domingo, 27 de maio de 2012

De planetas e fraturas

1 – Parece que o sonho terráqueo de encontrar um planeta parecido com a Terra, para transferir a população – ou parte dela – quando este aqui estiver exaurido e inabitável, ainda está um pouco longe de se realizar.
As estimativas do Kepler, o satélite “caçador” de planetas incumbido dessa missão, não são nada animadoras: das 156 mil estrelas cadastradas e vistoriadas pelo engenho até agora, apenas 27 podem abrigar uma “Terra 2” em termos de tamanho e órbita: planetas pequenos como o nosso e suficientemente afastados de sua estrela (sol). Mas o problema é que, depois de uma análise mais rigorosa, descobre-se que, quando o planeta tem tamanho similar ao da Terra, não tem órbita parecida, e vice-versa.
Fico imaginando que, após mais algumas décadas de pesquisa, o Kepler consiga encontrar nosso lar substituto. Mas não consigo avaliar se os erros cometidos com esta Terra de hoje serão repensados nesse novo começo, ou se o ser humano vai continuar agindo por inspiração de seu instinto predatório e destruir o novo planeta como está destruindo este, obrigando o Kepler – ou outro satélite que o valha – a procurar uma “Terra 3”.
Fico imaginando também se, diante das perspectivas atuais nada animadoras do Kepler, não consigamos repensar nossas atitudes de agora, de modo a tornar um pouco mais remoto nosso inexorável fim.

2 – Lendo uma crônica do Ruy Castro na Folha, em que ele relata as dificuldades de ter um membro imobilizado em virtude de uma fratura, lembrei-me da época em que meu braço direito foi inteiramente engessado por causa de uma fratura de úmero e me vi obrigado a repensar meus conceitos de motilidade humana.
Provavelmente só os destros vão entender meu drama, mas vocês já tentaram escovar os dentes com a mão esquerda? Demorei pelo menos duas semanas até atingir a coordenação necessária, mas no começo eu chegava a escovar as duas orelhas a cada tentativa de ater-me à arcada dentária.
Comer, só de colher, porque me era impossível manter uma carga de arroz equilibrada naquele espaço exíguo e aparentemente volátil do garfo. Tive a sorte de contar com a benevolência da funcionária de um restaurante no centro de Cuiabá – esqueci de dizer que morava lá na época – que cortava meu bife em pedaços pequenos e me desobrigava da necessidade de rasgar a carne nos dentes, sob o risco adicional de ver o braço esquerdo, com o garfo em punho, atingir um comensal vizinho de mesa.
Mas diz que a necessidade é mãe da invenção... e eu completaria que ela é mãe também das adaptações, no mais darwiniano dos sentidos. Se eu dissesse que, ao cabo de um mês, já estava conseguindo amarrar os sapatos usando apenas a mão esquerda meus poucos mas compassivos leitores acreditariam?
Juro que é verdade. Assim como também é verdade que, além de conseguir escovar os dentes mantendo as orelhas intactas, aprendi a passar o fio dental – ainda que de uma forma precária, devo confessar – usando apenas três dedos da sinistra.
O problema é que, ao retornar à configuração original, voltei a fazer tudo novamente com a mão direita e perdi o sinistrismo. De modo que, se acontecer novamente um engessamento do braço direito, terei de reaprender minhas antigas habilidades.
Só que, agora, quase vinte anos mais velho...

7 comentários:

Álvaro Junqueira de Arantes disse...

Eu fiquei um ano, um mês e 11 dias!!!!!!!!! Casei assim... Lua de mel assim... Tranquilo!

Marco Antonio Zanfra disse...

Esqueci de citar essa parte "lua de mel" de que você se lembrou, Álvaro... Mas para mim não foi nada tranquilo, não!

fábio mello disse...

Maravilha de texto!

Mario Augusto de Moraes Machado Machado disse...

Amigo Zanfra:

Eu já procurei treinar o uso de meu braço esquerdo para situações
parecidas às suas; quem disse que eu consegui? O problema maior era
para desenhar, pintar e até mesmo a escovação dos dentes e levar
comida à boca. Desastre puro! Desisti... Essa seria uma prática
excelente, se pudéssemos e ousássemos mudar um pouco que fossem nossos
hábitos. Você chegou a se habituar; parabéns!!! Abraços.


Morani

Anônimo disse...

Zanfrinha,

Como sou canhota (ou sinistra), a minha mão direita equivale à esquerda dos destros, ou seja, um zero à esquerda.
No entanto, como vivemos em um mundo no qual a maioria dos objetos e utensílios foi criada para destros, acabamos levando certa “vantagem” na arte de se adaptar ao uso da “mão boba”. Dois exemplos que me lembro agora: aprendi a manusear o mouse e abrir latas com a mão direita, neste último caso por motivo óbvio, já que é IMPOSSÍVEL utilizar um abridor de latas para destro na mão esquerda.
Bjo! Guta Probst.

Anônimo disse...

Prezado Zanfra
Noutro planeta semelhante ao nosso:o homem faria tudo igual. seria a Terra 2 a caminho da 3.
Quanto à minha destreza, sempre arranhei escrever com a mão esquerda e tudo mais.Isso porque sempre achei "lindo" quem é canhoto...acho que sou do contra rsrsrs
bjussssssssssssssssss

Mário Augusto de Moraes Machado disse...

O Homem é incorrigível em seus avanços tecnológicos e sente o impulso natural de se aventurar ao Cosmo. Busca planetas que possam receber em futuro não muito distante a raça humana. Sabe que o Sol cedo ou tarde será uma estrela branca, mas que antes ele crescerá de tal forma ao ponto de abraçar os planetas que o orbitam; a Terra será o terceiro a
ser "engolido pela luz e calor fulgurantes. Todos os elementos derreter-se-ão e a Vida como nós a conhecemos, aqui, não será mais possível. A nossa galáxia oferece ao Homem bilhões de estrelas, nebulosas que são os berços estelares, milhões de outros sóis e de
sistemas semelhantes ao nosso, mas atravessar a galáxia de um lado ao outro levaria outros tantos bilhões de anos. Nosso sistema solar se encontra, presentemente, à fronteira da Via - Láctea, ou seja: à borda do último braço da espiral galáctica. Já estivemos mais ao interior
dela. A constelação de Orion possui uma estrela - Betelgueis – muito maior em escala física que o nosso Sol, mas essa estrela não comanda um sistema solar próprio, nem poderia pelo seu tamanho; há planetas e sistemas semelhantes ao nosso em quase toda a galáxia, mas atingi-los demandaria centenas e centenas de anos. Qual geração terrena conseguiria o sucesso de, atingindo um desses planetas, povoá-lo com critérios? Na certa, as depredações continuariam como agora na Terra e a nossa Humanidade andaria a mesma caminhada, e assim sucessivamente. Nosso fim, infelizmente, dada a incúria do próprio Homem, é o de nos
dissolvermos sob o calor intenso do nosso Sol em expansão. Para quem tem praia ao alcance, e Sol à vontade, será uma “excelente” possibilidade de estar sempre bronzeado! E que bronzeado... Abraços.