segunda-feira, 6 de julho de 2009

Me engana que eu gosto

Um pequeno tema para discussão, nesta segunda-feira chuvosa (pelo menos aqui em Florianópolis): o número de golpistas cresce por causa da repressão policial ineficiente, ou por causa do aumento de otários no mercado?
Meus vastos anos de trabalho na reportagem policial permitem-me que arrisque um palpite, nem por isso insuscetível de contestação, na segunda hipótese: não houvesse os trouxas, a quem os estelionatários iriam distribuir seus bilhetes premiados, suas curas miraculosas, suas sortes grandes de todo tipo?
Há uma espécie de ditado parido nas rodas da malandragem de antigamente que dá bem o tamanho do mercado: para cada otário que nasce, dois vigaristinhas já estão a postos no berçário, para dividir a mamadeira. Pois eu entendo que esse quase axioma já vem perdendo sua atualidade, visto que a oferta de trouxas cresce mais que a produção de malandros especializados em ludibriá-los.
Não que o tímido contra-ataque da lei não tenha suas responsabilidades, mas o que a polícia pode fazer? Os golpistas são sutis, não andam fardados, não agem ostensivamente. Por isso, sua prisão tem de ser feita em flagrante, durante a execução do golpe. Mas que otário tem perspicácia suficiente para notar que está sendo enganado antes que o estelionatário já esteja longe?
Dizem os policiais que as vítimas de golpes são também golpistas em potencial, só que com um grau de percepção – eu diria de inteligência – bem aquém daquele que julgam ter. Para o otário, trouxa é o outro: é aquele pobre diabo que tem um bilhete premiado nas mãos, não sabe como chegar à Caixa Econômica para receber o prêmio e pode muito bem ser enganado pela esperta vítima e deixar o rico bilhetinho por aqui mesmo. Há mais de meio século o mesmo e conhecidíssimo golpe do bilhete premiado é aplicado com eficiência; dá para explicar como tem gente que ainda cai nele?
Há também as vítimas da fé. Não vou aqui referir-me àqueles que sacrificam o que comer para manter os carros importados de seus pastores, mas aos que “emprestam” altas somas em troca de um “trabalhinho” espiritual e acabam ficando sem o dinheiro e sem os caminhos abertos que o “descarrego” prometia. O que sobra ao otário é a boa fé; o que lhe falta é o conhecimento de que quem trabalha espiritualmente de verdade nunca envolve dinheiro em sua intermediação com o Além.
Aqui em Xanxerê, no Oeste de Santa Catarina, temos um caso recente de uma dessas “vítimas da fé”: enganado por uma falsa vidente, um morador da cidade entregou-lhe R$ 55 mil em dinheiro, em duas vezes, para que fossem benzidos e servissem de abre-alas para não divulgados desejos da vítima. O “dinheiro” foi-lhe “devolvido” em duas bolsas de pano, costuradas física e “espiritualmente”, mas ele, ao abrir os recipientes, constatou que seu rico dinheirinho tinha sido trocado por folhas de jornal recortadas, conforme a foto lá no alto, fornecida pela PM. É óbvio que em momento algum passou por sua cabeça que a mulher era uma estelionatária e que ele era um trouxa.
Claro que a mulher sumiu. E é claro que em breve vamos ouvir falar dela – ou de uma outra estelionatária com o mesmo modus operandi – porque, agora mesmo, aqui na Maternidade Carmela Dutra ou na Maternidade Carlos Costa, há uma fila de pequenos otários prontos para crescer e fazer a vida dos golpistas.

21 comentários:

Kafka disse...

Não há o que reclamar: os otários, pelo menos, nascem espontaneamente. Não é como os fabricantes de antivírus, que tiveram primeiro de criar os vírus para depois criar o programa que os combatesse. Ou como a Monsanto, que criou a soja transgênica para sobreviver ao veneno que ela tinha criado antes...

Cintia disse...

Realmente impressionante como esses golpes ainda funcionam - e em qualquer parte do mundo (logico que com pequenas variancias tecnicas). Por aqui ainda corre os golpes via e-mail, de alguem encarregado de executar a heranca de alguem que nao tinha herdeiros, com o mesmo sobrenome do felizardo destinatario do e-mail.. mas para se pegar o dinheiro precisam da minha conta corrente, etc etc.. ou eu tenho que mandar um dinheirinho para ajudar nos custos legais até que o dinheiro saia..
Tem também os eternos golpes nigerianos, e por ai vai... Acho que esta maxima é o maximo: se é muito bom pra ser verdade, entao nao é.. Cai fora..Mas ai entra o espirito de "gambler", do apostador, que fica realmente seduzido com a ideia do diheiro facil

Cintia disse...

corrija, por favor e delete depois: por aqui ainda correm.

Anônimo disse...

Prezado Zanfra
É assim mesmo. Acho que as pessoas atraem para si esses tipos de golpes porque no fundo desejam levar alguma vantagenzinha nas coisas e acabam é na pior.Ô dó dos vigaristazinhos na maternidade, os bebês são tão lindos...Mas é assim que fazer.Houve muita gente,inclusive conhecidos meus, que cairam em golpes de doleiros falsos. Uma amiga perdeu tudo o que guardou em toda sua vida,com um desses doleiros. Pior que não pôde fazer nada, a não ser, um processo por estelionato visto que recebeu o valor em dois cheques (sem fundos,é claro). Se não fossem os amigos que a ajudaram,estaria até hoje na rua da amargura.Mas ela deveria investigar se a pessoa era do ramo mesmo,confiou apenas em fatos falados de boca.Deu no que deu.
Mas....tadinhos dos bebês...pior que e verdade também...rsrs
beijo em seu coração

sonia carotta

José Luiz disse...

Zanfra, há um ditado árabe, milenar, que diz o seguinte:todo dia saem de casa um otário e um malandro. Se eles se encontrare, sa negócio. Se não,o negócio fica automaticamente marcado para o dia seguinte.

Rivaldo R. Ribeiro disse...

Legal! É isso mesmo, as vitimas nesses casos sao quase bandidos quanto aos malandros, porque de certa forma tambem queriam levar vantagem da situaçao.
O velho proverbio: "Quando a esmola é muito o Santo desconfia", é uma regrinha simples desconfiar do que nao se explica, eu já sou desconfiado de personalidade, desconfio até da propria sombra.
Não sou policial, mas já trabalhei 3 anos na CIRETRAN daqui da minha cidade, funcionário municipal esprestado ao estado, apreendi a desconfiar de muita coisa. Tinhamos uma delegada honestissima, e ela sempre dizia tomem cuidado para nao cair em alguma cilada dos despachamtes. porque depois provar de focinho de porco nao é tomada, é dificil.
PS. se houver alguma palavra errada, é que estou com um conjuntivite terrivel, estou vendo tudo ofuscado. Portanto li o seu post as escuras, espero que o sentido foi esse mesmo...

Até mais,

Rivaldo.

Marco Antonio Zanfra disse...

Sua conjuntivite não está prejudicando nem um pouquinho sua lucidez, Rivaldo. Você pegou bem o espírito da coisa.

Luiz Carlos Murauskas disse...

Bom dia

Amigo Zanfra, voce me deu uma boa noticia que as multas dai não são pontuadas aqui.

Anônimo disse...

Hilária a situação dos golpistas já no berçário da maternidade... tem que ficar esperto, caso contrário te roubam a mãe. Mas não é difícil escapar do conto do vigário: basta não ser burro e duvidar que alguém possa te oferecer uma vantagem qualquer ali no meio da rua. Alguns golpes são bem planejados, mas a maioria é coisa de criança. O povo é que é idiota de cair.
Tenha um bom dia.
/Glicério/

Vico disse...

Ouvi dizer que alguns policiais defendem o enquadramento das vítimas de contos do vigário também como estelionatários. Vai ver que é por isso que eles não denunciam os golpistas: medo de arcar com as consequências de querer levar vantagem em cima dos "trouxas".

Anônimo disse...

Uma vez quase fui vítima do conto do bilhete. Um homem muito simples me contou uma história tão convincente que não tinha como pensar que era mentira. Não tenho vergonha de contar que se eu tivesse dinheiro provavelmente eu teria trocado pelo bilhete do homem. Era um investimento que ia ajudar ele também. Bom pelo menos foi isso que pensei na hora. Para minha felicidade a otária aqui não tinha o que oferecer para o coitadinho do vigarista.
ROSA

Kafka disse...

Lendo o comentário da Rosa, só tenho a dizer: viu, eu não falei que otário nasce espontaneamente?!

Marco Antonio Zanfra disse...

Falou, sim, caro Kafka. Não tiro seu mérito analítico. Só que eu, embora com outras palavras, falei primeiro!

Anônimo disse...

Sempre me pergunto como é que tem gente que ainda cai no golpe do bilhete premiado. É mais velho que a “salve-rainha”... Acho que só perdura mesmo porque o olho da “vítima” cresce né?
Ainda hoje, foi apresentada no Jornal do Almoço uma reportagem sobre uma dupla de “criminosos da terceira idade”, que aplicava o golpe do bilhete na Grande Florianópolis. Dois homens de 64 e 67 anos que abordavam suas vítimas, também idosas, na frente do Hospital Regional de São José, pode? Foram detidos em flagrante e, até então, parece que já tinham abocanhado perto de R$ 100.000,00.
Excelente o ditado árabe que o José Luiz mencionou ...é exatamente isso!
Abraços
Guta

Marco Antonio Zanfra disse...

Essa dupla de que você falou me deu uma idéia, Guta: quando eu ficar mais idoso, coisa que ainda vai demorar séculos, vou começar a aplicar golpes... mas nos jovens, porque eles acham que os velhos são idiotas, e então fica muito mais fácil passá-los para trás.

Cintia disse...

Primo, eles vao cair rapidinho, pois vao se achar tao espertos em passar a perna no velhinho..

Anônimo disse...

A idéia é boa Zanfra, porém inverossímil. Sabe aquela música “malandro é malandro e mane é mane...”?
Pois é! Pilantra é pilantra e otário é otário! E tu não levas nenhum jeito pra pilantra!
(E isso não significa que, necessariamente, te inclines para o lado dos otários... kkkkk... brincadeirinha ...hehe)
Tá bom.... Zanfra...um respeitável estelionatário vetusto...hua hua hua...acho que não vai colar.... não vais ludibriar ninguém!
Guta

Gennara disse...

Posso estar escrevendo no lugar errado, mas tinha de comentar a reportatem do Jornal Nacional de ontem, sobre o lixo "importado" da Inglaterra que foi assunto no blog da semana passada. Isso significa que o pessoal da Globo anda lendo o Fala, Zanfra?
Abraço
Gennara Vitti

Marco Antonio Zanfra disse...

Não quero me gambá, não, Gennara - a modéstia me impede - mas tenho cá comigo que, se não fosse o blog Fala, Zanfra!, o JN não passaria de 15 minutos diários.

Vico disse...

Aposto que na semana que vem o Jornal Nacional vai fazer matéria sobre o golpe do bilhete premiado.

Anônimo disse...

Raciocine comigo: não existissem os otários, o que o legislador ia fazer com o crime de estelionato? para onde o golpista ia dirigir sua criatividade? para o bem? sobre o que escreveria o nobre blogueiro? Tudo tem o seu papel neste mundão de meu Deus.