segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Salve-se quem puder

Seria cômico se não fosse trágico... e necessário.
A Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro anunciou que está preparando planos de emergência para colocar em prática durante as cada vez mais comuns trocas de tiros entre bandidos de facções rivais e/ou policiais, de modo a preservar a segurança dos alunos que frequentam suas mais de mil unidades. Há pelo menos duzentas escolas municipais em áreas de risco, segundo levantamento da secretaria.
O treinamento pretende aproveitar o gancho da hora – os tiroteios e as balas perdidas – para formar grupos de funcionários e professores treinados para atuar também em outras situações de emergência, como acidentes e incêndios. A função desses grupos seria controlar psicologicamente as crianças durante as situações críticas, para evitar pânico e exposição maior ao perigo. É, creio eu, apenas uma questão de adaptação às cicunstâncias e necessidades.
Mais ou menos como acontece nos países em guerra ou submetidos a instabilidades naturais. No Japão, por exemplo, fazem parte do currículo escolar os ensinamentos de como comportar-se durante a ocorrência de um terremoto. Além disso, kits de sobrevivência, em caso de tremores mais graves, são vendidos em supermercados: capacete, porções de comida desidratada, lanterna e um apito, entre outras coisas, compõem o nécessaire para as situações de emergência. Os sismos, no Japão, ocorrem com mais frequência do que pode supor a vã filosofia de meus seletos – e diletos – leitores. E, é claro, não há previsão de que terminem.
Como no Rio acredito que também não haja previsão de término para as escaramuças, acho que o pessoal da educação poderia ampliar seu treinamento: não apenas preparar professores e funcionários, mas ensinar os próprios alunos a se comportar durante os às vezes intermináveis entreveros. Mesmo porque, com o projeto original, as crianças estariam protegidas apenas em ambiente escolar, onde passam no máximo um terço do dia. E fora da escola, como salvaguardar-se?
Minha sugestão é que as noções de conduta segura em situação de guerra devam ser passadas aos próprios alunos, separando-as em procedimentos a serem empregados no período escolar, no recesso do lar ou – o que talvez seja mais comum e portanto mais carente de preparo – na rua. Paralelamente, seria vendido no comércio popular, a preço logicamente subsidiado, um kit de sobrevivência, composto de capacete, colete à prova de balas, óculos de segurança (para proteger-se dos estilhaços) e estojinho de primeiros socorros, para ferimentos superficiais. Já que estamos em estado de guerra, temos de nos comportar como em estado de guerra. E, já que é para fazer, melhor fazer bem feito.
Para evitar balas perdidas, há a sugestão do colunista José Simão de se utilizar o sistema GPS, mas não creio que isso dê certo a curto prazo.

19 comentários:

Assis Ângelo: disse...

Pois é, Marco, o que se passa no Rio é uma tragédia sem fim. Se o Estado não atende às necessidades e carências do povo, outro vem e faz. Caso dos traficantes. O que acho é que é necessário ir pra cima deles e recuperar o tempo perdido. Com traficante não se brinca, não se faz acordo. O Estado, pelo menos não deve ou deveria fazer. Mais uma vez repito o que tenho dito por aí: o principal remédio para todos os males é o bom ensino, a boa educação. É preciso investir nesse campo, e não na construção de cadeia e na produção de balas.
Abs,

Marco Antonio Zanfra disse...

"Com traficante não se brinca, não se faz acordo". Isso resume tudo. Se o Rio não tivesse "brincado" e "feito acordos" durante tanto tempo, a situação não estaria crítica como está hoje. Se a polícia tivesse agido com o rigor que age atualmente, a situação seria outra. A conivência dos governantes - nem preciso citar nomes - durante tanto tempo levou a "cidade maravilhosa" a essa situação crítica.

Vico disse...

Acho que há um diferença fundamental entre você aprender a se comportar durante um terremoto, que é um fenômeno além da vontade do homem, e durante um tiroteio, principalmente sabendo que o tiroteio é decorrente da ausência do Estado tentando ser suprida atabalhoadamente pelo próprio Estado: agir durante um terremoto faz parte de seu destino; defender-se durante um tiroteio é uma das sequelas da incompetência de governantes durante anos e anos, e portanto não pode ser uma ação passiva, mas marcada pela cobrança. Em resumo: não basta esconder-se, mas cobrar providências para que você não corra mais o risco de ser uma vítima inocente da acefalia governamental.

Cintia disse...

Concordo Vico, devemos cobrar dos governantes mas agachados, para que uma bala nao nos "ache".
O que eu sempre quis saber: pra onde vai o dinheiro do trafico? E como? Sim, pois esses que ficam no topo dos morros lutando uns contra os outros e contra a policia nao passam de uns miseraveis.. QUem esta a cime deles, antes de se chegar aos carteis de fora?

Marco Antonio Zanfra disse...

No morro mesmo você vai achar uma boa parte da grana, mais a maior fatia é "investida" (em armas, novas remessas e logística para mais poder). Mas deve ter algo investido em espécie, também: afinal, o crime é ou não é "organizado"?

Cintia disse...

é ... mas acho que tem muito mais grana rolando do que esse capital de giro que voce falou...

Unknown disse...

A que ponto chegamos Zanfra.

Acredito que seria mais coerente e proveitoso investir em infraestrutura, emprego e educação para valorizar o povo desassistido do que, de forma paliativa, gastar dinheiro com treinamentos que reforçam, alimentam e acomodam situações que, com certeza, não serão resolvidas com essa prática imediatista e sem visão social.

Um forte abraço,

Jacinto.

cilmar machado disse...

Enquanto isso, aqui no interiorzão do Estado, uma onda tecnológica invadiu a cabeça do nosso Secretário de Segurança. O chamado Serviço 190, que prevê pronto atendimento à população local pela polícia, tornou-se regionalizado, de uma hora para outra, diminuindo em muito a eficiência da Polícia que, por desconhecimento da realidade de cada cidade, não oferece mais um pronto atendimento às eventuais chamadas telefônicas. Há uma demora muito grande com o atendimento regionalizado e muitas vezes, como no caso de desinteligências que podem levar à morte, a Polícia chega depois dos fatos consumados e que poderiam por ela serem evitados, caso fosse mais eficiente. E a malandragem tira proveito dessa ineficiência deitando e rolando. Será que estão querendo transformar São Paulo (interior), num novo Rio? É lamentável...

Marco Antonio Zanfra disse...

Engraçado, né, Cilmar: parece que as "autoridades" "competentes" têm prazer em complicar as coisas mais simples e deixar desamparado quem mais precisa dessas soluções simples.

Kafka disse...

Podem falar o que quiserem da violência no Rio de Janeiro, mas de uma coisa eu tenho certeza: os cariocas não se reúnem para hostilizar louras usando microvestidos...

Anônimo disse...

Falando em piadinha de carioca, tem outra ótima: dizem que, assim que o Rio foi escolhido como o "melhor destino turístico gay do mundo", os cariocas estão reagindo com bom humor, dizendo que é melhor ser "destino" do que "origem".
Toni.

Blog do Morani disse...

Antes de mais nada, grato pelo "seletos - e diletos - leitores. Suas explicações tiveram o cunho de não me permitir maiores considerações a respeito, pois que está tudo enquadrado em observações e em leituras que são fornecidas pela imprensa falada, escrita e televisiva. No Japão, e em outras zonas de sismos naturais repetidos, é dessa forma que agem as autoridades locais aos habitantes. Os cuidados são deveras rígidos. Muito bom o seu comentário, mormente ao se referir aos tiroteios diários na cidade dita Maravilhosa. Diz-se que o Cristo Redentor, para não ser aingido por balas perdidas, levantou os braços, sungou a sua manta e quase foge lá de cima.

Marco Antonio Zanfra disse...

Mesmo sendo ele filho de quem é...

Serafim disse...

Caro Zanfra

O que acontece no Rio é apenas a confirmação da decadência de um Estado que já foi Maravilhoso.É muito mais fácil transferir responsabilidades como "ensinar" estudantes a se protegerem das balas perdidas,mas que sempre encontram o seu alvo,do que admitirem a ineficácia no combate aos traficantes.E coitado daquele estudante que, por uma infelicidade, venha a ser atingido por alguma bala perdida.É capaz de ainda ser acusado de não saber usar o "equipamento".Este é o Brasil,terra do Mundial e das Olimpíadas.

Abraços

Carlos Martí disse...

Nem fatalismo, nem avestruz. Não acho que situações como as que enfrenta a sociedade carioca, produto de muitos anos e deterioração social, durem para sempre. Assim mesmo, as medidas de emergência, de alguma forma provisórias e que visam paliar o que todos esperemos, não perdure, podem chegar a ser muito efetivas. Além dos resultados diretos, podem ter efeitos adicionais que vão desde a recuperação da confiança por parte de uma população acuada até a demonstração de união de uma cidadania que precisa deixar de mostrar-se passiva ante os ataque sofridos. Certamente, não se trata de soluções definitivas que, mais do que aulas de proteção frente aos riscos da guerrilha urbana, passa por ampliar cada vez mais as oportunidades à educação, permitindo que mais gente sinta que tem direito pleno a fazer parte do grupo. Quanto mais isso for possível, menos gente haverá do outro lado da linha de fogo.

Marco Antonio Zanfra disse...

Desde, claro, que o Estado cumpra seu papel de Estado e não repasse suas responsabilidades, como vinha fazendo, ao crime organizado... Se o Estado não ocupa seu espaço, algum oportunista vem e ocupa.

Carlos Martí disse...

Pudera, foram pelo menos 40 anos de omissão. O mais grave, o vazio deixado na educação, ocupado por aberrações culturais como a Globo ou o fenômeno do marketing evangélico, poderosos (de)formadores de opinião e que ajudaram a produzir uma população que não sabe se defender. Pior, tem dificuldades em reconhecer seus verdadeiros inimigos.

Ricardo Câmara disse...

Prezado Zanfra;
Infelizmente, o Rio inteiro é zona de risco. Idem também para o resto do país.A população carece de segurança e investimentos em material bélico só vai agravar a situação de violência, pois armas de grosso calibres e de última geraçõe já foram parar nas dependências de traficantes, lá no morro.Quanto ao kit de segurança, ao invés de as pessoas usarem roupas blindas,a ciência, principalmente na área da física já deveria ter investido nas pesquisas de um campo-de-força que protegesse cada pessoa durante o seu trajeto rotineiro.Já pensou cada um de nós, caminhando livremente pelas ruas e as balas perdidas resvalando-nos; as residências e entidades públicas todas blindadas por um campo magnético,e enfim, segurança total. Acredito que tudo isso não é uma utopia, pois nos bastidores das prospecções científicas muito pode ser feito sobre o fator segurança e dentre outros.É uma questão política.

Marco Antonio Zanfra disse...

Se isso fosse possível, Ricardo, pode crer que os traficantes já estariam contrabandeando armas capazes de ultrapassar esses campos de força.