segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Padres vermelhos

Em algumas fases da história brasileira, e eu me lembro especialmente dos 21 anos subsequentes a 1964, as palavras igreja e subversão pareciam ter quase a mesma raiz etimológica. Para os militares que tomaram conta de nossos destinos durante os chamados “anos de chumbo”, por exemplo, usar a expressão padre subversivo – ou suas correlatas padre comunista e padre vermelho – soava como um pleonasmo. Afinal, na visão deles, haveria padre que não fosse subsidiado pelo ouro de Moscou?
Até entendo, embora não signifique que concorde: uma das grandes resistências aos governos militares e suas espoliações – para mim, aí sim uma grande redundância – foi a ala progressista da igreja, que assumiu a vanguarda, ao lado da intelectualidade e da massa trabalhadora, da luta pela restauração do regime democrático. Ao lado do binômio igreja e subversão, outras expressões tornaram-se correntes, com um gostinho de veneno, na bocas dos generais de então: teologia da libertação, pastoral da terra, comunidades eclesiais de base, comissões de direitos humanos, pastoral operária...
E nomes, então?
Dom Paulo Evaristo Arns talvez tivesse ficado menos em evidência não fosse sua postura, à frente da Cúria Metropolitana de São Paulo, em defesa dos perseguidos políticos durante a ditadura militar (trabalho exemplarmente retratado no livro “Brasil: Tortura Nunca Mais”). E dom Cláudio Hummes, hoje prefeito da Congregação para o Clero na Cúria Romana, que na época era bispo da diocese de Santo André e marchou ao lado dos trabalhadores durante o crescimento, depois avassalador, do movimento sindical no ABCD paulista?
Não dá para omitir da história recente, também, os nomes de dom Hélder Câmara – talvez o maior baluarte do iluminismo diante das perspectivas sombrias de então – de frei Leonardo Boff, do reverendo Jaime Wright, de dom Pedro Casaldáliga, de frei Betto e, até, apesar da voz menos tonitruante, de dom Luciano Mendes de Almeida e a CNBB, quase como um todo. Afinal, eles representaram, ao mesmo tempo, a pedra no sapato dos governos fardados e a esperança de luz no fim do túnel atravessado tropegamente pela resistência civil ao golpe. Não sou religioso, mas me orgulho da igreja nesse aspecto, nessa coragem de dar a cara a tapa quando havia tantas mãos querendo estapear tão poucas caras disponíveis.
Mas às vezes acho que alguns exageram: no condado de York, norte da Inglaterra, um padre anglicano está aconselhando aos fiéis o furto em lojas, caso estejam passando necessidades. E a recomendação, no melhor estilo comunista, pretende restringir as ações a estabelecimentos que representem o capitalismo selvagem e voraz.
"Meu conselho, como padre cristão, é furtar em lojas. Eu não faço esta recomendação porque acho que furtar é uma coisa boa, ou porque acho que não faz mal, pois faz. Mas eu pediria que não furtem de lojas pequenas, de negócios familiares, mas de empresas de âmbito nacional, sabendo que os custos acabarão sendo repassados para o restante de nós, na forma de preços mais altos", disse o religioso.
A polícia local classificou o sermão como “altamente irresponsável” e a própria diocese o desqualificou: "O padre está levantando questões importantes sobre as dificuldades que as pessoas enfrentam quando o apoio social não é oferecido, mas furto em lojas não é a forma de superar essas dificuldades. Furtar em lojas ou cometer outros crimes nunca deveria ser a solução. Fazer isso seria tornar a espiral [social] descendente ainda mais rápida, tanto para o indivíduo quanto para a sociedade como um todo."
Aqui no Brasil, nem nos momentos de maior convulsão os padres mais vermelhos aconselharam o crime. O detalhe curioso é que o religioso britânico chama-se Tim Jones, nome muito parecido com o de certo pastor que, há 31 anos, levou mais de 900 pessoas ao suicídio na selva da Guiana.

Esta é a última postagem de 2009. Isso quer dizer, salvo acidentes de percurso ou movimento em contrário por parte de meus poucos mas exigentes leitores, que em 2010 tem mais. Espero que todos tenham a mesma esperança que eu de que nos aguarda um ano cheio de realizações e boas notícias.

20 comentários:

Assis Ângelo: disse...

Muito bem, seu Marco.
O ano que vem será o melhor de todos.
Quem viver, verá.
Grande abraço deste seu amigo (e leitor) de sempre, e certamente o menos exigente de todos,
Assis

Anônimo disse...

E os fora da le do mst? travestidos de políticos cometem crimes por todo o país? Ninguém é trouxa pra não entender o que pretendem!
Eles tem apoio dos padres! Não os coitados raros colonos entre eles)que são manobrados pelos malandros como o stedile? kkkkkk

Cale-se,padreco.Fala Zanfra disse...

"Não furtem de pequenas lojas,nem fiquem esmolando em frente à minha paróquia.Caso contrário,faltarão donativos para "minha assistência pessoal social".Como seus leitores são todos cultos,não seria possível usar um vocabulário chulo.Então, classifico o comentário do pároco como:"Ejacular com pênis alheio".Diante da projeção mundial que a igreja tem,é impossível que comentários assim,passem despercebidos.Se o próprio Papa,o Lula de batinas,é afeito a comentários dispensáveis,que dirão deste pequeno pároco.Mas você citou nomes memoráveis dos verdadeiros defensores do cristianismo,que pregava a paz e o amor.E tem alguns casos que são de família:Dom Paulo Evaristo e sua irmâ Zilda,que esmera-se em diminuir a desnutrição neste país.

Marco Antonio Zanfra disse...

Dom Paulo e sua irmã têm em comum, além da disposição para fazer o bem, a mesma cara: é impressionante como são idênticos!

Gleydson disse...

Padre maluco esse. Rererererere... Ainda bem que a maioria é honesta, senão a gente viveria em um estado de "sermão" constante.

Um 2010 cheio de saúde pra todos nós! Obrigado por compartilhar!

Abraço!

cilmar machado disse...

A meu ver, outro benefício que a chamada Teologia da Libertação trouxe foi a mudança na forma de evangelizar da própria Igreja Católica. Talvez tivesse percebido que a pregação de pecado, purgatório, céu e inferno, uma religião do medo enfim, fosse tão ditatorial quanto o Militarismo da década de 60. Descobriu e corrigiu a falha passando a pregar o amor solidário. Isso deu margem ao crescimento dos maus evangélicos, que com o famoso SAI CAPETA!, passaram a encher as sacolinhas de seus templos. Nosso povo ainda precisa evoluir em sua relação para com o Criador...
Quanto à crônica da semana, sua abordagem foi isenta, bem profissional. É lógico que muitos outros nomes influentes na Igreja naquela época talvez tenham sido esquecidos. Um deles é o do meu colega de escola primária (dizia-se assim), Padre Oscar Beozzo, grande amigo do frei Leonardo Boff com quem vez ou outra esbarramos pelas ruas da cidade. É de uma humildade e de um saber impressionantes...

Marco Antonio Zanfra disse...

Pois é, Cilmar, tivemos vários padres vermelhos notáveis. Como não seria possível citar todos - mesmo porque não conheço da missa um décimo - procurei restringir-me aos mais notórios.

Ricardo Câmara disse...

Prezado Zanfra;
Os nomes citados dos combatentes religiosos progressistas sem dúvidas tiveram destaques incansáveis pela luta de se estabelecer uma democracia com justiça ante um regime ditatorial e cruel naqueles anos de chumbo. De todos eles (religiosos), o Dom Helder Câmara foi um dos mais perseguidos, inclusive pela Cúria Romana que desfez o que o Dom construiu em 22 anos pela arquidiose de Olinda, enviando o seu substituto,conservador,dom José Cardoso Sobrinho, o qual fechou o Instituto de Teologia de Recife (Iter);o Seminário Regional II (Serene II);destituiu a Comissão de Justiça e Paz; demitiu a diretoria da Pastoral Rural e desalojou o prédio da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Ademais, eram constantes as ameaças de morte por parte dos militares entorno do "bispo vermelho", como era conhecido pelos seus adversários, mas que tinha a cor da liberdade. Os verde-oliva se desesperavam com as palavras de um homem franzino,pálido, de olhos esbugalhados e de uma coragem imorredoura ao denunciar o desaparecimento de seus companheiros para o mundo. Não foi à toa que realizou várias viagem para o Vaticano. O seu legado de luta e dos demais contemporâneos é para mostrar as gerações que não se deve cair sob o genuflexo ante os manipuladores do poder. O Dom se identificava com um socialismo de justiça que se equiparava à própria escritura: "Meu socialismo é especial,é um socialismo que respeita a pessoa humana e remonta aos Evangelhos. Meu socialismo é justiça". Quanto ao Padre britânico, que pertence à igreja anglicana, subserviente ao Estado,essa tal atitude de furto à robin hoodiana não condiz com um servo divino, pois agindo dessa maneira, impelindo os seguidores cristãos à prática ilícita, só vai causar transtornos entre ricos e pobres proveniente de uma lavagem cerebral.

Aguardamos o retorno desse elequente blog, Fala, Zanfra! com os demais comentaristas a postos para discorrer sobre os diversos assuntos tratados semanalmente. Que o ano de 2010 não seja apenas mais uma efeméride e sim, um ano de concretizações dos desejos não realizados em 2009. Até a próxima.

Anônimo disse...

Nunca vi isso escrito, mas sempre ouvi dizer que se você tiver fome, entrar em um restaurante, comer (sem bebida alcoolica) e sair sem pagar não é crime. Zanfra, vc que conhece de frente para trás e de trás para frente o Código Penal, por favor, confirme.

abs
José Luiz Teixeira

Marco Antonio Zanfra disse...

Ricardo - Só temos a agradecer por sua grande lição histórica sobre a grande figura que foi dom Hélder.
Zé Luiz - Não existe no CP o chamado "furto famélico", mas uma jurisprudência que engloba o furto (art. 155) e o estado de necessidade (art. 24), observando-se circunstâncias que incluam estado de indigência, subtração unicamente de gêneros alimentícios e o baixo valor dos gêneros subtraídos (ou, como dizem os causídicos, "da res subtraída"). Não se enquadrariam nessa "configuração", por exemplo, aqueles casos de saques em supermercados - na época do Montoro, lembra? - em que neguinho saía carregado com litros e litros de uísque, ainda que Drury's ou Old Eight.

Vico disse...

Pode-se dizer que esses "medalhões" que você citou são exceções na Igreja. A maior parte dos religiosos tem mais é preocupação de enfiar seus dogmas garganta a baixo do povão. Antes e Igreja se restringisse a suas pastorais e comissão de justiça e paz.

Blog do Morani disse...

Dou minha humilde presença com o objetivo de parabenizar o nosso amigo Zanfra por mais uma crônica cheia de margem aos comentaristas de plantão.
Hoje não direi nada. Muitos já o fizeram, e com muita propriedade. Já se acha enriquecido o bastante para que mais um deixe aqui suas impressões. Aproveito o ensejo para desejar ao proprietário do blog, Marco Zanfra, que tão bem recebeu a todos os que aqui fazem presença, um final de ano dos melhores e um 2010 de mais sucesso, mais trabalho, realizações de seus sonhos (A Cova Gêmea não pode ficar na gaveta), muita saúde e disposição mental para nos dar espaço em seu excelente blog. Abraços. Estendo esses votos aos parentes e amigos.
Boas Entradas em 2010!

Marco Antonio Zanfra disse...

Ufa, estávamos estranhando a demora de seu comentário, caríssimo Morani. Mas, felizmente, como a Justiça ele tarda mas não falha. E fique tranquilo: tenho certeza de que 2010 será um ano marcante. Penso em falar alguma coisa sobre isso - incluindo as expectativas sobre As covas gêmeas - na próxima postagem, a primeira do ano.
Tenho certeza de que todos os leitores do blog agradecem sua presença e seus votos.

Cintia disse...

Feliz Ano Novo pra todos..
Tenho trabalhado muito e agora estou em casa de molho, com uma gripe chata..

Ano que vem voltarei com tudo!!

Marco Antonio Zanfra disse...

Esperamos que sim, cara prima, mas lembre-se: ano que vem você estará um ano mais velha. Alguma vez, até hoje, alguma gripe havia conseguido derrubá-la?

Serafim disse...

CARO ZANFRA

Mesmo atrazaso, desejo a todos os participantes do BLOG um próspero Ano Novo.
Quanto ao Padre:não podemos nos esquecer que a alguns anos atráz um famoso Rabino brasileiro já "praticava" esse "conselho".
Na verdade já não se "fazem" mais Padres com D.Evaristo.

Abraços

Marco Antonio Zanfra disse...

É isso aí, Serafim. Meio sumidinho, hein?

Blog do Morani disse...

Caro Zanfra:

Quem é vivo, sempre aparece, e com todo o prazer. Tenho a certeza de que muitos aguardam essa primeira crônica de 2010 sobre a sua obra "Covas Gêmeas".
Esperamos, sabedores das dificuldades que enfrentam as Editoras em um mercado tão abarrotado de títulos, que o seu tenha a acolhida de alguma dessas sem a desculpa dos muitos originais à espera. Já passei por essa experiência. Muito novos autores se vêm obrigados a financiar sua primeira edição. Há algumas editoras que oferecem o serviço completo, mas sem a responsabilidade de distribuir o produto. São as dificuldades e as barreiras a quem não é conhecido no mundo literário. Não desanimemos, contudo. Abraços.

Unknown disse...

Zanfra

Fala, homem! Cumenta, com o, lá na Travessa!!!

Venho hoje aqui para te dizer que continuo a visitar-te, continuo a gostar de o fazer, continuo a achar excelente o teu blogue, continuo teu Amigo. E espero continuar assim durante este 2010 em que já estamos. A maior parte das vezes, não deixo cumentários, com o, porque não chego para as encomendas…

Muito obrigado pelo que me deste, que foi muito, e a que eu talvez não tenha correspondido como tu mereces. Vou tentar ser um pouquinho melhor nos 363 dias que se seguem. Mas, não prometo nada. Sou um malandro. Bom? Penso que menos mau… De qualquer maneira, oxalá o novo ano te traga o que entenderes melhor.

E peço-te desculpa por este ser um texto comum. Com a quantidade de gente como tu, não podia ser de outra maneira. Não sou uma centopeia, para chegar a toda a parte, muito menos um deus para ser omnipresente. Espero por ti, sempre que queiras visitar-me na minha Travessa.

Abs

Kafka disse...

Estou chegando de viagem agora e, embora tardiamente, desejo a todos um Feliz Ano-Novo (caiu o hífen?).