segunda-feira, 1 de setembro de 2008

O buraco da bala


Vê se isso é assunto para uma segunda-feira...

No dia em que o casal Manfred e Marísia von Richthofen foi assassinado na cama a golpes de barra de ferro, há quase seis anos, a primeira reação de minha filha mais velha – Mariana, então com 18 anos – foi perguntar o que eles teriam feito de tão grave com a pobre Suzane, a ponto de tê-la forçado a optar por castigá-los com a morte. Na cabeça dela, a filha do casal era mais uma dessas pobres vítimas cansadas de anos de jugo, humilhação, maus-tratos e servícias que dão o grito de liberdade de forma radical – cortando a garganta de seu algoz.
Ficou provado mais tarde que sua idealização da pobre Suzane estava bem longe da realidade, mas sua reação não deixa de ser sintomática: afinal, por que alguém mataria os próprios pais se eles não tivessem dado razões suficientes para isso?
As pessoas de boa índole, como felizmente é o caso de Mariana, não entendem a morte pela morte. Não lhes parece crível que alguém atire só para ver como fica a testa de determinada pessoa com um buraco de bala no meio. Ou que alguém seja tão mesquinho a ponto de não medir conseqüências – mesmo que a execução fria dos próprios pais esteja entre elas – para alcançar a satisfação de seus desejos.
A vida é um bem inalienável, ou quase, na concepção dessas pessoas, entre as quais – felizmente, também – me incluo. Não que elas considerem justificável e aceitável o assassínio de pessoas que, digamos, façam por merecer. É que, em contraponto às mortes “por dá cá aquela palha”, como se dizia antigamente, alguns homicídios têm pelo menos um ponto de apoio, uma explicação. Embora careçam de algo que os legitime, eles têm pelo menos uma explicação plausível.
Num caso acontecido este domingo em Campo Grande, por exemplo: há justificativa ou explicação para uma criança de nove anos meter uma facada certeira no coração do padrasto?
Como é difícil acreditar que uma criança dessa idade tenha plena consciência do sentido da morte, também é complicado avaliar se sua intenção era exatamente essa: levar alguém à morte. Se é aceitável que ela tenha intervindo para impedir que o padrasto continuasse agredindo a mãe, não dá para definir como verdade absoluta sua intenção de matar. O fato de ela ter dado apenas um golpe, fatal, pode ser coincidência.
Mas, nesse caso, o que importa é que agora há uma resposta a dar, caso Mariana repita a pergunta que fez seis anos atrás, pois, ao contrário do casal Richthofen, o padrasto de Campo Grande teria dado motivos para que sua morte fosse pelo menos explicada.

15 comentários:

Anônimo disse...

Infelizmente muitas criancas passam desde muito cedo a presenciar e experimentar o lado nu e cru da vida!!! O que nos tivemos como infancia, brincar e exercitar a imaginacao no nosso mundinho perfeito, deve ter passado tao longe dessa crianca! Tao longe que a faca no peito deve ter feito mais sentido..

Anônimo disse...

As mortes de qualquer tipo, explicáveis e justificáveis ou não, soam violentas se não forem naturais. Bom é morrer de velhice, porque aí não é preciso explicar nada, e a morte em si se justifica.

Anônimo disse...

Zanfra,

Parece ser mesmo verdade que a maioria dos seres humanos (felizmente e por enquanto, pelo menos) não consegue digerir essa banalização da morte e, mais ainda, repudia o homicídio entre familiares.
No caso da Richtofen, depois de demonstrada a autoria e do estarrecimento coletivo, comentou-se: - Ah, mas ela não pode ser normal (e, cá pra nós, tem mesmo uma tremenda cara de pirada); foi a influência do namorado “malaco”; estava sob o efeito de alguma droga, etc, etc.Não que qualquer desses motivos justifique, mas, de fato, é aquela busca - inglória, eu diria - das pessoas de boa índole, por uma explicação minimamente razoável para um ato tão atroz.
Mas na situação da menininha de Campo Grande, a explicação pode ainda mais plausível do que parece.
Depois dos três anos que passei na Procuradoria de Justiça, na área criminal, lendo processos-crime, fiz algumas inferências estatísticas. E arrisco a dizer que, quando o delito envolve PADRASTO e ENTEADA, é melhor pensar mais longe, porque exala um forte cheiro dos artigos 213 e 214 do Código Penal.
Será que uma criança de nove anos de idade teria ímpetos de dar uma facada no agressor de sua mãe, somente para deter um ataque? Não que, para mim, já não fosse razão mais que suficiente ...mas...haveria também outra motivação e alguma raiva acumulada?
Deus queira que tenha sido mesmo apenas para defender a mãe...
[]s
Guta

Marco Antonio Zanfra disse...

Ah, Guta, pena que não é sempre que você aparece para dar essas aulas psico-criminais...

Anônimo disse...

Concordo com a Guta! acho também que a motivação da menininha pode ter vindo de mais longe... foi a primeira coisa que me veio à cabeça. Falar mais o que? :-)
Zanfra, continuo em credito (brincadeirinha)
abraços

Marco Antonio Zanfra disse...

Vai juntando para o décimo-terceiro...

Anônimo disse...

Guta, esclarece para os leigos: quais sao os artigos 213 e 214 do CP?

CIntia

Marco Antonio Zanfra disse...

Como repórter de polícia, eu esclareço pela Guta: o 213 é estupro; o 214 é atentado violento ao pudor. A diferença é que o estupro se aplica apenas à mulher, porque se refere à "conjunção carnal" - a penetração da vagina pelo pênis. O atentado violento ao pudor refere-se a todos os demais casos de violência sexual, incluindo os com vítima do sexo masculino, diferentes do estupro, ou da conjunção carnal.

Fabiano Marques disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Fabiano Marques disse...

Como assim "ao contrário do casal Richthofen, o padrasto de CG teria dado motivos?"
Antes de tudo, ninguém dá motivos para morrer.
O assassino é que acha os motivos para matar.
Se fosse assim, alguns encontrariam motivos para roubar, molestar, etc..
Aliás, uma garota sexy, andando pela rua de saia curta, como diria o Fausto Faucet, "provocante e gostosona", daria motivos para uma violência sexual? Acho que não hein! Talvez uma cantadinha....
Voltemos ao centro do post.
O primeiro homicídio registrado (mesmo que na bíblia) foi a história de Caim e Abel.
O fato criminoso teria ocorrido por ciúmes. (mesmo que seja fantasioso)
Então, sob o raciocínio de que a vítima dá motivos, Abel provocou uma ciumeira danada em Caim que revidou com a morte.
Ok.
Não teria Abel o direito de continuar vivo mesmo tendo sido julgado melhor do que Caim?
Sim teria. Caim que corresse atrás.
O pai que batia na mulher em CG não deveria ser denunciado por ela? Se foi, porque não acabou preso com base na Maria da Penha?
Isso não evitaria que a menina, de nove anos - que me parece ter saído de um mundo de heróis, bandidos, de televisão - matasse o agressor?
Sim, evitaria.
E no caso da malvadinha Richthofen.
Quem é que não fica com cara de doido ou até de coitado quando vai em cana?
Vcs acreditam que os pais dela foram mortos sem aviso prévio? Eu não. Ser morto enquanto dorme é apenas parte do plano. Talvez isso facilite o ato.
Ela deve ter dado vários sinais de que o gato havia subido no telhado.
Eles só não aó acreditaram que o gato iria cair.
Pois o gato caiu porque quis e Caim matou intencionalmente, assim como a guria da faca na bota também o fez. Pensou e agiu, mesmo que por forte emoção.
Porque o espanto?
Homicídio é um castigo extremo e a escolha, a sentença, vem da intenção do delito.
Depois, a justiça diz se é doloso, qualificado, culposo, infanticídio, parricídio e outras definições.
O resto é sensacionalismo, peso na consciência e vontade de julgar.

Marco Antonio Zanfra disse...

Eu não disse que ele deu motivos para morrer, mas para que a morte pudesse ser explicada. Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Lá em cima, se você não prestou atenção, está escrito:"Não que elas considerem justificável e aceitável o assassínio de pessoas que, digamos, façam por merecer. É que, em contraponto às mortes 'por dá cá aquela palha', como se dizia antigamente, alguns homicídios têm pelo menos um ponto de apoio, uma explicação. Embora careçam de algo que os legitime, eles têm pelo menos uma explicação plausível."
Não quero justificar a morte de ninguém, mas ponderar que em alguns casos elas podem obedecer a uma espécie de lógica. Doentia, mas nem por isso menos lógica. Embora seja completamente contra os seus (meus também) princípios, não foge à lógica o fato de um pervertido sentir-se motivado a estuprar uma garota vestida sensualmente.
Atenção: não estou justificando, mas explicando.

Fabiano Marques disse...

Claro que prestei atenção.
Continuo achando que não há explicação (justificativa) para buscar.
Matou, matou.
O cara pervertido vai estuprar até mesmo uma mulher aparentemente feia vestida com macacão de posto de gasolina.
Da mesma forma que um assassino vai matar uma criança indefesa, por exemplo.
Só acho que quando a gente procura explicação quer diminuir o ato se a pessoa que matou parece fragilizada, e agravar o mesmo ato se a pessoa é mais, digamos, forte.
Claro, se a lógica dos homicidas fosse tã simples assim, faríamos uma escola de não-assassinos. Aprenda a não matar em 28 dias. rsrs
Isso não existe.

Marco Antonio Zanfra disse...

Continuamos falando de coisas diferentes...

Anônimo disse...

Como ja disse o Maluf: "estupra, mas nao mata!"
Vixe.. nada a ver.. apenas me lembrei da infeliz frase dele
Cintia

Anônimo disse...

Bom..
Este post deu uma bela discussão no blog hein...
Mas sou obrigado a concordar com o Fabiano.
Acho que não devemos pensar que a criança tenha matado o padrasto para defender a mãe, pode até ter acontecido isso, mas como também pode ter o outro lado, que matou porque seu instinto assassino mandou.
Podemos pensar várias coisas, examinar documentos, arma do crime, local, enfim...
Mas o mais certo é que se não cuidar desta criança, não dar Educação a ela, vai acabar crescendo e virando mais um "marginal".
Abraços
P.s: Imagino como estará o mundo, quando eu estiver mais velho, o que as crianças do futuro farão com seus pais oui familiares, aliás, não gosto nem de imaginar, porque senão fico com medo.

André Campos