segunda-feira, 7 de setembro de 2009

O gato e o cão

Na coluna semanal “Circo da Notícia”, que publica no portal Observatório da Imprensa, o jornalista Carlos Brickmann tem uma seção chamada “E eu com isso?”, onde alinha títulos de matérias que, segundo ele, são de discutível interesse comum, mas não deixam de ser publicadas na imprensa do mundo todo. Na semana passada, li naquele espaço de notícias dispensáveis o seguinte título: "Gato disca telefone de emergência e polícia invade casa na Inglaterra".
Como as noções de “discutível interesse” são diferentes de jornalista para jornalista, interessei-me pela história – afinal, tenho um blog para renovar toda segunda-feira, que requer assuntos pelo menos curiosos – e procurei o Google. Daí, fiquei sabendo que Watson, o gato, havia apertado quatro vezes o botão de rediscagem do número de emergência no telefone, num flat em West Sussex, na Inglaterra, e acionado a polícia. Como deram de cara com um vaso quebrado logo ao chegar, os policiais inferiraram que estava ocorrendo um arrombamento e invadiram o apartamento.
Tudo bem, bela história. Mas, depois de ler sobre a façanha felina, confesso que me restou apenas uma avaliação: grandes coisas!!! Qualquer gato gordo é capaz de apertar um botão de rediscagem quatro, cinco, dez vezes, e provocar o estardalhaço de uma invasão policial. Mas só um inteligente filhote de labrador consegue provocar o terror aos poucos, sutilmente, sem chegar ao cúmulo de chamar a polícia, mas deixando no ar a hipótese de fazê-lo a qualquer momento. Em resumo: só quem não tem um labrador desses em casa é capaz de surpreender-se com as peripécias de um gato inglês.

Para quem ainda não chegou a essa conclusão óbvia, estou falando de Lancelot, aquela pequena catástrofe sobre quatro patas que há pouco mais de três meses passou a habitar minha humilde morada e meus pesadelos. Pois Lancelot descobriu muito cedo que o telefone era um grande aliado em sua incansável busca por atenção, quando uma choradinha baixa na porta do quarto tornava-se inócua.
Numa primeira demonstração de sua descoberta – depois da tradicional choradinha, inútil na ocasião – bastou-lhe puxar o fone do gancho para fazer com que corrêssemos do quarto para a sala, pressentindo uma tragédia. Na segunda vez, como o fragor do fone arrancado fosse insuficiente para o efeito que desejava, ele apertou a tecla do viva-voz, e o ruído tuuu... tuuu.. .tuuu... de linha ocupada encheu a casa no silêncio da madrugada – esqueci de dizer que ele sempre fazia isso quando tinha fome, entre cinco e cinco e meia da manhã. Não satisfeito, na terceira vez ele apertou também o botão de espera de atendimento, e o que ficou ecoando pelo silêncio da madrugada foi a musiquinha chata que atormenta nossos ouvidos enquanto aguardamos uma voz humana.
Mas o mais espantoso veio depois, na quarta vez: sabe o que é ser despertado por uma voz meio metálica, na sala, dizendo tadai ma orusu shite imasu. pii! to narimasu kara onamae to goyo tengo o hanase kudasai? Pois é: mesmo sabendo que o telefone era equipado com secretária eletrônica japonesa, quem é que vai relacionar o cós com as calças num despertar traumático às cinco da manhã? Quem vai conseguir atinar que a voz misteriosa dizia apenas que estava fora e que, após o sinal (sim, o onomatopeico pii!) deveríamos deixar nome e endereço, kudasai (por favor)?
Nosso telefone não tinha aquelas teclas programadas para discagem rápida, mas isso certamente não queria dizer grande coisa: pela marcha da evolução, era questão de dias que nosso pequeno monstro aprendesse a ler e digitasse, um a um, os algarismos 1-9-0. Melhor não arriscar. Por isso, troquei o aparelho de telefone por um que não ficasse ao alcance dele. Sabe como são os policiais brasileiros: seria um pouco mais difícil explicar a eles, antes que uma tragédia estivesse consumada, que tudo não passara de um mal-entendido, de uma brincadeira armada por um cãozinho travesso.

13 comentários:

Blog do Morani disse...

Quando pensamos que os animais agem apenas por instintos, nos vemos enrascados ao notar inteligência em suas atitudes. A dos cães da raça Labrador então... Está além de qualquer compreensão. Esses cães, os Labradores, faltam apenas se expressar claramente o que desejam de nós. E é tão fácil entendê-los se os amamos sinceramente.

Vico disse...

Mais interessante do que a história do gato é essa parte da secretária eletrônica: "ao sinal, piii!, deixe seu recado..." Hilário! Quem não entender que deve deixar o recado depois do piii!, aí é coisa braba!

Cintia disse...

Que bonitinho! Isso que e necessidade de se comunicar :))
Beijos para o Lancelot!

Marco Antonio Zanfra disse...

Não brinca, Cíntia! Se a gente não tirasse o telefone do alcance dele, logo mais o Lancelot estaria ligando para Aurora-Illinois, para suprir a "necessidade de se comunicar".

Cintia disse...

Contanto que ele nao ligue a cobrar .. hehe

Marco Antonio Zanfra disse...

Não duvide...

Kafka disse...

Depois do Garfield, nada mais que os gatos possam fazer me surpreende!

Marco Antonio Zanfra disse...

Outra coisa, Cíntia: já descobri como acabar com a "necessidade de se comunicar" dele; é só mostrar o chinelo e perguntar "quer conversar com ele?" É tiro e queda.

Cintia disse...

Cuidado com a vinganca.. Uma bela manha voce pode acordar e encontrar o chinelo em pedacos e farelos pela casa.. Vou ficar torcendo :)

Desirée disse...

Os cães não nutrem sentimentos negativos, como a vingança, o rancor. O amor deles é incondicional. Pode reparar: quando um cão é agredido, é ele quem vai, rabo entre as pernas, pedir desculpas por ter merecido (ou não merecido) a agressão. É mais ou menos como diria Nélson Rodrigues: perdoe-me por eu ter apanhado, mesmo que eu não tenha culpa nenhuma por seu ódio.

Marco Antonio Zanfra disse...

Quer dizer que eu não preciso ter medo de encontrar meu chinelo "em pedaços e farelos", como deseja minha prima?

Cintia disse...

Apesar da vinganca ser um ponto de vista nosso, seu chinelo ainda corre o risco de se desfazer entre os dentinhos afiados dele ! Na cabecinha dele aquela coisa nas suas maos, balancando num modo ameacador, precisa ser eliminada.. Ou.. se voce esta mostrando o chinelo com tanta enfase, deve ser bom pra caramba!

Fabiano Marques disse...

Ah! Esse discutível interesse. hehehehe