segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Enfia lá no seu...

Como é que alguém consegue conscientemente causar sofrimento a uma criança? Como é possível a um ser humano infligir arbitrariamente dor a um pequeno corpo inocente, sejam quais forem seus motivos?
Passei pelo menos quinze anos de minha vida profissional envolvido com a crueza da reportagem policial, convivendo com as mais sórdidas espécies de criminosos, mas ainda hoje não consigo entender que tipo de insensibilidade move a mão que tortura, fere ou mata uma criança. Que tipo de desvio sociopático é necessário para impor voluntariamente o padecimento a um ser incapaz de defender-se?
O motivo, acredito, é esse mesmo: a incapacidade de defesa. Minha assistente social predileta, com quem divido igualitariamente a cama – dois terços para ela, um terço para mim – todas as noites, diz que é exatamente por isso que as coisas acontecem: quem aplica a violência o faz porque pode, porque não encontra resistência, porque não há o contraponto da defesa. Quem maltrata uma criança é o mesmo tipo de pessoa que maltrata um animal, que arranca os olhos de um passarinho, que amarra um fio de linha às patas de uma borboleta: só o faz porque nenhuma de suas vítimas tem capacidade de resistir e contra-atacar.
Quem viu a figurinha ridícula e insignificante do padrasto que enfiou, na Bahia, trinta e tantas agulhas no corpo do enteado – seja por bruxaria, seja por razões sentimentais mesquinhas (vingança) – pode compreender o motivo da sordidez: como uma criança de dois anos poderia reagir? O que impediria uma pessoa impiedosa de lhe causar dores fulgurantes, como se não lhe bastassem as dores da violência social? Pelo tamanhinho do padrasto, tenho certeza de que ele pensaria duas vezes antes de agir se a criança tivesse, sei lá, três anos e meio... mas o menino, coitado, tem só dois.
Os quinze anos como repórter de polícia não endureceram meus sentimentos em relação às crianças. Sofro com o sofrimento delas, sinceramente. Senti quando Isabela foi lançada pela janela do sexto andar do prédio, sinto agora quando o garoto baiano tem de ser submetido a cirurgias de emergência para retirar as agulhas que põem em risco o funcionamento de seus órgãos vitais. Sinto uma dor especial quando há crianças entre as vítimas de acidentes de trânsito. Sinto ainda mais porque, em nenhum dos casos, a criança teve qualquer participação ou mérito/demérito no mal que a atingiu. Apenas estava por perto para servir de vítima.
É bem verdade que, na vida real, não tenho muita paciência com crianças. Ou melhor, não tenho paciência nenhuma. Mas nada justifica a violência. Senti vontade, por exemplo, de meter umas palmadas na bundinha de uma garota de uns quatro ou cinco anos que passou metade do voo entre Brasília e Florianópolis correndo de um lado para o outro no corredor do avião. Mas minha irritação não iria além de umas palmadas.
Agulhas, nem pensar!

19 comentários:

Anônimo disse...

infelizmente neste mundo existem pessoas capazes de tudo!
De coisas boas a coisas ruins, mentes brilahntes e mentes diabólicas.
Este cara o padastro é um monstro, mas tambem abre um espaço para as pessoas pensarem bem quando deixam seus filhos na mào de estranhos, uma criança de 2 anos sair com um homem que a mãe conheceu ha 6 meses e ja colocou dentro de casa. . .
Suzane

Blog do Morani disse...

É Zanfra... imagino o quanto você "penou" numa escura sala iluminada por lâmpada de 20 Volts, como costumam ser as ante-salas de uma Delegacia de Polícia, dando ao ambiente intensidade maior aos casos por lá surgidos, mas um como esse do menino com agulhas enfiadas em grande parte de seu corpo com extinto de perversidade... Acredito que no seu tempo não existiu. O homem está a cada dia mais feroz, mais insensível, mais infenso aos bons sentimentos que se espera de um representante da raça humana. Os animais são menos cruéis, ou quase não o são, fora os "pitbulls" - alguns mal ensinados. Por trás deles há sempre o cérebro humano deturpando os instintos feros dessa raça de cães. Agora... Dou razão à sua vontade de "sentar" umas palmadas no bumbum da garotinha que fazia do corredor do avião pista à sua perfomance de mini-atleta.

Blog do Morani disse...

Peço licença para responder neste espaço de agora a uma de suas comentaristas - Cíntia, que trouxe luz à minha dúvida a respeito da famosa Cera Parketina (a minha dúvida era sobre o nome do produto: Parquetina ou Parketina?. E o rapaz, que lembra mesmo um daqueles "lanterninhas" de escuro dos cinemas, não o era, dizem outros. Era um "boy" de hotel. Lembro das duas escovas sob seus pés e suas pernas abertas numa carreira adoidada. Em nossa casa no Rio, nos idos dos anos 40, não havia enceradeira elétrica; eram importadas e caras. Tínhamos um "escovão", enorme e pesado, com o qual esfregávamos o chão da casa após passarmos cera Parketina, ver melha, a única e primeira cor da cera. Mas que cheiro bom de limpeza corria pela casa toda...
Obrigado Cíntia e demais que tocaram no assunto enriquecendo minhas lembranças dos tempos em que as "pipas" tinham rabo de pano e uma "gillete" à extremidade para as "batalhas" aéreas entre esses artefatos.

Marco Antonio Zanfra disse...

É, Morani, mas a Cíntia estava errada, pois não se escrevia com "k": o certo é Parquetina.

Blog do Morani disse...

Então, meu caro amigo, agradeço a sua correção. Essa era a minha grande dúvida, agora dissipada de vez. Valeu!

Vico disse...

Em parte você tem razão: os covardes só atingem os mais frágeis, aqueles que não têm capacidade de reagir. Mas quem fere uma criança não é apenas covarde: além da covardia há um instinto doentio que só a psiquiatria explica.

Gleydson disse...

Boa Zanfra! Queria ver um mané desses tomando todas essas agulhadas em lugares bem constrangedores. Todas as trinta e tantas.

Mais brabo ainda é pensar que tem gente capaz de fazer coisa até pior... O "ser" humano parece que nunca entra na moda.

Abraços!

cilmar machado disse...

Recentemente (final de outubro último), numa cidade vizinha a Lins (Promissão), dois primos em desafeto da priminha ofendida, resolveram dar uma surra num modesto pedreiro porque ele se engraçara com a jovem donzela. Pegaram-no de tocaia, bateram até dizer chega e, insatisfeitos, numa fúria inexplicável e inconseqüente, arrancaram os dois olhos do pedreiro e os atiraram na via pública. Com a dor, o atacado desmaiou e foi socorrido por transeuntes que, com o auxílio da polícia, o encaminharam a um hospital.Após alguns dias é que veio a saber que estava irremediavelmente cego.
Este fato real comprova que a maldade não escolhe idade. Condoemo-nos muito mais quando se trata de crianças, mas com os adultos isso também acontece. Quais seriam as causas de tão lastimável comportamento? Isso é normal, em pleno século 21?... O que vocês acham, amigos?

Marco Antonio Zanfra disse...

É natural corrermos em defesa dos mais fracos, Cilmar, e muito mais natural ainda buscarmos a proteção das crianças. Não é como torcer pelo Jerry contra o Tom, mas um instinto de defesa atávico, porque a criança é, ao mesmo tempo, nossa origem e nosso fruto. Ela é quem fomos e quem podemos fazer ser. É claro que toda violência é execrável - ainda mais com requintes de crueldade, do tipo "coronelista" como essa que você cita - mas quando aplicada contra a criança a estupidez é ainda menos racional. É quase bíblico: Bless the beasts and the children. Não dá para aceitar que um desclassificado use uma criança de dois anos para vingar-se de sua mãe.

Fabiano Marques disse...

Tanto as palmadas quanto as agulhadas são condenáveis.
Um absurdo essa história.
abrasssssssss

Marco Antonio Zanfra disse...

Quiéisso, Fabiano? Um tapinha não doi... já trinta e tantas agulhas!!!

fábio mello disse...

Outro fato que tem chamado a minha atenção é a quantidade de crianças que estão, hã, pulado pela janela.

Quando eu morava em apartamento, a primeira coisa que eu fiz quando ganhei um gato foi instalar telas em todas as janelas.

Leio no G1:

"Uma criança de seis meses morreu ao cair do sétimo andar de um prédio no Méier, subúrbio do Rio, na noite de segunda-feira (21). Os pais da criança prestaram depoimento na 24ª DP (Piedade)".

Motivo:

"De acordo com a polícia, a mãe fazia serviços na cozinha, e o pai cuidava do bebê na varanda do apartamento. Ele segurava a menina no colo com um dos braços. Ao se mexer, ela teria forçado as pernas contra o corpo do pai e caiu entre a grade e a rede de proteção que não suportou o peso".

É possível isso?

Kafka disse...

Pois é, Fábio Mello, até eu que sou mais bobo desconfio de uma história dessas. Mas, mais difícil do que acreditar na história, é entender por que isso está acontecendo. Não queria filho, usasse camisinha!

Marco Antonio Zanfra disse...

... ou quem sabe o pai não tinha bebido um pouco demais e "perdeu o controle" da criança. Cuidar de um bebê de colo é a mesma coisa que dirigir: não pode beber antes!

Ricardo Câmara disse...

Prezado Zanfra;
Estive refletindo muito a respeito dessa crueldade e quanto mais assisto a reportagem nos canais de TV e encaro o padastro daquela criança,falando com todo os pormenores de suas taras crueis em relação ao maus tratos com o menino,sinto um grande sentimento de revolta e vingança, afinal, somos seres humanos onde o princípio da ação e reação nos ronda n'alma. Se vigorasse nesse país a "Lei de Talião"- o tal padastro iria sentir os momentos das espetadas por cada agulha intra-cutânea até as mesmas se perderem na corrente sanguinea, tomando rumos diferenciados e se alojando nos principais órgãos vitais, correndo risco de morte. Que me desculpem esse meu posicionamento, mas na qualidade de mortal,terráqueo e temperamental somos impelidos a pensar assim: bateu, levou!

Marco Antonio Zanfra disse...

Mas é justamente isso que sugere o título do texto, Ricardo...

Carlos Martí disse...

Feliz Natal para todos!!!!

cilmar machado disse...

Ao Zanfra, em particular, que nos brindou durante todo um ano com suas crônicas polêmicas, divertidas e sempre pertinentes, nosso MUITO OBRIGADO e que, no próximo ano, possamos continuar desfrutando de seu convívio, sempre carregado de compreensão, simpatia e amizade. Os votos de um ótimo 2010 também são extensivos à sua ¨ assistente social preferida ¨ , de quem me orgulho em chamar de colega.
Finalizando, aos comentaristas assíduos e não tão assíduos, nossos cumprimentos cordiais, bem como às suas famílias. Um abraço amigo a todos.

Marco Antonio Zanfra disse...

A assistente social preferida agradece e retribui; o jornalista preferido dela, também.