segunda-feira, 10 de maio de 2010

Mãos sujas de sangue

Dois dos dezesseis envolvidos no massacre dos presos do presídio Urso Branco, em Rondônia, foram condenados a um total de 931 anos de pena. Um deles recebeu 486 anos, o equivalente a 18 anos de condenação para cada um dos 27 detentos mortos em 2002. Fico imaginando a quantos anos serão condenados os autores intelectuais da chacina.
Sim, porque aquelas foram mortes encomendadas. Todos os 27 mortos eram presos do seguro – estavam ameaçados de morte pelos outros detentos e, por isso, ficavam isolados – quando foram simplesmente entregues às feras pela direção do presídio. Para mim, os diretores os condenaram à morte. Agiram nos moldes dos grupos de extermínio e por isso cometeram crimes hediondos. É possível até que seus crimes sejam considerados cinco estrelas, ou seja, teriam características listadas em cada uma das cinco qualificadoras do crime de homicídio.
Com um sexto agravante, do meu ponto de vista: os presos jurados de morte saíram das celas seguras para o olho do furacão na tarde de 1º de janeiro de 2002, o chamado Dia da Confraternização Universal. Muitos choravam já antevendo o próprio destino. Foi, imagino, uma bela cena para marcar a data.
No dia seguinte, todos foram mortos a golpes de facas fabricadas nas celas pelos próprios presos. Cinco foram decapitados. Não morro de pena dos presos, mas abomino a covardia com que foram mortos. E os maiores covardes são aqueles que, por detrás das portas de seus gabinetes, ordenaram o massacre. Pena máxima – trinta anos para cada morte, o que somaria 810 anos – para cada um deles.

A chacina do Urso Branco – a prática de lavar as mãos com sangue e entregar presos subjugados à sanha assassina de outros – lembrou-me um caso que acompanhei há bem uns 30 anos, quando PMs foram “trocar” um preso de viatura bem no meio da turba enfurecida e, como qualquer pessoa de sã consciência imaginaria, a história acabou em linchamento.
Aconteceu no Jardim Míriam, bairro da Zona Sul de São Paulo, divisa com Diadema. Não me lembro do nome da vítima de linchamento. Lembro-me apenas de que ele havia violentado, assassinado e esquartejado o corpo da própria sobrinha, uma menina de nove anos chamada Sandrinha.
O assassino foi preso logo em seguida, e ficou andando para lá e para cá dentro do camburão da polícia. Até que, alegando que a viatura que o transportava iria deixar o serviço, os PMs resolveram fazer o transbordo para outro camburão, logicamente sem notar que havia entre oitenta e cem pessoas sedentas de vingança nas proximidades. Resultado: o preso foi morto a golpes de pau e pedra a poucos metros do córrego onde havia jogado os pedaços do corpo da sobrinha.
No fundo, acho que os PMs apenas anteciparam seu destino. Não fosse justiçado pelos próprios vizinhos de sua pequena vítima, ele certamente não escaparia ileso de um dos muitos Ursos Brancos da vida.

Meio macabro o texto desta segunda-feira, né? Peço que meus poucos mas sensíveis leitores me perdoem, mas escrever é a única forma que encontro para exorcizar meus demônios.

19 comentários:

Anônimo disse...

Zanfra!
Apesar de concordar que "bandido bom é bandido morto", também abomino a covardia no caso do Presídio de Urso Branco. Os "jurados" estavam totalmente à mercê dos demais, sem qualquer chance de defesa, só por isso.
Quanto ao caso da menina estrupada e esquartejada, os policiais deveriam "soltar" o monstro na cela de qualquer Distrito Policial e informar aos demais o que ele fez. Certamente ele iria sentir na própria pele o que fez com a pobre criança. A bandidagem também não suporta esse tipo de criminoso covarde e cruel. Ele iria saber o que é fazer necessidades fisiológicas em pé, sem precisar sentar na latrina!...

Blog do Morani disse...

Salve Zanfra!

Não, o seu texto não tem nada de macabro. Macabros são os poderosos em cujas mãos de Pilatos se acha o Poder de decisão. A violência atrai força igual em sentido contrário.
Aqui em Cantagalo, RJ, houve um linchamento terrível que ficou famoso durante boa parte de tempo. Os que cometeram uma atrocidade contra uma jovem foram arrancados do veículo, onde se encontravam tranquilos, para serem espancados com os cuidados de mantê-los vivos
e bem vivos. Depois devolveram um deles ao veículo e tocaram fogo; o segundo teve o mesmo fim só que amarrado a uma árvore. Quer coisa mais macabra que essa? E foi um gesto cometido por pessoas de uma cidade pacata. Exorcizemos, todos nós, os demônios sentados por trás de belas mesas a abrigados em ambientes palacianos.

Marco Antonio Zanfra disse...

Obrigado, Morani: sinto-me menos culpado por dividir o fel com vocês.

Anônimo disse...

Zanfra, pelo menos vc não participou do linchamento. Na época da Cásper, contavam uma história de um colega nosso que para dar um furo foi presenciar uma execução do esquadrão de morte. E para que ele não entregasse ninguém depois, botaram um revolver na sua (lá dele) mão e fizeram-no dar pelo menos um tirinho...


abs
José Luiz Teixeira

Marco Antonio Zanfra disse...

Puxa! Isso é o que eu chamo de matéria vivencial!

Vico disse...

É, algumas pessoas têm um modo bem simples para resolver os problemas de superpopulação carcerária... Pois eu penso diferente: para mim, a solução, a curto prazo, é a construção de mais presídios; a longo prazo, a construção de mais escolas!

fábio mello disse...

Nem lembrava mais desse caso. Só perde para o Carandiru. Concordo: tem que punir exemplarmente os mandantes.

Anônimo disse...

Prezado Zanfra
Lamentável....horrível...só isso a dizer.Pois é, divido com você essa necessidade de exorcizar demônios.É triste ver toda essa depredação do homem pelo homem.É triste saber que somos racionais e age-se dessa maneira. Os bichos matam para sobreviverem.É a cadeia natural no mundo deles....mas são denominados irracionais. Mas creio que para o homem chegar à irracionalidade deles...ah falta muito...mas muito mesmo.É uma pena.
bjussssssssssss
sonia carotta

Fabiano Marques disse...

A cena dessa chacina é uma reprodução, com outros personagens, do que acontecia na Roma Antiga.
Cristãos jogados aos leões.
Um ato que se reproduziu várias vezes ao longo da história. Só mudam o endereço e os algozes.
Não há diferença na atitude.
Ou vocês acham que os imperadores rondonienses serão punidos?

http://emcimadapauta.blogspot.com

abrasssssssss

Marco Antonio Zanfra disse...

A diferença, Fabiano, é que na Roma antiga as mortes aconteciam para diversão do povo. Panem et circenses. Lançar os cristãos aos leões na arena do Coliseu era programa de lazer.
Lançar os presos aos leões no Urso Branco foi selvageria, crueldade e covardia.

cilmar machado disse...

Na minha época de estudante, no antigo ginasial, nas aulas de História do Brasil, havia uma lenda em que Dom Pedro II enchia um navio de bandidos e fascínoras e os fazia afogar em alto mar. Alguém já ouviu tal coisa? Será que o afogamento foi substituido pelo fuzilamento? Tempos modernos os nossos, não?...

Marco Antonio Zanfra disse...

Na minha época de estudante, a história que se contava era que o rei de Portugal encheu um navio de bandidos, facínoras e degredados e os mandou colonizar o Brasil...

cilmar machado disse...

Então, Pedro II os devolveu... rs rs rs

Unknown disse...

Oi Zanfra.

Acredito que esse fato pode ter uma relação com outras atrocidades que são cometidas premeditadamente no nosso dia-a-dia, claro, sem a brutalidade física deste fato. Quando algum agente público toma uma decisão pressupondo ou até sabendo das conseqüências danosas que sua atitude alcançará, estará agindo como os que condenaram a morte os 27 detentos (sem entrar no mérito se mereciam ou não tal destino). Temos acompanhado recentemente como isso vem acontecendo de forma velada em nosso estado. As eleições vem vindo aí. temos que avaliar bem em quem vamos votar (se isso valer a pena).
Ou fazemos isso com sabedoria ou entregamos o estado aos "vendedores, sabotadores, linchadores e outros ...ores."

Um forte abraço,

Jacinto.

Gennara Vitti disse...

Não podemos nos esquecer das milhares de pessoas que são condenadas à morte, todos os dias, mesmo sem estarem presas ou serem juradas de morte, simplesmente porque não têm níveis de alimentação, saúde, saneamento básico e educação dignos de seres humanos...

Marco Antonio Zanfra disse...

Você tocou num ponto nevrálgico: de todas essas mortes a gente nem fica sabendo, porque elas não vão a júri popular...

Ronério disse...

Sou advogado. Pelo que acompanho no noticiário, cinco presos foram julgados e apenas um absolvido. Mas seis membros da "cúpula" do presídio - responsáveis diretos pela entrega das vítimas a seus algozes - foram pronunciados, recorreram da pronúncia e não deverão ser julgados tão cedo. A partir disso, alguém acredita que eles serão condenados?

Anônimo disse...

Não foi assim como o blog Morani comentou sobre Cantagalo.Os que foram linchados faziam parte da turma que ajudou no Massacre. Aqui sequestraram um menino de dois anos e meio que estava a passeio com a família, escoderam o menino da família no final do dia, onde se encontravam muitas outras crianças, ficamos surpresos com a tia-avó ao qual ajudou a esconder o menino para um ritual macabro a mando do dono da fazenda que chegou ao entardecer e não deixou a família fazer a busca da criança pelo matagal e açude, tivemos que ir a delegacia e bombeiros para procurar o menino enquanto saimos com certeza esondeu num lugar onde nem os próprios policiais achariam. Os envolvidos foram linchados vivos na porta da delegacia, pois o povo estavam revoltados com o acontecimento, foram precipitados pois não achou o menino vivo, já o encontraram morto vítima de um ritual de magia negra, degolado, sem coração e sem uma gota de sangue.E, quem ficou preso, pagou por este crime, será? Será que está vivo até hoje? Só sei que meu ANJO está junto de DEUS e lá está feliz intercedendo por nós... Este ANJO é meu irmão, isto aconteceu +- 12/10/1979, eu tinha dez anos e lembro...
Monica Mansur Vieira

Gia G disse...

Lamento com sua perda até hoje Mônica Mansur e de sua família. Apesar de na época ser uma criança assim como vc, lembro-me perfeitamente do crime bárbaro cometido contra o menino. Existe um livro narrando toda a estória dessa atrocidade macabra que envolvia muito dinheiro, gente poderosa e magia negra.