segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Arô!


Não é só na época das festas de final de ano que o ser humano dá vazão às várias outras nuanças de sua personalidade. Também o Carnaval é propício a que venham à tona os complexos e crises que permanecem ocultos na maior parte do tempo. A festa de Momo tem a capacidade de transformar um pacato cidadão numa miríade de sentimentos que vão desde a euforia desvairada ao sorumbatismo suicidômano. É claro que há os meios-termos, as variáveis para mais e para menos, o que significa, felizmente, que nem tudo termina em overdose ou enforcamento.
Dizem que o Carnaval propicia aos humanos ditos normais pelo menos três pontos radicais de convergência comportamental, entre vários meios-tons: há os que só enxergam a festa, a esbórnia, o tudo é pemitido nos três ou quatro dias em que ninguém é de ninguém; há os que vêem na alheação da turma da folia uma boa oportunidade para o retiro e a reflexão, a espiritualidade, o silêncio contemplativo; e há os que inexplicavelmente conseguiram escapar vivos da depressão das festas de dezembro e têm em fevereiro uma nova oportunidade de se auto-imolar e de mergulhar na escuridão profunda de uma existência injustificada.
Se você se enquadra na primeira dessas hipóteses, a do desvario ilimitado, a esta altura deve estar de bermudão e camiseta, cabelo cheio de confete e purpurina, latinha de Skol na mão, pulando atrás de um trio elétrico – que não precisa necessariamente estar em atividade – ou fazendo o esquenta para o próximo baile. E eu, portanto, estou aqui falando sozinho... Mas, se você é daqueles que aproveitam os feriados para aprofundar a compreensão na humanidade, vai aqui uma boa oportunidade para refletir, o que, aliás, é o objetivo essencial deste texto.
Li semana passada sobre um japonês que foi preso por estar obstruindo o serviço de informação telefônica da NTT (Nippon Telegraph and Telephone). Não, não era um terrorista solapando as bases da comunicação nacional, preparando ataques ulteriores ao sistema bancário e à estrutura de transportes públicos. Era apenas um pobre coitado, de 37 anos, que fez 2.600 ligações àquele serviço, para conversar com os atendentes e “esquecer de sua solidão”.
As 2.600 ligações foram feitas entre junho e novembro – cinco meses, pois – o que dá uma média de 520 por mês, ou pouco mais de 17 por dia. Já imaginou o que é ligar 17 vezes por dia para um serviço de auxílio à lista só para conversar, para não se sentir tão sozinho no mundo, para iludir-se com a falsa impressão de que os seres humanos têm ouvidos para suas lamúrias, seus sonhos, suas frustrações, sua insignificância? Em que grau de solitude pode estar alguém para procurar conforto, amizade e um ombro amigo num simples serviço de informação? Talvez esteja aí, guardadas as devidas proporções, uma justificativa humanitária para a existência do serviço de telemarketing.

Kanashii, ne? Muito triste...
Por isso, se você é daqueles que se enquadram na terceira categoria dos subprodutos do Carnaval – a dos maníacos depressivos – sugiro que não leia este texto.

6 comentários:

Anônimo disse...

Zanfra, irmãozinho, vc só esqueceu de um detalhe: aqui, em Salvador, o Carnaval não tem "três ou quatro dias". São seis. Começa oficialmente na 5ª feira. E ainda tem a lambuja de um "arrastão", que invade a Quarta-feira de Cinzas... Bom, não me enquadro em nenhum desses perfis. Nem teria tempo para tal. Sou da turma que 'rala', enquanto a galera se esbalda atrás (na frente, em cima, do lado...) do trio elétrico. Evoé, Momo!

Unknown disse...

CARA ZANFRA.
TENHO CERTEZA QUE ESTA TUA DISSERTAÇÃO SOBRE O CARNAVAL DEVE TER ALGO ESCONDIDO NUM PASSADO, NO INTERIOR DO TEU EGO.
NO ENTANTO, SOU OBRIGADO A CONCORDAR EM PARTE COM TUA MEDITAÇÃO.
FUI CAMPEÃO PELO SALGUEIRO DO RIO, IMPERADORES DO SAMBA EM POA E PELA COLONINHA AQUI EM FLORIPA.
NÃO ME ARREPENDO, BRINQUEI E ME ESQUECI, COMO UM GURI, DOS MEUS DEVERES. MAS CONCORDO QUE A SOLIDÃO DÓI MUITO. FIQUEI COM PENA DO "JAPUCA". PORÉM ELE DEVERIA SABER QUE A SOLIDÃO TE DÁ OPORTUNIDADE DE REFLETIR, LEMBRAR O PASSADO E PENSAR NO FUTURO. O PRESENTE NÓS O FIZEMOS CADA QUAL DA SUA MANEIRA!
ABRAÇO.
BETINHO HIRTZ

Fabiano Marques disse...

Puts! Já li. A recomendação estava lá no final. E agora? heheheheheh

Anônimo disse...

Zanfra, é famoso o fato de os homens se vestirem de mulher no Carnaval de Florianópolis. Mate minha curiosidade: você estava nessa categoria?

Anônimo disse...

Não sou do primeiro tipo, daqueles que se entregam à esbórnia do Carnaval, ou do terceiro, dos que caem em depressão profunda. Mas também não me enquadro na categoria dos que param para refletir, e se entregam ao “silêncio contemplativo”. Simplesmente aproveito o feriadão para relaxar e, quando o tempo permite (como neste último), fico na praia, caminhando na areia e tomando banho de mar. Ah, sim, e contemplando o pôr-do-sol... Pena que, às vezes, essa paz é prejudicada por “foliões” mal-educados, mais para bárbaros, que até na praia extrapolam na comemoração (do que mesmo?). Não sei qual o motivo dessa patética manifestação forçada de alegria. Muitos deles estão desempregados, sem dinheiro, com dívidas e problemas. E se alienam de tudo, por quatro dias. E viva o "panes et circus".!!
Maria Augusta Probst

Anônimo disse...

Bem, eu como uma ser-humana N-O-R-M-A-L, ja estive enquadrada nos tres tipos.. Ja tive maravilhosos carnavais em Olinda, com direito ate a Pau-do-Indio, ja me deprimi, assim como ja houve tempos em que me retirei e refleti. Hoje e como se eu estivesse trancada num quarto escuro por muito tempo, perdendo a nocao do tempo. Ja que estou no hemisferio Norte, enquanto as festas de fim de ano e Carnaval sao quentes com direito a familia e muito ar livre, o gelo daqui me impede de processar a epoca que estamos.. MAS... a Globo Internacional nao me deixa esquecer por completo.. Quando a Globeleza comeca a dancar pelada, ja sei que e Carnaval..
Agora, o caso do japones é extremo, ne?
Beijao
Cintia