segunda-feira, 8 de junho de 2009

Quis o destino...

Entre os vários dramas paralelos relatados na esteira da tragédia com o avião da Air France, um em especial apresenta as características necessárias para ilustrar o que eu pretendo enfatizar na postagem desta semana: trata-se de um casal sueco que tinha o hábito de viajar separadamente, malgrado ambos seguissem para o mesmo destino, como forma de evitar que, em caso de acidente aéreo, os filhos perdessem pai e mãe de uma só vez.
Precaução louvável, saliente-se, mas que não faria sentido numa viagem que reuniria toda a família: se todos viajam juntos, para o mesmo lugar, que cheguem juntos ao destino, ou – numa lógica cruel, embora plausível – que sejam abatidos juntos num eventual desastre aeronáutico.
Mas o hábito não foi abandonado, apesar da atipicidade da viagem. A mãe e o filho mais velho embarcaram no Airbus que despencou no Atlântico; o pai e a filha mais nova haviam viajado num voo anterior ao fatídico 447. Os planos da família eram que todos se encontrassem no aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, e de lá embarcassem, juntos, para Estocolmo. Mas o 447, como todos sabemos, não chegou a Paris...
A questão é exatamente essa: por que algumas coisas acontecem de forma aparentemente injustificada, contrariando por vezes a lógica, de modo a que a ocorrência global tenha um determinado desfecho? Por que a família não embarcou toda no voo anterior ao 447 – o que pareceria lógico – e a esta altura todos estariam na capital sueca, ainda suspirando aliviados por terem escapado da tragédia?
Mais: por que um outro passageiro decidiu de última hora desistir do voo no Airbus para honrar a fidelidade com outra companhia e com isso conseguir desconto na passagem? Por que um passageiro descobriu só às portas do embarque que seu passaporte estava vencido e com isso impediu também que um amigo embarcasse? Por que um coreógrafo brasileiro quase foi obrigado a embarcar no voo por um erro da Air France, mas bateu o pé e acabou viajando antes, como estava previsto? Por que estes escaparam da morte, ao mesmo tempo que circunstâncias obscuras conspiraram para que os 228 ocupantes do Airbus estivessem lá dentro no instante em que a aeronave desapareceria no mar? Destino?
Há alguma outra explicação para fatos inexplicáveis? Será que fazemos todos parte de um grande teatro da vida, cada um com seu papel definido e cumprindo um roteiro pré-determinado? Um roteiro, aliás, elaborado por quem?
Não deixa de ser engraçado que alguém como eu – essencialmente cético, materialista, sem qualquer vínculo com um deus formal – consiga pensar em “destino” como um componente real da história de nossas vidas. Mas crer em quê?
Não posso dizer que seja um fatalista convicto, mas tenho forte tendência a apostar num envolvimento de energias cósmicas no desenrolar de tantos e quantos eventos globais, pequenos ou grandes, para o bem e para o mal. No meu caso, por exemplo, não estaria pré-definido que eu entraria num barzinho chamado Avarandado numa noite de maio de 1982 e lá conheceria a mulher que, até hoje, aguenta meu mau humor? Será que estava escrito no destino dela, coitadinha?
Os mais céticos falam na capacidade de livre-arbítrio para negar que tenhamos uma disposição prévia para que as coisas aconteçam em nossa vida. Concordo. Todos nós temos o direito de decidir se entramos ou não por determinada porta, se tomamos este ou aquele caminho. Mas não estaria em nosso destino tomar esta ou aquela decisão, não estaria em nosso destino entrar ou não por determinada porta ou seguir ou não por determinado
caminho?

27 comentários:

Cintia disse...

Se tem uma coisa que me afeta profundamente, me entristece demais sao acidentes aereos.. Fico me torturando, pensando na aflicao daquela gente sem ter pra onde correr.. A fatalidade, ou destino, fez com que pessoas de tantas partes diferentes do mundo estivessem naquele aviao.. e outros nao!
Uma vez, estava vindo ao Brasil, e meu aviao abortou a decolagem tres vezes. Ia para o runnaway, comecava a correr, dai parava, voltava para o gate, consertavam sei la o que, e la iamos nos mais uma vez.. na terceira vez, descemos todos para esperar que consertassem o aviao. Depois de uns 40 minutos nos chamaram novamente, e nos deram a opcao de pegar um voo no dia seguinte. Eu, que ja estava apavorada, fiquei no impasse: vou-nao vou..vou-nao vou.. Num impeto, fui! E nada de mais aconteceu, viajamos tranquilos (quer dizer, cada chacoalhadinha, cada barulhinho me arrepiava).. Moral da estoria: havia muitos "sinais" que na verdade nao eram mais que uma peca que foi trocada com sucesso..

Cintia disse...

Mas que quanto mais velha fico, mais medo me da de viajar..

Vinícius Melo disse...

Caro desconhecido Zanfra que acredito ter me encontrado pelo mesmo meio ou até mesmo pelo próprio Zé.
Destino pode até existir, mas está nas nossas mãos seguir ou desviar dele. Talvez o destino tenha me feito terminar um namoro e acolher em meus braços uma grande "amiga" ou talvez seja uma afinidade óbvia entre a gente que eu não assumia antigamente. As vezes quando não durmo por mais de 48 horas começo a ver pessoas a minha volta, poderia dizer que são espíritos, fantasmas, aliens ou ainda posso aceitar que eu preciso dormir por estar delirando. Moldamos os acontecimentos de acordo com nossas crenças e valores. Isso é muito comum com a bíblia, um sujeito pega um trecho que fala de um coelhinho fofinho comendo tranquilo e compara com um desastre, encaixa cada coisinha no seu devido lugar e alguns acreditam. Muitas vezes a palavra certa pra isso é coincidencia.

Anônimo disse...

Prezado Jornalista.
Ficamos tão chocados, emocionados, estarrecidos, penalizados, tristes, etc.,etc.,etc. quando acontece uma tragédia como esta, como se morrer fosse algo que nunca aconteceu antes e nem vai acontecer jamais., uma desagradável surpresa.
A única coisa certa na vida que é a morte, e nunca pensamos nela, por isso o susto .
Se a humanidade pensasse na morte não faria certas coisas, como as guerras, a violência, o ódio.

Um grande abraço

Maria Gilka

Cintia disse...

Voce trocou a roupa do blog?

Marco Antonio Zanfra disse...

Troquei. Ficou mais "clean" e com uma cor, digamos, que mais tem a ver comigo. Não gostou?

Vico disse...

Eu não acredito em destino; mas que ele existe, existe...

Cintia disse...

Gostei.. Nao sei se e meu screen, mas vejo a cor escolhida como um ensaio ao verde, assim meio cor de garapa.. Isso mesmo?

José Luiz disse...

Ô Zanfra, você roubou meu comentário tb?

Marco Antonio Zanfra disse...

Não entendi, José Luiz...

Blog do Morani disse...

08/06/09

Zanfra:

Envio-lhe apenas um pensamento de Holderlin - poeta alemão(Vide "OS CONSTRUTORES DO MUNDO" de Stefan Zweig), e o salmo 97, de Davi:

"SÓ CREEM NO DIVINO AQUELES QUE O TRAZEM EM SI.(Holderlin)

"OS CONFINS DA TERRA CONTEMPLAM A SALVAÇÃO DE NOSSO DEUS". Sl 97

Anônimo disse...

Prezado Zanfra
Temos presenciado tragédias nos mais diversos campos como estádios de futebol,espaços comerciais e residenciais,nas rodovias e transito urbano, templos, aeronaves e muitos outros.O que difere são as proporções, maiores ou menores.Invariavelmente recebemos no noticiário a convergência do motivo pelo qual tudo acontece: falta de manutenção séria,constante e cuidadosa.Se isso fosse feito, como seriam as tragédias?Diferentes? Eu acredito que nascemos com uma missão e só partimos quando a terminarmos. Então, o que ocorreu a essas pessoas, tiveram sua missão abortada ou já a tinham cumprido? Para mim isto ainda é mistério.A dor e sofrimento em qualquer uma tem a mesma intensidade e não há como fugir. O destino,para mim,pode ser mudado desde que tenhamos um grande auto-conhecimento de nós mesmos,então,é outro departamento.
Fugir da comoção que essas tragédias nos causam é impossível e só nos resta orar muito.
Quero deixar um beijo no coração de sua esposa que como você mesmo diz: "o atura".
Um grande abraço a você
sonia carotta

Marco Antonio Zanfra disse...

Cíntia: a cor de fundo é verde, prima, e isso é o que mais importa - porque é a cor de um certo time que só me dá alegria. Na paleta de cores do CorelDRAW, o tom se aproxima do padrão "verde-desbotado". Para chegar a ele em RGB, basta colocar os índices R=170, G=187 e B=169; em CMYK, Cian=35%, Magenta=17%, Yellow=35% e blacK=0%. Finalmente, no código hexadecimal: #aabba9. Isso de "cor de garapa" parece coisa de bêbado enrustido.

José Luiz disse...

Oi, Zanfra, deixe eu explicar melhor o meu comentário, pois o que escrevi parece coisa de maluco. É o seguinte: eutinha escrito um comentário anterior, dizendo que vc havia "roubado' o meu tema desta semana (eu pretendia, ou pretendo, ainda) escrever sobre a história desse casal do voo 447. E brincava: além dos meus leitores vc está roubandomeu tema tb? Mas não sei por que esse comentário não apareceu. Daí eu escrevi o segundo, mas sem explicar. Coisas da velhice chegando...

Marco Antonio Zanfra disse...

Só uma correção, Zé: eu não estou roubando os seus leitores; eu estou compartilhando-os...

Carlos Martí disse...

Vocês não acham que coincidências como essas acontecem todos os dias e em todos os lugares, sem que demos demasiada importância e somente quando a elas se somam circunstâncias dramáticas, os meios não resistem a reconstruir as sempre tradicionais histórias de efeito? Mal comparando é como aquele narrador de futebol que sempre que os ataques de uma das equipes se aproximava da área adversária gritava: "Agora sim, agora o gol sai...". Na hora do vídeo dos melhores momentos, o sujeito parecia um oráculo.

Abraço

Anônimo disse...

Zanfra,

Ainda no almoço de domingo comentei à mesa que achava totalmente esdrúxula a atitude desse casal sueco. Não entendi qual o sentido disso. Ora, se vai a família toda, por que não embarcarem juntos? Se pensaram no pior, estavam se prevenindo de que? Alguém me respondeu que talvez fossem pessoas que se preocupassem muito com os bens materiais que tinham. Do que isso adiantaria, diante de uma tragédia dessas? Se fosse comigo, certamente preferiria que morrêssemos todos; não iria conseguir sobreviver a isso... A menos que os pais fossem sem os filhos...daí é outra história.
E quanto à fatalidade do acidente, acredito que temos a capacidade de nos determinar de várias maneiras na vida...ir traçando nosso caminhos, como disseste...mas quando a senhora com a foice vem nos buscar, existe uma hora mais ou menos estabelecida para isso...então será aqui, lá ou acolá. Hora da morte...Acredito um pouco - e somente um pouco - nisso! Só peço a Deus, de todo o meu coração, que me livre de morrer num desastre aéreo. E como a Cíntia, meu medo de viajar de avião aumenta com o passar dos anos.
Abraços.
Guta

Cintia disse...

Agora me lembre.. os executivos de uma empresa holandesa em que trabalhei, quando viajavam nao podiam ir no mesmo voo. Acho que e da cultura escandinavia, embora tecnicamente a Holanda nao faça parte da escandinavia... mas ta perto!

Rui disse...

O Deus "formal" ou "informal",o acaso,destino,o cosmo,sei lá sempre arranja um jeito de levar-nos embora.Minha irmã lutou e sentiu-se vitoriosa contra um câncer e mal colhia os liouros dessa vitória infartou e morreu no meio da rua sem comer a planejada pizza.Foi só mais uma morte,mas que causou muita dor,particularmente na minha mãe.Não teve divulgação nem "especialistas" e mais "especialistas",ocupando o horário nobre tentando explicar ou simplesmente dar "pitacos" no acontecido.Quantos ônibus de romeiro,trabalhadores rurais,etc tem o mesmo destino cruel e nem um décimo de ocupação da mídia?Vejo a morte como algo que se sente individualmente e não no coletivo,nem na exploração jornalística.

Anônimo disse...

Gente, todos iremos morrer de uma maneira ou de outra. Seja ela aérea, terrena ou marítima, não importa. Estamos fadados a isso. E ponto. Eu não sei o por quê dessa valorização extremada pela vida se a morte é uma consequência. Nos debruçamos em dialogar exaustivamente, sobre a morte quando catástrofes como essas acontecem e nos esquecemos que no dia a dia também estamos matando alguém. Quer com nosso moralismo, preconceito, inveja, orgulho, prepotência e por aí vai. Esse barulho todo é porque um dia estaremos nós nessa mesma situação, sem vida, e isso é muito difícil de encarar. Claro, há dor pela perda, pela ausência daquela pessoa querida, ou não, que se foi para nunca mais. E esse é um momento para refletirmos sobre esse nunca mais. Pelo menos nessa dimensão.

Carlos Martí disse...

A isso me referia, Rui, que a maioria somos anônimos pontos no mapa mediático e, isso sim, muito importamtes para aqueles a quem realmente importamos, até virarmos personagens de uma história mediática, vivos ou não.

Carlos Martí disse...

Resumindo, que o título do post "Quis o destino" muito bem podería ser também "Quis o editor".

Rui-dundante disse...

É verdade.Com menos primor,disse a mesma coisa.Perdoe-me a redundância,Carlos.

Gennara disse...

Caros,
Até concordo que a TV explora as mortes e as tira da dor individual para distribuí-las ao coletivo, numa grande catarse. Mas isso não nos é essencial enquanto humanos? Comovermo-nos com a tragédia alheia não nos faz animais sensíveis e capazes de gestos de grandeza? A compaixão não é afinal o que nos diferencia da besta-fera? Se a exploração midiática consegue produzir esse efeito catártico, tão necessário a que nos sintamos humanos, impedi-la não seria simplesmente deixar que nos contentássemos com a frieza de uma nota de jornal ou de uma estatítica? Ora, nós precisamos de emoção para nos sentirmos vivos.
abs. Gennara Vitti

Kafka disse...

Carlos Marti tem razão: são apenas coincidências, que acontecem todos os dias, todas as horas. O problema é que elas ganharam destaque porque, coincidentemente, estão associadas a uma "ocorrência global", como disse o autor do texto, e tiveram "repercussão global", como disse eu mesmo.

Kafka disse...

Outra coisa, que eu esqueci: todos nós vamos morrer, um dia. Se essa morte acontecer numa viagem aérea que a gente ganhou num sorteio promovido pela margarina Doriana vão dizer que foi o destino? Ou apenas uma infeliz coincidência?

Serafim disse...

Caro Zanfra

É simples: na verdade somos como um produto qualquer em uma gôndola de supermercado.Ao nascermos trazemos impresso internamente um prazo de vencimento.`Só não sabemos se será em terra ou no ar.
Abraços