segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Maior que a barriga

A gente aprende desde criancinha que não deve botar no prato mais comida do que vai conseguir comer. Não se deve ter “o olho maior que a barriga”, diziam nossos pais, nesse que talvez seja um dos primeiros ensinamentos em formato de dito popular que nos vem alcançar ainda nos primeiros passos e vai certamente nos acompanhar pelo resto da vida.
O tempo passando, a gente vai vendo que esse axioma não se limita aos pratos de comida: tem o olho maior que a barriga quem tenta carregar mais peso que os braços suportam, quem compra mais do que o minguado salário permite parcelar, quem assume mais tarefas que a própria capacidade de trabalho aconselha. Ou quem tenta sair de uma loja carregando tantos produtos, sem pagar, que seria impossível não ser notado. Para isso, aliás, até criaram um dito popular mais adequado: “Vergonha é roubar e não poder carregar.”
Que atire o primeiro Código Penal quem nunca aproveitou um instante de descuido para surrupiar uma bala, um doce ou uma borracha escolar numa loja. Ou até coisinhas pouca coisa mais valiosas...
Ora, isso faz parte da natureza humana. Até os comerciantes sabem disso e colocam produtos de menor valor em prateleiras onde fica mais difícil manter a vigilância. Se os furtos são inevitáveis, melhor que os prejuízos sejam de menor monta. Portanto, melhor incentivá-los em prateleiras específicas, onde o animus furandi inerente ao ser humano cause menor estrago financeiro.
Mas há uma grande diferença entre furtar uma borracha e o material escolar todo, entre carregar uma balinha e o serviço de bombonière completo, com atendente e tudo. Se o bom senso e a complacência humanos relevam os primeiros, o peso da lei não ignora os segundos. Quem tem o olho maior que a barriga, nesses casos - e o cérebro menor que ambos - tende a acabar com cólicas.
Foi o que aconteceu semana passada numa grande loja de departamentos de Porto Velho, em Rondônia. Três mulheres, uma delas menor de idade, furtaram nada menos que 126 produtos no interior do estabelecimento, inclusive bolsas para carregar os objetos furtados, mas foram pegas na saída, porque todo o processo de coleta e ocultação dos artigos tinha sido acompanhado pelas câmaras de vigilância.

Entre os objetos furtados estavam um aparelho de DVD, onze DVDs – entre eles, “Xuxa Só Para Baixinhos” – sete CDs, três toalhas, cinco camisetas e um ferro de passar roupa, além de dezenas de cosméticos e artigos alimentícios e de higiene. No início, as três começaram dissimulando os produtos em suas próprias bolsas, mas, como o butim crescesse a cada corredor percorrido, pegaram três sacolas vendidas na loja para carregar as “compras”. Na saída, configurado o crime de furto, o flagrante foi feito. Se elas tivessem limitado a ação àquelas prateleiras que citei há pouco...
“Fizeram a feira, mas foi um trabalho amador, fácil de ser pego”, disse o gerente da loja. Como são pobres – ao contrário de uma certa socialite flagrada furtando na Daslu e encaminhada a um psicólogo, porque rico não é ladrão, mas cleptomaníaco – as três foram prestar contas na delegacia.

(A ilustração do post, "furtada" pela internet, é do Ziraldo).

17 comentários:

Anônimo disse...

Mais vale quem Deus ajuda do que quem cedo madruga com um passarinho na mão.

Feliz 2010 a todos
José Luiz Teixeira

Gleydson disse...

Um amigo meu diz que o melhor dos pecados é a gula: gula por luxúria, gula por ganância, gula por gula,... :-)

Essas aí estão mais pra cara-de-pau gulosas mesmo.

Abraços!

Marco Antonio Zanfra disse...

Boa, essa! Mas me parece que elas estariam misturando dois graus diferentes de pecado: a gula, que é um pecado venial, e o roubo (furto), que é mortal. Isso, quero crer, transforma um simples pecado em "pecado qualificado", o que, certamente, acarretaria uma um aumento da pena a ser cumprida no purgatório das almas.

Blog do Morani disse...

O debate começara a esquentar em breve, tenho a certeza absoluta. Começa a "ferver" o assunto da gula. Mas devo dizer que gostei o "Animus Furandi" para dar uma espécie de carta branca à natureza humana de desejar a todo custo passar para trás aos "cuidados" eletrônicos instslados em supermercados e em grandes lojas como Daslu. Acho que caberia melhor o "Animus Honestus". Pobre que pratica o "Animus Furandi"
acaba atrás das grades, ao passo que o milionário que o faz, em lojas como a Daslu e outras elegantes, é enviado ao um psicólogo, de preferência famoso, cujas desculpa são aceitas pela classe dos "milionaires desonestus".
E la vita vá...

cilmar machado disse...

Zanfra:
Gostei do ¨ pecado qualificado ¨. Nunca me ocorreu que a Justiça divina levasse em consideração agravantes tão sutis, como o faz o CP, que é uma criação do Homem, sem a interveniência divina. Aliás, você já ouviu dizer de algum advogado que já entrou no Reino dos Céus? ...
Brincadeiras a parte, o comportamento das citadas ladras, está se tornando cada vez mais comum, mas podemos condená-las num país onde políticos também são flagrados por câmeras roubando impunemente, colocando o dinheiro na cueca, nas meias e também em bolsas? Se nada lhes acontecesse, o povo se vê na possibilidade de também praticar tais delitos. Para combater o ¨ pecado qualificado ¨, só mesmo a ¨ educação qualificada ¨ ...

Marco Antonio Zanfra disse...

Grande Cilmar! Mas, ampliando um pouco seu conceito, podemos somar à "educação qualificada" a "distribuição de renda qualificada", a "reforma agrária" qualificada" e o "fim da impunidade qualificada", entre outras qualificações necessárias a uma vida minimamente digna.

Vico disse...

Para sair enchendo sacolas numa loja como as Americanas - eu li essa notícia no jornal - e achar que ninguém ia descobrir, só mesmo sendo como você descreveu: o olho maior que a barriga e o cérebro menor que ambos.

Ricardo Câmara disse...

Prezado Zanfra;
Realmente, com várias exceções, será que há? que se aponte aquele que nunca surrupiou algo? Ora, vasculhando a minha memória de antanho, lembro-me das batatas doce e das espigas de milho que eu e os dois irmãos mais velhos, todos meninos,iamos cavar as covas de batas de uma plantação de um terreno pertencente à Aeronáutica em Fortaleza-CE, arrendado a alguns agricultores que moravam nas proximidades da instituição militar.Todo o final de tarde, já estávamos lá!, infalíveis e astutos moleques, até que um certo dia, fomos flagrado pelo arrendatário o qual conhecido dos nossos pais, participou o ocorrido e desde então,ficamos proibidos dessas aventuras ilícitas.É o animus furtandi que realmente está impregnado em quase todo mortal e pecador.As coitadas dessas mulheres principiantes, se o Delegado não for caxias, talvez libere elas, aconselhando voltarem para as suas casas e não voltarem às práticas escusas; ou se o DD for severo,enquadrará todas elas no Artigo 155- Furto: Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel- o que não diferencia a classe social, isto é, na prática...

Kafka disse...

Existe alguma relação entre a história do padre que recomendava aos fiéis às lojas e esta das mulheres que quase fretaram uma caminhonete para carregar as coisas que tentaram levar sem pagar? Será, por acaso, que elas leram no blog sobre a recomendação do padre de furtar apenas grandes lojas e resolveram começar pelas Americanas?

Marco Antonio Zanfra disse...

Não pode haver relação: pessoas com o nível de inteligência das três ladras de Ponto Velho não têm cacife para estar entre os poucos mas altamente qualificados leitores do blog.

Serafim disse...

CARO ZANFRA

Dá prá notar a "inteligência" das meninas ou senhoras.Furtar CD da Xuxa é pecado capital.Diria até que os neurônios estão separados kilometros de distância.
A prima Cintia vai adorar essa história.

Abraços

Eliz disse...

Oi Zanfra,

Acredito que essas pessoas já tiveram "sucesso" em outras ações de furtos, dada a dimensão da audácia e quem sabe a certeza sairem ilezas de qualquer flagrante.. Em relação as lojas americanas, saliento que a segurança é péssima, eu mesma já fui vítima de furto dentro da pópria loja.
Bjs.

Marco Antonio Zanfra disse...

Ué, as câmeras de segurança funcionam quando a vítima é a própria loja, mas são cegas para proteger sua clientela dos ladrões "externos"?

Anônimo disse...

Quem falou que a gente não le coisa de granfino? Olha gente queria explicar essa história. No começo, pensei, vamos levar umas coisinhas prum lanchinho especial. Aí vi aquele ferro novinho e pensei que se passasse direitinho a camisa azul de festa do Tião, ele ia ficar feliz da vida e eu levava menos porrada. Falei pra comadre que ia levar, ela ficou com medo, mas disse que se eu levasse, pra arrumar uma sacola, que levar assim na mão dá muito na cara e nem é chique. Foi aí que eu vi o disco da Xuxa e lembrei que o meu mais velho é vidrado nela. O mais novo gosta daquela menina do Silvio Santos. O pãozinho tava saindo quentinho. A molecada adora festa de aniversário quando tem pão, mortadela e guaraná. Eu, desde criança, adoro paçoquinha Amor. Botei a sacola pendurada no braço, empinei a cabeça e a bunda, ajeitei o cabelo e fiz de conta que tinha hora no cabelereiro. Só saí sem pagar porque não tinha como. Pegaram, chacoalharam e xingaram a gente de tudo, mas valeu a pena, fazia tempo que não tinha o gostinho de sair de compras. Um abraço.

Solange, Cleonice e Prissila.

Vico disse...

Agora, sim, o Fala, Zanfra! pode ganhar o mundo, autografado que foi por Solange, Cleonice e Prissila: adquira o seu pelo reembolso postal, ou nas melhores prateleiras das Americanas.

zelia Pnheiro disse...

Essas ladras estão necessitando urgente de psicólogos,(será que a madame da Daslu) cede o dela?, porque furtar "Xuxa" tem que ser mesmo doente né?

Marco Antonio Zanfra disse...

Ao comprar um carro usado nem sempre você pode escolher a cor, Zélia. Mesma coisa levar coisas sem pagar: você tem de escolher o que está mais à mão. Vai ver, elas queriam o box com todos os álbuns do Led Zeppelin, mas o DVD da Xuxa estava mais acessível...