segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Pai-dos-burros


Se alguém me perguntasse, até uns dias atrás, se a palavra microônibus levava hífen, eu responderia de bate-pronto: não, é uma palavra só, com dois “os” e acento circunflexo no segundo “o”. Confesso que ostentava minha rapidez de resposta até com certo orgulho. Meu conhecimento da língua, para júbilo próprio, era disparado à queima-roupa.
Mas as coisas mudaram, graças à reforma ortográfica que acaba de entrar em vigor. Micro-ônibus agora leva hífen, como se fosse um desses articulados que carregam o dobro de superlotação, e eu não tenho mais a presteza da resposta: preciso de um tempinho para pensar, e ainda corro o risco de mergulhar em dúvidas. Quer um exemplo? Não tenho mais certeza se bate-pronto e queima-roupa continuam sendo escritos com hífen.
Dizem que a reforma mexeu em apenas meio por cento de nosso vocabulário, mas para mim isso não significa que seja pouco nem que essa mudança teoricamente reduzida esteja impermeável a complicações.
Faço parte de uma categoria profissional que, como muitas outras, tem na palavra – e no uso diário e corrente dela – sua principal ferramenta. A cabeça de profissionais como eu funciona mais ou menos como um Outlook Express, que tem a capacidade de completar endereços de e-mail que estão gravados em seu arquivo: se a palavra é conhecida, sua grafia flui espontaneamente desde o cérebro até os dedos que acionam o teclado do computador. Simples assim.
Com a reforma, porém, deixou de ser simples assim. Mesmo que as palavras não tenham sido afetadas pela mudança, o simples fato de existirem essas mudanças acende uma luz vermelha piscante em nosso cérebro: será que ainda é assim que se escreve? A agonia da dúvida vai persistir durante algum tempo, porque a verdadeira extensão do que mudou vai ser mensurada apenas no dia-a-dia. Por enquanto, sequer temos a certeza de que dia-a-dia continua hifenizado.
Nem tudo é complicação, claro. Acrescentar oficialmente as letras “k”, “w” e “y” a nosso alfabeto – lugar que elas já frequentavam como convidadas há muitos anos – soa como uma mudança que nem vai ser notada. E o sepultamento do trema, algo para ser visto como uma libertação, deve ser uma dessas alterações precedidas de festejos. Se vocês não perceberam, aliás, já me libertei e acabo de escrever frequentavam sem trema.
Mas o hífen a alguns acentos prometem fazer barulho. Por causa da regra de que o “i” e o “u” tônicos deixam de ser acentuados nas paroxítonas quando vierem precedidos de ditongo, feiura perde o acento, mas viúva mantém, já que o “u” de viúva não vem depois de ditongo. Deu para guardar a regra? Dá para escrever sem consultar um glossário?
Por falar nisso, estamos aguardando um vocabulário que a Academia Brasileira de Letras deve produzir até fevereiro para que as principais dúvidas sejam sanadas. Aquele vidro na frente do carro, por exemplo, é para-brisa ou parabrisa? Aquele negócio que manda as descargas elétricas para as profundezas dos infernos é para-raio ou pararraio? Beira-mar continua hifenizado?
Esse vocabulário deve ser uma mão na roda. Só não entendo por que, se a reforma estava anunciada há tanto tempo, nossos imortais ainda não têm esse pai-dos-burros no ponto.

20 comentários:

Bonassoli disse...

Eu gostava do trema. Uso freqüentemente. Me recuso a mudar isso, mas regras se cumprem, quer seja na democracia ou não. Principalmente em Estados e regimes de "não".

Mas e os imortais... ora, eles são imortais. Têm todo o tempo do mundinho da ABL para criarem o tal guia, o pai dos novos burros.

Anônimo disse...

Prezado Jornalista.

Eu nunca usei assentos, tremas etc etc e sempre me fiz entender ,que é o que interessa. Agora que escrevo com o computador ele me corrije o que me deixa maluca, porque muda até nomes proprios escritos com y, w, k.
Só fico pensando quanto o governo vai gastar do nosso dinheiro para editar livros novos.
Um grande abraço
Maria Gilka.
PS- Vou seguir o seu conselho, aceitar as desculpas do Estadão, e deixar de ler este jornal, não tanto pela falta e educação do Mauro Chaves, mas pela demonstração que ele é muito mal informado, e escreve sobre assuntos e pessoas por ouvir dizer, não checa suas fontes.Eu o comparei com a Xênia da TV, mas ele é mesmo a Ofelia do programa humoristico, aquela que só abria a boca quando tinha certeza , e só falava bobagens.

Anônimo disse...

Falando em reforma ortografica, ela não passou de um capricho de meia duzia de - com todo respeito - "DOLCE FAR NIENTE", a ser enfiado goela abaixo de um povo cuja maioria absoluta é analfabeta ou semi. Ou seja, em termos de proveito para a nação, levará do nada a lugar nenhum.

Anônimo disse...

Realmente a mudança ortográfica (com acento ou sem?)vai causar uma tremenda barafunda. Hoje já fiquei na dúvida ao grafar a palavra ex-marido ou exmarido. Quanto à extição do trema não há o que reclamar, já foi tardedemais.

Anônimo disse...

Só para te ajudar, quanto as palavras batepronto e queimaroupa, não se usa o hífem, pois, de acordo com umas das novas regras o hífen não poderá ser usado quando a primeira palavra terminar com vogal e a segunda começar com consoante... E vamos estudar mais regras da nossa língua, já que é da escrita que realizamos os nosso trabalho....

Feliz 2009, ahaa to com saudade, faz tempo que não te vejo por aqui.

Anônimo disse...

Zanfra, essa nova reforma só veio para confundir. No meu caso, pelo menos, tem uma vantagem. Como eu nunca fui bom no manuseio do hífem (nem do hímem)agora estarei sempre certo - ou pela antiga ou pela nova norma.

Blog do Morani disse...

06.01.09

Veja você,pois, meu prezado Zanfra:

As mentes "iluminadas", que pululam por esses brasis afora, à falta de algo mais relevante a fazer, fazem mais uma "reforma" ortográfica (acentua-se esta ao lado?)para confundir mesmo os que lidam com simples e mágicas palavras. Melhor seria se, esquecendo as muitas origens dessas coisinhas perigosas, que "embananam" muitos bons escritores, pudéssemos escrever kasa, keijo, kavalo, massimo (ou macimo)açacino, picina, etc. A mim, que me ocupa atualmente o escrever estórias(?) romanceadas, crônicas e novelas, não me afetam as novíssimas maneiras ortográficas. O nosso país necessita de outras reformas mais sérias e mais justas, em um momento histórico capaz de arrasar todas as economias fragilizadas pelos muitos erros e coisas mais. Continuarei a escrever como "dantes" [aquartelado] ao quartel do Abrantes. E que se dane o mundo. Os irmãos portugueses já declararam que não tirarão o "p" a algumas de suas palavras: "optimo" é uma. Sendo eles pais de nossa língua tão cheia de modismo, hoje em dia, de "americanismo", etc...por que não seguir seus passos? Está tudo "óptimo"! Para que mais? Abraços de um ancião aos 74 anos bastante "arreliado" a mais essa "reforma". Só não me falem em mais reforma da Previdência. Mais abraços e meus respeitos.
Morani

Blog do Morani disse...

Morani, outra vez:

Estás a ver Zanfra? Faltou a "vírgula" no... "aos 74 anos,bastante arreliado a mais essa reforma"; alí deveria ser: "74 anos bastantes arreliados..."
De vírgula a vírgula "comida", engorda-se a burra da ignorância.
Eta língua complicada!

Blog do Morani disse...

Não disse ser a nossa língua complicada? No meu comentário nº 2 corrigindo falha e ambanando mais, restou o "ALÍ", e não o "ALI" [Babá e os Quarentas Ladrões]
Abraços com votos (esqueci) de bom retorno ao seu "metier". Ai está mais uma excrescência linguística.

PS. Para que o "s" enfiado à palavra "excrescência"?

Anônimo disse...

Zanfra,
Acho que tem um erro de digitação:
Dizem que a reforma mexeu em apenas meio por centro (não seria por cento?).
Adorei o texto.
Beijos e bons textos por aí!!

Anônimo disse...

Prezado Zanfra;
É evidente que devemos nos adaptar às normais gramaticais vigente em nosso país. Machado de Assis já se manifestava quanto à evolução da nossa língua pátria:"Não há dúvida que as línguas se aumentam e alteram com o tempo e as necessidades dos usos e costumes. Querer que a nossa pare no século de quinhentos, é um erro igual ao de afirmar que a sua transplantação para a América não lhe inseriu riquezas novas.A este respeito a influência do povo é decisiva". O mestre autodidata sempre demonstrou a sua contemporaneidade, porém se vivo fosse,acredito que discordaria de muito livros de gramáticas cheios de regras sem fundamentos.Esse processo dessa "nova reforma" levou anos para se chegar ao objetivo pretendido (aprovação), mas pelo que se percebe,ainda levará algum tempo para o aluno se adaptar à nossa gramática elementar, que por sinal,novas reimpressões de vários autores, disputarão o mercado da língua pátria.A nossa acentuação já é tão complicada, cheia de "regras", que deveriam se preocuparem com a SINTAXE, essa sim,merece uma atenção bem detalhada no sentido de se empregar o termo correto tanto na escrita como na forma oral, evitando os solecismos corriqueiros, principalmente na mídia, acompanhados de figurões políticos...

Anônimo disse...

Como eu não sou muito de escrever e não tenho a grafia pré-concebida, vou ter um nível de dificuldade normal para redigir de agora em diante. É lógico que eu sabia, por exemplo, que ideia tinha acento e agora não tem mais. Mas essa supressão do trema e do hífen, acho, acabou sendo benéfica para os que, como eu, não eram tão íntimos da língua (opa!) como, por exemplo, os jornalistas.

Anônimo disse...

Quem e o dono da Lingua Portuguesa? Quem comecou com tudo isso? Unificar o que e quem? (Sem acento algum pois meu taclado so fala ingles..)Por que, meu Deus! Podem tentar brecar a evolucao da lingua, mas nao vai adiantar nada! Como ja dizia Mario de Andrade, ha duas linguas: a falada e a escrita.. Daqui a pouco a gente nao vai mais entender o que a gente escreve!
Sem falar na grana a ser gasta com toda essa mudanca..
Alguem me responda: qual a relacao custo/beneficio?

Marco Antonio Zanfra disse...

Relação custo/benefício? No Brasil? Ora, cara prima, se nós conseguíssemos descobrir a relação custo/benefício de manter tantos vereadores, deputados, senadores etc. com nosso dinheiro seríamos um país de Primeiro Mundo...

Anônimo disse...

Ah...eu gostei da mudança...não foi tão dificil como as outras correções ortográficas...e parabéns pelo seu artigo!

Anônimo disse...

Primo.. daqui a umas horinhas, estarei voando rumo a Sao Paulo..
Olha so o paradoxo: estarei mais perto de voce, porem mais distante...(que filosofa..)
Beijao!

Marco Antonio Zanfra disse...

Pois Rui e família acabaram de sair daqui, de volta a São Paulo. Quem sabe se, depois de passar uma semana maravilhosa por aqui, ele não te convence a dar uma esticadinha até Florianópolis e ficar mais perto de nós?

Anônimo disse...

ótimo texto, como poucos já fizeste. Divertido, leve. Um texto com maior alcance. Embora esses acordos ortográficos, se vai acento ou não ainda tenho até 2012,para "errar",tenham propósitos, penso que outras preocupações maiores com nossa língua deveriam ocupar os espaços de discussões. Entre elas a introdução de interpretação de texto, filosofia, sociologia, antropologia, imprescindíveis na formação do ser humano,para que se possa fazer uma leitura mais apurada sobre a vida, sobre a vida de cada um e poder tomar conta dela. Com ou sem erros.

Anônimo disse...

O homem do saco era temido porque andava sujo , com as roupas rasgadas, e os cabelos em desalinho.
Na antiguidade os leprosos eram afastados das comunidades e obrigados a usarem roupas rasgadas, cabelos em desalinho e gritarem sempre que alguem se aproximasse deles : Impuro, impuro.
Hoje os nossos jovens e tambem os que já não são tão jovens , os bem ricos e os nem tanto , usam calças rasgadas ( quando mais rasgos , mais cara ) de grife e os cabelos descabelados ou a cabeça raspada .É sinal dos tempos!

NADIR TEREZA ALVES disse...

Zanfra, você simplesmente disse tudo o que eu havia dito há poucos dias. Como dizem: "tirou de minha boca". Eu sou formada em Letras e em Ciências Jurídicas e Sociais. Sou Analista Judiciária do TRT da 15ª Região, em Campinas, e sempre tivera facilidade e rapidez na expressão escrita, da forma relatada por você, até que veio a última mudança ortográfica! Hoje, praticamente não tenho segurança acerca de nada que escrevo. A situação é complicada e toma-me toma muito tempo. Às vezes tenho pressa e prefiro substituir algum termo por sinônimo a consultar sua grafia correta. Quanto ao trema, gostava dele e tinha total domínio sobre seu uso. Preferia que o tivessem mantido. Mas, o que fazer? Se regras devem ser cumpridas, só nos resta cumpri-las...Parabéns pela franqueza e simplicidade com que reconheceu essa sua nova dificuldade, que, por certo, deve ser comum a muitos ex-conhecedores da língua portuguesa.