segunda-feira, 2 de junho de 2008

Cadê ele?


“A incrível história de dois mortos à procura de um corpo.”
Parece o título de alguma novela de realismo fantástico, não parece? Mas não é. Esse é o título de uma matéria que eu fiz para o jornal “O Estado” (Florianópolis), em agosto de 1998, sobre uma das características do mar que eu até então desconhecia: o livre-arbítrio.
A gente pensa que não, mas o mar tem lá sua idiossincrasia, suas teimas, seus embirros. Não há oceanógrafo que consiga antever as respostas do oceano diante de certas situações aparentemente corriqueiras. Uma dessas situações é a decisão do destino que vai dar aos corpos dos afogados. Em alguns casos, o mar os toma para si e transforma o silêncio de suas profundezas num túmulo inviolável e inacessível. Em outros, ele os devolve rapidamente e, às vezes, aos pedaços.
A propósito disso, um resumo do caso com que abro o texto pode explicar o sentido do que estou querendo dizer:
Naquela época, um tronco humano – e quando digo tronco refiro-me apenas ao torso, sem braços, pernas etc. – foi localizado boiando ao largo da praia dos Ingleses, no Norte da Ilha, e imediatamente familiares de duas pessoas que haviam desaparecido no mar pouco tempo antes foram tentar sua identificação.
Um dos mortos era um pescador de Laguna, alguns quilômetros ao sul, tragado pelo oceano 12 dias antes; o outro, um desses pescadores de beira de mar que fora derrubado por uma onda mais violenta quando lançava suas linhas no costão dos Ingleses, naquela mesma semana. Como havia quase nada para identificar no pouco que o mar devolvera, foi necessário que familiares dos dois mortos fornecessem material genético para a comparação. Daí, o título meio fantasioso da matéria.
Mas o que me chamou a atenção, nesse meio tempo entre o encontro do torso e sua identificação, foi a possibilidade de um terceiro morto – muito mais antigo que os dois primeiros, mas nem por isso menos qualificado a reivindicar aquele pedaço de corpo que o mar libertara de suas entranhas – entrar na disputa: tratava-se de um rapaz de vinte e poucos anos, que desaparecera enquanto tentava desentocar uma garoupa, durante um safári de caça submarina, e nunca fora encontrado.
O detalhe é que fazia quatorze anos que o mar o abraçara, e não houve reza brava que o fizesse devolvê-lo. Mesmo hoje, dez anos depois de ter feito a matéria, não soube de notícias a respeito do encontro de seus restos mortais.
Por isso, acho que o mar tem lá suas razões, algumas insondáveis, para fazer o que faz. A dúvida é: por que alguns afogados conseguem a chance de ser sepultados em terra firme, enquanto outros têm como mausoléu a escuridão do mar? Terá relação com a natureza de cada um, ou com a relação de cada um com o mar, em vida? Será uma punição pela ousadia de devassar algum recanto que o mar queira manter intocado? Ou, numa tese mais ampliada: será afinal uma punição ou uma recompensa vestir-se de mar para sempre?

Por falar nisso, cadê o padre Adelir, conhecido carinhosamente como “padre voador” depois de sua infausta aventura com os balões multicoloridos? Já faz 40 dias que ele desapareceu, provavelmente tragado pelas águas do Atlântico, e não há notícia de que seu corpo tenha sido encontrado. Será ele um daqueles que o mar não devolve, por birra ou, quem sabe, consolo?

9 comentários:

Fabiano Marques disse...

Cara, é sério, conversei com o Nemo. O Padre está procurando o Ulysses Guimarães para formar uma comunidade nova, paralela a do Bob Esponja.
Parece que a grande dificuldade é passar pelo Espanta Tubarão e pelas tainhas que estão a chegar ladeadas pelo Homem do Fundo do Mar.
Acho que precisaremos do sbmarino amarelo para chegar até esses personagens que vivem nas tais profundezas.

Fabiano Marques disse...

Ah! Tem texto do Leminski no emcimadapauta.
abrassss

Anônimo disse...

Oi Zanfra,
A sábia mãe natureza cuida do equilíbrio ecológico, e emocional da humanidade. Acredito que o mar aja como integrador e purificador do ecossistema, por função. Purificador porque consegue, mesmo as "duras penas" (pela carga excessiva de poluentes) reciclar e ao mesmo tempo sobreviver aos maus tratos dos homens. Integrador porque, por vezes, funciona como morada e encontro definitivo para quem por ele se aventura. Acho ainda que a não devolução do que nele por algum motivo natural se instala não é por birra ou consolo e sim por seu capricho e finalidade.

Um grande Abraço

Jacinto.

Anônimo disse...

Bom...
Tenho 26 anos e não sei nadar...
Pode ser engraçado, curioso, motivo de piadinhas entre amigos etc...
Mas "me pelo" de medo do mar.
Adoro praia, pra refrescar a cabeça, idéias, e até mesmo o corpo.
Dizem os antigos que o mar tem o poder da cura.
E sinto isso mesmo, quando vou de encontro a ele. Mas, apenas para isso, pois não sei nadar, e quando entro no mar, vou com água ate o joelho, dali pra frente pra mim, é assustador e arriscado demais.
Tenho medo sim e não nego, mas prefiro ser um cagão vivo, do que ser um "machão" morto, e perdido no mar, se tiver sorte, até o encontram, senão...
Um forte abraço.
Ass:
André (noivo da Débora)

Anônimo disse...

Nao e contradicao nao, mas voce esta romantico hoje, hein? O mar ja foi cantado tantas vezes e tao lindamente, mas o ponto em comum e sempre essa relacao de se estar diante de uma divindade.. Alias, sabe la quantos deuses e deusas das mais variadas culturas habitam o mar?

E por falar em Ulisses, o corpo dele foi devolvido? NAo me lembro..
Beijos
Cintia

Marco Antonio Zanfra disse...

Como o Fabiano, grande repórter, disse lá em cima, o Ulysses deve encabeçar o movimento de oposição ao Bob Esponja, se bem entendi. Por isso, não foi "devolvido" até hoje: os habitantes do mar fazem questão de preservar a essência democrática.

Anônimo disse...

Falar de mar e morte, me lembra do mar morto, o mar da palestina. Apesar de ter este nome, não mata ninguém, pois não possui vida, quanto ao homens pelo menos não os mata por afogamento.

Eliz.

Marco Antonio Zanfra disse...

Mas há (ou havia) a suspeita de que o mar Morto poderia "morrer", por causa do esgotamento de sua principal fonte de água, o rio Jordão, sugado à exaustão pela Jordânia, Israel e Cisjordânia por ser a única fonte de água doce da região.
E faltou complementar a informação de nossa querida Eliz: não há vida no mar Morto por causa de sua alta salinidade - cerca de dez vezes maior do que nos demais oceanos. Ao mesmo tempo que impede a vida, porém, a alta salinidade impede a morte: é impossível um corpo afundar em suas águas.

Anônimo disse...

Vou falar como mergulhadora: adoro o mar e nao gosto de ver peixes em aquários, assim como nao gosto de ver pássaros em gaiolas. Desço lá e arrisco-me usando um cilindro de ar comprimido. Mas tudo isso com muita cautela e respeito. Mas quase morri afogada por duas vezes, quando criança. Acho mesmo que o mergulho tem sido pra mim uma tentativa de domar meu medo, mas nunca uma tentativa de domar o mar. Esse exige respeito e reverência.
Lílian Schulze