca mococa' e isso a irritava a ponto de a mesma correr em nossa direção e nos apanhar, coisa que seria impossível diante de sua senilidade entregue a um corpo cansado, porque o que queríamos era apenas sair em correria com os demais moleques cada qual mantendo o itinerário de suas casas. Era uma atitude de meninos sem fundamentos, haja vista que aquela criatura não tinha o vigor necessário para a sua defesa dos insultos provocados pelos peraltas daquele tempo. Lamento quando esse quadro vem visitar-me o inconsciente e se tal cena se repetisse nos dias atuais, envolvendo essa turma de hoje e eu presenciasse tal fato, logo eu repreenderia, não permitiria esse tipo de insulto a uma pessoa idosa, carente de afeto e compreensão pelo restante de vida que ainda lhe resta.

Anônimo disse...

Pelo que eu li a seu respeito em seu próprio texto, acho que o "homem do saco" tinha um medo recíproco em relação às crianças dessa época. Perturbar a pobre velhinha em seu barraco? Ora, por que vocês não iam amarrar rabo de passarinho?