segunda-feira, 28 de março de 2011

Um dedo que caiu do céu

Nós, os ficcionistas – perdoem-me os leitores pela presunção – temos de nos render à evidência dos fatos: a vida real é, às vezes, muito mais mirabolante do que qualquer trama rocambolesca que possa ser engendrada pela mente do mais profícuo dos autores. E não é de hoje.
Faz tempo que lemos nos jornais notícias que, não fosse a credibilidade conquistada pela imprensa à custa de muito suor e lágrimas, pareceriam estrondosas mentiras, deslavadas lorotas, produtos de mentes fantasiosas dignas de corar de vergonha o Barão de Munchausen, pela própria inferioridade.
Só para citar dois exemplos mais recentes: os policiais que prenderam uma cabra, julgando ser um assaltante que se transmudara para fugir à prisão, e o proprietário do forno crematório que, em vez de cremar os corpos, ia juntando dezenas de cadáveres num depósito e embolsava a grana recebida pelo serviço não realizado.
Esse papo de que a vida imita a arte precisa ser atualizado, pois: a vida imita a arte, sim, mas às vezes com muito mais criatividade.
A bola da vez é esse dedo que caiu do céu, lá em Londres. Dá para imaginar que seja verdade um passarinho não muito ciente das próprias limitações resolver levar um pedaço de dedo humano no bico, deixá-lo cair no meio de um estacionamento e com isso ajudar a polícia a elucidar um crime ocorrido um ano antes?
Pois é. Graças ao achado do pássaro, a polícia conseguiu localizar uma pequena parte do corpo de Mahmud Ahmad, que havia sido torturado e esquartejado pelo cunhado para contar onde a irmã caçula – esposa do assassino (Mohamed Riaz, a figura estranha da foto no alto) – estava escondida. Não contou. E por isso está distribuído sabe-se lá em quantas partes e sabe-se em quantos lugares da capital inglesa.
Nahid, a irmã da vítima, abandonou o marido em 2008 – justamente por seu caráter violento – mudou de nome e contou para uns poucos parentes onde estava vivendo. Naquele mesmo ano, o marido abandonado iniciou uma campanha de terror contra a família de Nahid, tentando descobrir o paradeiro da ex-mulher. O ato final dessa campanha foi a tortura e morte de Mahmud.
A polícia revirou lixões da região em busca do corpo da vítima, sem sucesso. Os investigadores chegaram a estudar rotas de voos de pássaros para tentar descobrir onde a ave tinha localizado o dedo, mas não tiveram sorte.
Pois a eles, agora, resta esperar que a vida continue imitando a arte, com sua capacidade de surpreender, e uma outra parte do corpo, a exemplo do dedo, também caia do céu.


Ainda falando em ficção, quero lembrar a todos que meu livro As covas gêmeas estará sendo lançado em São Paulo nesta quinta-feira, 31 de março, a partir das 19h30, na livraria da Editora Brasiliense (rua Mourato Coelho, 111, Pinheiros, fone 11 3087-0000). Se até não muito tempo atrás não tive pena de baixar o cacete no que me parecia um desinteresse da editora pelo livro – ou até um certo amadorismo por parte deles para tratar da própria produção – agora devo reconhecer o profissionalismo da equipe na organização do lançamento. Parece coisa de gente grande.

6 comentários:

jean mafra em minúsculas disse...

seu texto me lembrou o filme "fale com ela" de pedro almodóvar. lá tudo que parece mais absurdo e "imaginoso" é na verdade fruto da apropriação que o autor fez de fatos reais noticiados nos anos anteriores...

pois é pois é pois é.

Cintia disse...

E eu nao vou poder ir.. Meu livrinho comprado em Sao PAylo vai ter que esperar sabe-se la quanto tempo por um autografo..

Divirta-se

Carlos Martí disse...

Infelizmente não cravei nem um só número. Mesmo assim , sinta-se abraçado desde aqui e aproveite o momento ao máximo.

Ricardo disse...

Prezado Zanfra;
Um dito popular diz que "O crime não compensa". Essa prova digital caída de cima (royalties para o pássaro),acompanhando a lei da gravidade,já foi o suficiente para a polícia londrina, Scotland Yard,mostrar a sua eficiência para solucionar crimes recônditos. Porém, vale ressaltar que o crime,"Jack o estripador",acontecido há mais de cem anos,nunca foi resolvido, ou melhor,não apanharam o verdadeiro assassino.Mas, um dia quem sabe,isso venha a ser revelado sob a égide da tecnologia através dos resquícios do DNA do criminoso,pois nada existe de oculto que não venha ser revelado. Quanto às "Covas gêmeas",no momento que a tal obra estiver disponível nas prateleiras das livrarias da minha cidade, então eu a comprarei.

cilmar machado disse...

Zanfra:

Muito sucesso no lançamento paulistano do As Covas Gêmeas e que o sucesso de vendas o acompanhe.
Quanto ao dedão voador, com essa o assassino não contava, não é?
Agora, uma curiosidade: não cairam outras partes do infeliz assassinado? Será que os pássaros têm preferência apenas àquelas partes que propiciem a identificação do assassino. Seria uma ave detetiva?... rs rs rs

Marco Antonio Zanfra disse...

Não tinha pensado nisso, Cilmar. Deve ser um pássaro pequeno, para carregar uma única impressão digital; se fosse maior, levava a arcada dentária inteira.